CCJ do Senado adia votação da PEC que transforma Banco Central em empresa pública

Sindicato dos servidores é radicalmente contra a mudança
Sede do Branco Central em Brasília

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A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado adiou para a próxima semana a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC n° 65/2023) que muda o regime jurídico do Banco Central (BC). Os servidores da autarquia são radicalmente contra a mudança. O relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM), leu do parecer favorável durante a reunião, mas, o adiamento da análise da PEC já era esperado.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou requerimento para adiar a discussão do texto por 30 dias. Integrantes da oposição, entretanto, pressionaram para que apenas o pedido de vista coletivo — mais tempo para análise —, fosse concedido, o que permite o retorno da PEC à pauta na próxima semana. Ele apresentou voto em separado contra a proposta.

Independências

O texto em discussão na CCJ transforma a autoridade monetária brasileira, o BC, de autarquia federal em empresa pública, com independência técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira. Atualmente, a legislação já assegura autonomia operacional ao BC, com mandatos de quatro anos para o presidente e os diretores do órgão.

A proposta é analisada em meio a críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à atuação do presidente do BC, Roberto Campos Neto, acusado pelo presidente de estar atuado com engajamento político de oposição sustentando a taxa de juros em nível elevado. Economistas, entretanto, dizem que a fala de Lula não tem qualquer sustentação técnica comprobatória, e que os ataques são políticos para inflar a popularidade em baixa do incumbente.

Na terça-feira (2/7), em entrevista à rádio Sociedade, de Salvador, Lula declarou que o Banco Central pertence ao Estado brasileiro e não pode estar a serviço do mercado.

Para o relator, o texto virou motivo de “picuinha” envolvendo o governo e o BC. Na visão de Valério, o adiamento da votação está “matando” a proposta.

“Essa discussão, que deveria ser uma discussão de Estado, está se tornando picuinha entre o presidente do Banco Central e o presidente Lula, que não se cansa de prejudicar o país”, disse.

A PEC foi apresentada no Senado em novembro do ano passado e tem como primeiro signatário o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO).

Mudanças

A proposta desvincula o orçamento do BC dos repasses da União. Assim, a instituição passaria a utilizar as próprias receitas para funcionamento, com capacidade para elaborar, aprovar e executar o orçamento.

Além disso, a PEC também transforma os servidores do BC em trabalhadores regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

O relator assegurou estabilidade nos cargos, com a redação de que “somente poderão ser demitidos em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou em caso de cometimento de falta grave”.

Poder de polícia

A PEC n° 65/2023 explicita que o Banco Central terá poder de polícia, incluindo poderes de regulação, supervisão e resolução, podendo fiscalizar e aplicar sanções sobre entidades sob sua supervisão, como os bancos.

Para o relator da PEC, “esse poder é fundamental para o atingimento do objetivo de estabilidade financeira”. Para deixar mais clara a finalidade do Banco Central, Plínio Valério incluiu, na nova definição do seu regime jurídico, que se trata de empresa pública “que exerce atividade estatal”.

O relator inseriu na PEC, seguindo sugestão do autor, a previsão de que uma lei complementar vai estabelecer limites para o crescimento das despesas de custeio e de investimento do Banco Central. As despesas de pessoal e encargos sociais serão determinadas na lei por iniciativa do Senado Federal. Também será prerrogativa do Senado, por meio da comissão temática pertinente, a análise e eventual aprovação do orçamento anual de custeio e de investimentos do Banco Central.

Servidores do BC

Com a transformação do Banco Central em empresa pública, seus atuais servidores deixarão de ser regidos pelas normas do Regime Jurídico Único e se tornarão empregados públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em razão disso, a PEC lhes assegura o direito de optar por permanecer no Banco Central ou deixar a instituição e migrar para carreiras semelhantes no âmbito do Poder Executivo Federal.

