Coluna: Se não for agora, até quando esperar?

Advogado Cássio Carneiro Duarte apresenta sua opinião e expectativas sobre o juiz de garantias, tópico em votação pelo STF

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O Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 17, formou maioria para considerar constitucional o juiz das garantias. Votaram a favor da tese os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Cristiano Zanin, André Mendonça e Edson Fachin, com somente um voto contrário. 

Em síntese, o juiz das garantias, implementado no Código de Processo Penal através do “Pacote Anticrime”, atuará somente na fase do inquérito policial. Suas atribuições já estão especificadas na legislação, dentre as quais de analisar requerimento de prisões; controlar a legalidade das investigações e de prisões; avaliar o afastamento cautelar de quebra de sigilo telefônico, sigilo fiscal, acesso a informações sigilosas, busca domiciliar, violação de direitos fundamentais de investigados etc. A segunda função será do juiz da instrução processual, que receberá ou não a denúncia ofertada, atuará na fase da audiência criminal na produção de provas e no julgamento do mérito para saber se determinado indivíduo é inocente ou culpado.

Um dos argumentos utilizados para que não seja implantado o juiz das garantias é de que acarretará aumento de despesa, o que não é verdade. Durante o seu voto, o ministro Alexandre de Moraes de forma brilhante afastou essa tese com argumento de que no estado de São Paulo essa experiência já se mostra possível e viável com o Departamento de Inquéritos Policiais (DIPO), que já existe há 36 anos.

Esse órgão da justiça bandeirante instituiu que magistrados atuem por região e trabalhem apenas e até a fase do inquérito policial. A implantação não diminuiu o ritmo de trabalho dos magistrados, não causou nenhum tipo de embaraço para apuração dos crimes e ganhou celeridade na tramitação dos processos.

Ademais, hoje a instituição bicentenária do tribunal do júri contém a figura do juiz da primeira fase, que analisa se existem indícios de autoria e materialidade; os juízes da segunda fase – os jurados – que analisam e julgam os argumentos trazidos pela acusação e defesa; e, por fim, apenas um magistrado na produção da sentença. Até hoje não há gritaria contrária ao tribunal do júri.

O juiz de garantias turbinará a imparcialidade dos julgamentos, evitando a contaminação do julgador que, inevitavelmente, via de regra, tende a aderir a aquilo que é trazido pela polícia ou Ministério Público na fase de inquérito e durante o rito processual, quando deveriam, em tese, ser analisados os argumentos defensivos. Em alguns casos, na prática, o que ocorre é apenas um faz de contas no processo, e, com a implementação do juiz das garantias, será possível fazer maior controle da legalidade, findar devaneios punitivistas, decisões subjetivas e adesão psicológica ao que foi produzido na fase de inquérito para corroborar uma sentença condenatória. 

Além disso, outro problema que será mitigado, pelo menos em tese, é a odiosa amizade processual entre juiz e promotor – obviamente para condenar. Sobre isso, importante fala do ministro Gilmar Mendes em entrevista ao Estadão defendeu ferrenhamente o juiz das garantias e trouxe à luz do dia esse problema: “Única forma de evitar parcerias e sociedade entre promotor e juiz”.

No julgamento, que continuará nos próximos dias, serão trazidas algumas questões que precisam ser analisadas para se chegar a uma decisão. Primeiro: a partir de quando deverá ser implantado pelos Tribunais de todo o país o juiz das garantias? Há propostas de alguns Ministros que defendem a tese de 90 dias a um ano, podendo ser prorrogado por mais um ano e de 30 dias a seis meses. 

Segundo: os crimes da Justiça Eleitoral, Justiça Militar, crimes envolvendo a Lei Maria da Penha e os crimes dolosos contra à vida do tribunal do júri deverão, também na fase pré-processual de inquérito policial, ter a figura do juiz das garantias? Terceiro: haverá ofensa ao juiz natural da causa com a regionalização do juiz das garantias? 

Essas são algumas questões que deverão ser postas, debatidas e decididas nas próximas sessões do STF. Ainda faltam votar os ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Rosa Weber, e os ministros que já votaram podem mudar o sentido dos seus votos ou rever eventual posicionamento nas questões que estão sendo julgadas, como ainda não foi proclamado o resultado.

Para além do juiz das garantias, o que se espera para os próximos dias é que seja tomada coragem suficiente, por parte do legislador, para normatizar questões necessárias e acabar de vez com o atual Código de Processo Penal, de 1941, que tem nas suas entranhas viés fascista e autoritário inspirado no Código Rocco da Itália. Exemplo disso é o fato das partes acusação e defesa não ficarem no mesmo plano topográfico, lado a lado, nas audiências criminais. Existe ou deve existir uma espécie de hierarquia velada entre as partes? A quem isso interessa? 

A sociedade e a comunidade jurídica esperam que a Corte Suprema declare a constitucionalidade das normas postas em votação, nas quais o juiz das garantias sedimenta o sistema acusatório previsto na constituição federal e elimina o ranço autoritário, antidemocrático de julgar, marcando de vez esse país com marco civilizatório.  

A imparcialidade de jurisdição é algo essencial para nossa democracia. É inaceitável em pleno período democrático que ainda se tenha notícia da violação desse mandamento constitucional para se fazer “justiça”, como foi realizado durante a fatídica Operação Lava-Jato, onde houve a quebra da imparcialidade de quem julgava em casos específicos, com a declaração de constitucionalidade. A implementação do juiz das garantias interromperá, após mais de oitenta anos, o jeito inquisitorial de julgar.

Tão aguardado, o juiz de garantias chegará antes tarde do que nunca no sistema de justiça brasileiro e trará à imparcialidade como marco, mais lisura nos julgamentos dos feitos penais, menos custo para máquina pública, celeridade na tramitação dos inquéritos e processos penais, e garantirá mais proteção a direitos e garantias individuais. Precisamos acabar com o jogo de máscaras. É isso. 

Por Cássio Carneiro Duarte
Advogado, pós-graduado em direito penal e processo penal pela Escola Superior de Direito (ESD); pós-graduado em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em parceria com a Universidade Coimbra; membro da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (ABRACRIM), voluntário do Instituto Pró-bono. E-mail: contato@carneiroduarte.com.br