A invasão não começou silenciosa. O movimento que há pelo menos uma década pulsa nas ruas de Belém chegou ao resto do país na figura exuberante da cantora Gaby Amarantos e se fez presente até no carnaval pernambucano – que neste ano teve shows de Dona Onete e Gang do Eletro no Rec Beat.
Gaby, Dona Onete e a Gang são algumas das atrações do festival “Invasão Paraense”, que começa nesta sexta-feira (3) no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília. Passando por ritmos como a guitarrada e o carimbó, o evento quer apresentar ao público um panorama da música paraense.
“Belém hoje uma fase parecida com a que viveu Recife nos anos 90, trazendo para o Brasil uma leva de artistas e de gêneros que o país não conhecia. É a cidade hoje que tem o cenário musical mais efervescente do país”, diz Chico Dub, um dos idealizadores do festival.
Para entender como o Pará se tornou um polo musical tão intenso, Dub afirma que é necessário conhecer os artistas que criaram os ritmos que hoje são considerados tipicamente paraenses.
E por isso vão se apresentar no festival nomes como Pinduca, conhecido como o rei do carimbó, e os Mestres da Guitarrada, projeto do Mestre Vieira em parceria com o músico e produtor Pio Lobato.
Belém vive hoje uma fase parecida com a que viveu Recife nos anos 90, trazendo para o Brasil uma leva de artistas e de gêneros que o país não conhecia. É a cidade hoje que tem o cenário musical mais efervescente do país”
Chico Dub, idealizador do festival ‘Invasão Paraense’
Vieira é um dos criadores da guitarrada, gênero tocado em guitarra com cordas de violão e com forte influência de ritmos caribenhos como merengue e lambada.
Os acordes sinuosos da guitarrada estão presentes no repertório de Gaby, da Gang do Eletro e da cantora Lia Sophia, que nasceu na Guiana Francesa, mas mora em Belém – e também se apresenta no festival.
“Eles reverenciam os artistas mais velhos, têm um respeito grande pelas pessoas que abriram as portas”, diz Dub sobre a relação da nova geração com a velha guarda da música paraense.
Brasília, cidade ‘bregueira’
Pouco menos de uma semana depois de se apresentar na Praça do Museu Nacional da República, Gaby Amarantos volta a Brasília nesta sexta, novamente em show gratuito. Ela abre a programação do festival e promete fazer um show tão animado quanto o do último sábado (28).
“Vamos ter algumas músicas diferentes, com um repertório mais voltado para a ideia central do festival, com mais músicas do Pará (…) Sempre fui tratada com muito carinho em Brasília, que acho que é uma das capitais mais bregueiras do país, que melhor está acolhendo a música brasileira”, diz a cantora.
Nascida e criada em Jurunas, na periferia de Belém, Gaby é atualmente o expoente mais forte da invasão paraense. Ela avalia que uma série de fatores contribuíram para o reconhecimento dos artistas do seu estado, entre eles o aumento da renda da classe média.
“É claro que tem uma questão econômica de uma classe C que ascendeu, que é o meu caso. É também um momento de quebra de preconceitos. O brega ficou muito popular, era muito segmentado antes. O Brasil sempre ouviu muito brega, mas sempre teve muita vergonha. Eu tinha um público mais popular e agora consigo atingir pessoas de um público mais alternativo, mais cult.”
Neotropicalismo e antropofagia cultural
Chico Dub afirma que o sucesso de Gaby, que ficou famosa com uma versão em tecnobrega de “Single Ladies”, da cantora Beyoncé, é um fenômeno que se repete nas periferias de países da América Latina, da África e da Ásia.
“Desde 2009 eu faço uma pesquisa internacional sobre a música eletrônica e sobre a música feita hoje nas periferias desses países. E todos esses países estão fazendo basicamente a mesma coisa: que é misturar música eletrônica com ritmos folclóricos, com a suas raízes”, afirma.
O Pará tem uma cultura que é muito diferente do resto do país. É uma espécie de neotropicalismo, de antropofagia cultural que eles estão conseguindo fazer e estão conseguindo exportar isso por causa da internet”
Chico Dub
Para Dub, a maior diferença entre o cenário musical que brotou em Recife nos anos 90, baseado na mistura de maracatu com outros ritmos, e a atual onda paraense é a possibilidade de divulgação via internet e redes sociais.
“Moda é sempre uma coisa passageira, mas eu acho que é [um movimento] que veio para ficar. O Pará tem uma cultura que é muito diferente do resto do país. É uma espécie de neotropicalismo, de antropofagia cultural que eles estão conseguindo fazer e estão conseguindo exportar isso por causa da internet.”
Dub, que é diretor artístico do Novas Frequências – festival internacional de música independente e experimental – e um dos curadores do Sónar São Paulo – que teve a Gang do Eletro como atração – afirma que o interesse de gravadoras estrangeiras pelo tecnobrega é latente.
“É muito claro que existe um interesse internacional pelo tecnobrega, porque é algo muito original. Você vê que aquele cenário é muito autêntico, que nasceu de uma vontade individual de cada um deles. Eles não são produtos”, diz.
Os shows de abertura e de encerramento do festival são gratuitos. Os ingressos para os outros custam R$ 6, a inteira. As apresentações começam às 21h. Confira detalhes na página do CCBB.
Veja a programação completa:
3 de agosto – Gaby Amarantos
4 de agosto – Pinduca
5 de agosto – Metaleiras da Amazônia
10 de agosto – Lia Sophia
11 de agosto – Dona Onete & Mestre Laurentino
12 de agosto – Mestre das Guitarradas com Mestre Vieira e Pio Lobato
17 de agosto – Guitarradas do Pará com Mestre Curica e Aldo Sena
18 de agosto – Festa de encerramento: Felipe Cordeiro, Gang do Eletro e Jaloo
Fonte: Jamila Batista Tavares – G1
1 comentário em “CCBB de Brasília sedia festival com panorama da música paraense”
É muito bom ver a música paraense voando cada vez mais alto, indo a horizontes ainda não alcançados e sendo acessível a um número maior de brasileiros. Eu, de minha parte, como produtor cultural, tive a iniciativa de produzir alguns desses artistas, em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura de Parauapebas, percepção essa que não estava errada, face o patamar que eles estão atingindo, ou sejam, a mídia nacional e o coração do povo brasileiro. Fico feliz e acho que essa “onda da música paraense” não pára, ela veio para “ficar e espalhar”!!!