Plínio Valério incluiu uma emenda no texto para resguardar os direitos dos atuais servidores. Aqueles que optarem por permanecer no serviço público, mas em outra carreira, poderão contar o tempo no Banco Central como de efetivo exercício no novo cargo. Já os que quiserem permanecer no BC terão direito a compensação financeira calculada com base nas contribuições já recolhidas ao regime próprio de previdência dos servidores públicos e a aplicação dos mesmos critérios de transição para aposentadoria dos servidore

O relator aceitou uma sugestão do senador Eduardo Girão (Novo-CE) autorizando o BC a pagar a compensação financeira para os colaboradores que permanecerem na instituição e os benefícios dos seus atuais aposentados e pensionistas.

Quadro de pessoal

O relator também fez uma modificação no texto da PEC para estabelecer que os integrantes do quadro de pessoal do Banco Central só poderão ser demitidos após sentença judicial transitada em julgado, ou em caso de falta grave apurada em processo disciplinar.

Outra modificação no texto foi sugerida pelo senador Lucas Barreto (PSD-AP), a fim de dar segurança aos atuais aposentados e pensionistas do Banco Central que tiverem direito à paridade. Hoje, essas aposentadorias e pensões são reajustadas para acompanhar o salário dos servidores da ativa, mas como os cargos existentes serão extintos, a emenda determina que esses proventos passem a ser revistos com base na remuneração de cargo de carreira congênere, o que garante a manutenção da paridade.

“Deve-se levar em conta o princípio máximo de não prejuízo e de proteção aos atuais servidores que não podem sofrer perda de direitos adquiridos na sua atual situação funcional, adotando uma regra de transição no processo de mudança de regime jurídico do Banco Central”, argumenta Plínio Valério.

Para o senador, também é importante estabelecer regra clara que evite a despedida imotivada como um mecanismo de proteção dos futuros empregados da instituição.

Cartórios

Duas emendas acatadas por Plínio Valério tratam da relação entre o Banco Central e os cartórios e da delimitação de seus poderes e atribuições. Os senadores Weverton (PDT-MA) e Carlos Portinho (PL-RJ) apresentaram emendas para deixar claro que a autonomia conferida ao Banco Central não abrange, não restringe, não altera e nem acumula os serviços próprios da competência dos tabeliães e registradores atribuídos em lei.

No entanto, diante da perspectiva de que esse dispositivo pudesse inviabilizar inovações como a criação da versão digital do real, que está em fase de testes e deverá ser denominada Drex, foi também acolhida emenda do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) ressalvando que o Banco Central poderá criar e regular novos produtos financeiros, ainda que isso afete os cartórios.

Já uma emenda do senador Márcio Bittar (União-AC) esclarece que estão mantidas as atribuições do Conselho Monetário Nacional (CMN) previstas na Lei Complementar n° 179, de 2021, como o estabelecimento de metas da política monetária, além daquelas relacionadas à função regulatória do sistema financeiro.

Voto em separado

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou voto contrário em separado à PEC 65, de 2023. Na reunião de quarta-feira (10/7), ele argumentou que o substitutivo de Plínio Valério incorre em vício de iniciativa, pois trata de tema de iniciativa privativa do presidente da República, mas foi proposta por senadores.

Além disso, Carvalho disse que o texto alterou a natureza jurídica proposta para o BC, ao torná-la de “empresa pública” para “empresa pública que exerce atividade estatal”. Para o senador, o relatório trouxe inovação não relacionada a seu objeto principal.

Tramitação

Depois de aprovada na CCJ, a PEC ainda precisa ser analisada no plenário do Senado, onde deve ser tema de cinco sessões de discussão, em primeiro turno, e depois, em três sessões, em segundo e último turno, conforme estabelece o Regimento Interno do Senado.

Para ser aprovado no plenário, precisa do apoio de três quintos dos senadores, ou seja, 49 votos favoráveis nos três turnos. Depois, caso aprovada, ainda passará pela análise da Câmara dos Deputados. Como se trata de uma Emenda à Constituição, a matéria é publicada pelo Congresso Nacional, sem a necessidade de sanção presidencial.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.