Brasília – Após o “recesso branco” negociado para que congressistas pudessem ficar em suas bases políticas durante a semana para negociar o troca-troca partidário sob os auspícios da “janela partidária”, o Supremo Tribunal Federal (STF) ampliou, na semana passada, sem aviso prévio, o alcance do foro privilegiado. A blindagem, que dá status especial de julgamento a políticos com mandato, voltou a ser discutida pela Corte em razão de pedido de habeas corpus impetrado pelos advogados do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), processado pelo crime de concussão.
O STF volta a tocar em assunto considerado exclusivo do Congresso Nacional e a reação foi imediata. Deputados da minoria querem priorizar a votação, na próxima semana, de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que acaba com o foro privilegiado.
O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do presidente do tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, mas deverá ser retomado na semana que vem.
A PEC do fim do foro privilegiado, que já foi aprovada pelo Senado e por comissões da Casa comandada por Arthur Lira (PP-AL), aguarda apenas o aval do plenário da Câmara para ir ao Plenário e ser votada. O movimento tem força, principalmente entre parlamentares da oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Aliados de Lira ponderam que não há ambiente favorável ao avanço do texto.
Essa indisposição seria sustentada principalmente porque decisões recentes do STF arquivaram tanto processos contra o Lira quanto contra outros parlamentares e há a desconfiança de que tribunais inferiores, em função de articulações de adversários, não dariam a mesma decisão favorável a eles.
Em reunião nesta semana com a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), a líder da minoria na Casa, Bia Kicis (PL-DF), reforçou que a PEC deve ser uma das pautas consideradas prioritárias do bloco. No mesmo encontro, ainda houve a defesa para que o Congresso se debruce sobre o projeto que estabelece regras para o uso da inteligência artificial.
Entre os congressistas da oposição, prevalece a leitura de que um eventual avanço da PEC do fim do foro seria a resposta adequada para a iniciativa do STF de revisitar o alcance do privilégio. Há a expectativa de que os magistrados possam atualizar os critérios definidos em 2018. “O STF, mais uma vez, volta a julgar o que já havia julgado,” criticaram as deputadas de direita.
Caso Zequinha Marinho
Na semana passada, o plenário virtual do STF iniciou o julgamento de um habeas corpus movido pela defesa do senador Zequinha Marinho, reacendendo a discussão sobre o alcance do foro privilegiado.
Réu em uma ação penal na Justiça Federal do Distrito Federal por ter supostamente ordenado, enquanto foi deputado federal, que servidores de seu gabinete devolvessem 5% de seus salários para o PSC, então seu partido, o paraense e sua defesa alegam que o caso deve ficar no STF porque desde 2007 ele exerce cargos com foro privilegiado, antes de ser senador. Marinho nega ter cometido o crime de concussão.
Há a expectativa de que a apreciação do caso possa alterar o alcance do foro privilegiado. Em 2018, a Corte decidiu que deveriam tramitar na Corte somente casos de deputados e senadores que tivessem cometido crimes durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo. Antes disso, qualquer inquérito ou ação penal contra congressistas, mesmo anteriores ao mandato, era transferido para o STF.
O voto do ministro Gilmar Mendes desagradou deputados da oposição, que passaram a defender a necessidade de “reação à altura” por parte do Legislativo.
Em seu voto, Mendes defendeu que a prerrogativa de foro privilegiado deve continuar mesmo após a saída do cargo em casos de crimes funcionais. Quatro ministros já acompanharam esse entendimento e o julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. A análise deve ser retomada na próxima semana e ninguém aposta como será o placar final.
Descontentes com a Corte e com operações da Polícia Federal de busca e apreensão contra deputados adversários do atual governo, opositores voltaram a defender reações ao STF. Entre elas, que a Câmara aprove texto que acabe com o foro para todos os detentores em diferentes níveis, como juízes, integrantes do Ministério Público, governadores, ministros, deputados e senadores.
O atual conceito de foro continuaria existindo somente para presidente e vice-presidente da República e para os chefes dos demais Poderes.
Apesar dessas articulações do grupo de oposição ao governo Lula, aliados de Lira não acreditam que o presidente da Câmara e lideranças do Centrão endossarão o movimento.
Não interessaria ao grupo afrontar a Corte, apesar de eles também terem ficado insatisfeitos com algumas operações e com a forma como foi conduzida a prisão de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de ser um dos mandantes da execução da vereadora fluminense Marielle Franco (PSol) e do motorista Anderson Gomes em 2018.
A tendência é de que o grupo de Lira contribua com votos para manter o parlamentar fluminense na prisão. Na votação, que deve ocorrer na próxima quarta-feira (10), lideranças do Centrão devam fazer pontuações sobre supostos abusos da Corte e da PF.
Os recados, porém, devem ficar, pelo menos nesse primeiro momento, restritos a isso. Um endosso à PEC do fim do foro estaria fora do radar neste momento, de acordo com expoentes do Centrão.
Por Val-André Mutran – de Brasília