Brasília – Há dez anos tramita no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional (PEC) que se aprovada garantiria a independência da Polícia Federal, instituição ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, mas, a proposta continua sem definição. Na última sexta-feira (24), o deputado federal Celso Sabino (PSDB-PA) começou a coleta da assinatura necessárias para iniciar a tramitação de uma PEC de sua autoria com o mesmo objetivo.
Caso fosse aprovada, uma proposta de emenda constitucional concederia à corporação o “status” institucional de autonomia já outorgado a outros órgãos. Permitiria, além disso, que a PF organizasse sua estrutura administrativa, com possibilidade de mandato ao diretor-geral e autonomia de escolha dos outros cargos, sem passar por crivo político.
A importância disso foi, inclusive, citada por Sergio Moro em seu pronunciamento de saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao lembrar que os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff foram investigados precisamente porque a PF teve liberdade para cumprir as suas funções. O agora ex-ministro acusou o presidente de República Jair Bolsonaro de querer submeter a instituição à interesses políticos desvirtuando-a de seu papel constitucional.
Para Bolsonaro, a “estrutura e os profissionais [da PF] já garantem autonomia de investigações” à corporação. Esse, porém, não é o entendimento de representantes e organizações da Polícia Federal no país, que têm denunciado a vulnerabilidade do órgão frente à ingerência política. Em 2019, a decisão de Bolsonaro de substituir o então superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, gerou desconforto à corporação e críticas ao governo.
PEC tramita há uma década
Em 2009, foi apresentada ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 412, que prevê autonomia funcional e administrativa à Polícia Federal. Sem definição, a PEC foi desarquivada em 2019, a pedido do deputado João Campos (PRB-GO) e atualmente aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Na época, o autor do documento, o então deputado Alexandre Silveira, afirmou que garantir a autonomia do órgão, nos moldes do Ministério Público e da Defensoria Pública, por exemplo, seria uma maneira de prevenir a submissão da polícia “às intempéries do poder e de capricho dos governantes no combate à criminalidade organizada, à corrupção e à impunidade” no país.
O parlamentar também alegou que o órgão sofre com contingenciamento de recursos financeiros e limitações de empenhos, além de não receber investimento suficiente para atender às demandas das varas federais no interior do país.
Por outro lado, garantiu que a PF continuaria vinculada aos órgãos de controle da União e funcionalmente subordinada ao controle do Ministério da Justiça.
Na sexta-feira (24), o presidente da CCJC, Felipe Francischini (PSL-PR), sinalizou que vai pedir “agilidade” aos parlamentares, para que a matéria seja votada até setembro de 2020.
Status outorgado a outras instituições
Historicamente, outros órgãos foram reposicionados na estrutura da União, sendo outorgados de autonomia institucional, a exemplo da Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério Público, dos tribunais de contas e universidades federais.
A autonomia defendida pela Polícia Federal, portanto, não seria diferente da já assegurada a esses órgãos, afirma o deputado João Campos, garantindo a constitucionalidade e juridicidade da proposta.
“Assegurar a autonomia funcional, administrativa e orçamentária à Policia Federal significa dar tratamento paritário a essa instituição nos termos do que foi assegurado às instituições ora nominadas, pois ocupa posição de igual importância para a sociedade brasileira”, diz o parlamentar.
Independência necesssária
O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) afirmou que apenas uma mudança na Constituição garantiria a autonomia à corporação, tendo em vista as ligações políticas que os ministros têm com o governo.
“Nenhum homem consegue garantir autonomia de uma instituição de Estado, porque os ministros têm ligação política com o governo, isso não é mistério. Não será um ministro, ou seja, quem for, que irá garantir que a PF não sofra intervenção”, defende. “Portanto, a garantia deve estar na legislação, e assim será respeitada por presidentes.”
Enquanto a PEC não é aprovada, Paiva sugere uma medida prática a curto prazo: que o governo solicite aos delegados uma lista de nomes indicados ao cargo de diretor-geral da PF. E, em seguida, envie ao Congresso uma proposta legislativa que garanta possibilidade de mandato ao diretor.
“Qualquer um que entrar agora, escolhido dentro desse sistema de nomeação política que o governo adotou, vai entrar em crise de confiança”, disse. “O próximo diretor-geral da polícia pode ficar dias no cargo e, na primeira crise, ir embora.”
O tema deve ficar parado no Congresso enquanto as bancadas partidárias não entenderem a matéria como prioridade. Para Campos, embora a própria PF e outros setores da sociedade tenham se mobilizado em prol da proposta, não foi suficiente para sensibilizar os parlamentares.
Mas os fatos envolvendo a saída de Moro do governo podem impulsionar o andamento da PEC. “Ainda mais, se o presidente declarar apoio à essa proposta que já está relatada, poderá um diferencial expressivo”, disse Campos, se referindo a especulações de que o governo anunciará, em breve, proposta que prevê autonomia à PF.
A autonomia que a polícia tem hoje é garantida pelo povo, não está institucionalizada. [A corporação] passou a adquirir tanta credibilidade que o povo é o seu maior guardião”, afirmou o parlamentar.
A posposta de Sabino
Nessa mesma direção da proposta decana, o deputado federal paraense Celso Sabino (PSDB-PA) apresentou, logo após a coletiva de imprensa na qual o Sergio Moro anunciou de modo irrevogável e decisivo explicando os motivos de seus pedido, a PEC do parlamentar foi protocolada na Secretária-Geral da Mesa e começou o processo de coleta de assinaturas necessárias para começar a tramitar na Casa.
“Convictos de que precisamos assegurar a autonomia institucional necessária à construção da Polícia Federal como uma Polícia Republicana, que atua a serviço do Estado e não de governos, apresentamos a Proposta de Emenda a Constituição que dá essa independência para a PF e total autonomia investigativa, sem intervenções”, disse o deputado Celso Sabino.
A PEC ainda não está disponível para consulta no sistema da Câmara dos Deputados, entretanto, o deputado disponibilizou à reportagem do Blog do Zé Dudu em Brasília a íntegra da proposta.
Justificativa
A ideia do parlamentar tem como objetivo alterar os parágrafos 1º e 2º do artigo 144 da Constituição Federal, o qual dispõe sobre a Segurança Pública, mais especialmente a Polícia Federal. “Há muito tempo o Parlamento brasileiro discute a mudança do modelo atual, então o cenário atual impõe mais ainda uma resposta, mas também uma ação justa do Poder Legislativo.”
Sabino diz: “É imperioso consignar que a Constituição Federal preconiza, em seu art. 144 que ‘A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio’, através dos seguintes órgãos, tais quais: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, dentre outros.
Constata-se, portanto, que a visão do legislador é de que a atividade do Estado é consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. Portanto, a autonomia investigativa deve ser fortalecida, assim como o é nas Polícias mais modernas do mundo” justifica.
“A PF na sua atividade investigativa deve se submeter somente aos controles constitucionais e legais, como o controle externo da atividade policial feito pelo Ministério Público, devendo ser protegida de ingerências externas, sobretudo do campo político-partidário”, continua o deputado.
E concluiu: “Assim, entendemos ser fundamental assegurar a autonomia institucional necessária à construção da Polícia Federal como uma Polícia Republicana, que atua a serviço do Estado e não de governos. A sociedade espera da Polícia Federal o exercício de suas funções institucionais com imparcialidade e efetividade. Certos da importância da medida ora proposta para o aprimoramento das instituições, esperamos contar com o apoio de nossos nobres Pares para a sua aprovação”, escreveu na proposta.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.