Com 54 processos, Senado lidera as 39 representações apresentadas no Conselho de Ética

Desde 2019, colegiado não é convocado para cumprir sua obrigação constitucional e regimental
Deputados trocam tapas em sessão do Conselho de Ética

Continua depois da publicidade

Brasília – Algo estranho acontece nos céus de Brasília nos últimos quatro anos. Desde o dia 28 de março de 2019, uma única vez o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (CEDP) do Senado Federal se reuniu para eleger o senador Jayme Campos (União-MT) como o presidente e seu vice, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). Desde então, o colegiado deixou de se reunir e acumula nada menos que 39 representações dos 54 processos que foram apresentados contra congressistas, inclusive na Câmara dos Deputados.

Entretanto, a impressão que se tem é que está tudo bem na chamada Casa Revisora, uma vez que o senador Jayme Campos foi reeleito para continuar na tarefa de presidir o colegiado no último dia 28. O cenário é definido como de impaciência, notadamente pelos senadores eleitos em 2022, que cobram: “Para que serve então um órgão disciplinador na Casa?”

De acordo com a Constituição, é o Conselho de Ética das respectivas casas legislativas federais que recebe e analisa previamente representações ou denúncias feitas contra congressistas, que podem resultar em medidas disciplinares como advertência, censura verbal ou escrita, perda temporária do exercício do mandato e perda do mandato.

“Quando o colegiado fica quatro anos sem julgar nenhum processo, algo está errado,” dizem os novos senadores, que veem no fato leniência dos últimos dois presidentes do Senado – Davi Alcolumbre (União-AP) e o agora reeleito presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ambos apelidados jocosamente de “engavetadores-gerais do Senado”.

O Conselho é constituído por quinze membros titulares e igual número de suplentes, eleitos para mandato de dois anos, observado, quanto possível, o princípio da proporcionalidade partidária e o rodízio entre partidos ou blocos parlamentares não representados, devendo suas decisões serem tomadas ostensivamente.

Se passaram quatro meses desde o início da 57ª Legislatura e os Conselhos de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados e do Senado Federal já acumulam 54 representações para que apurem as ações dos congressistas. O valor é puxado, principalmente, pelos 39 processos acumulados no Senado Federal.

Estão paradas representações como a para a apuração das ações dos senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Marcos do Val (Podemos-ES), após este último denunciar um suposto plano para espionar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Também aguarda apreciação uma representação contra o senador Chico Rodrigues (PSB-RR), após o presidente da comissão externa do Senado Federal que acompanha a crise humanitária envolvendo o povo indígena Yanomami realizar uma visita à terra indígena desacompanhado dos demais parlamentares e sem autorização das autoridades competentes.

Não é a primeira vez que Chico Rodrigues se envolve em confusão. Aliás, o senador de Roraima é o protagonista de um dos casos mais vergonhosos da história secular do Senado brasileiro.

Relembre o caso

O senador Chico Rodrigues retornou às atividades parlamentares em 18 de fevereiro de 2021, beneficiado justamente pela inoperância do Conselho de Ética do Senado que não julgou o seu processo. Ele foi flagrado pela Polícia Federal, em outubro de 2021, tentando esconder R$ 33 mil nas nádegas durante operação que deu uma batida na sua casa.

Após o escândalo da notícia na imprensa nacional e internacional, Rodrigues ingressou com uma licença de 121 dias para tratar de assuntos particulares, que foi concedida. Como em outros casos, o pedido de licença tinha o objetivo de “abaixar a poeira”, que no caso do senador de Roraima era uma tempestade.

Na época dos fatos, a operação da PF foi autorizada pela Justiça como parte de uma investigação sobre supostos desvios de recursos públicos em Roraima. Então, Rodrigues era vice-líder do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Senado. Ele negou irregularidades e disse que o dinheiro resgatado das nádegas e depois higienizado, seria usado para pagar funcionários. Numa carta enviada aos colegas, reiterou essa versão.

Surpreendentemente a estratégia do senador deu certo e ele retornou às atividades parlamentares após a licença. Como não foi sequer julgado no caso do dinheiro escondido, como seria julgado agora, “por um caso mais leve”, como criticam os novos senadores?

O que diz o presidente do Conselho de Ética do Senado

Por meio de sua assessoria de imprensa, Jayme Campos afirmou que pretende retomar a apreciação das representações que aguardam um posicionamento do Conselho de Ética. Segundo o senador, a pandemia da covid-19 impediu a realização das reuniões presenciais do colegiado, o que impediu os trabalhos do Conselho. Mas, e agora?

A resposta, de acordo com ele, é que o número de processos é “excessivo” e muitas representações já foram solucionadas e até prescreveram, bastando que o colegiado dê um parecer para finalizar a tramitação. Deverá ser convocada na próxima semana a primeira reunião do CEDB para iniciar os trabalhos.

Conselho de Ética na Câmara dos Deputados

Ao contrário do Senado, o regimento interno da Câmara determina que as representações apresentadas devem ser arquivadas automaticamente após o fim da Legislatura. Desta maneira, a Casa arquivou 19 processos contra deputados que foram apresentados na 56ª Legislatura.

Foram arquivadas, por exemplo, representações contra a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), após a parlamentar divulgar em um grupo do Whatsapp os dados pessoais de três médicos que defendiam a vacinação de crianças contra a covid-19; um processo contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), após o parlamentar debochar da tortura sofrida pela jornalista Miriam Leitão durante a ditadura militar; e uma representação contra o deputado Glauber Braga (Psol-RJ), após um bate boca com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante uma sessão do Plenário.

O regimento interno da Câmara permitia o desarquivamento das proposições caso o autor apresentasse um pedido nos primeiros 180 dias da legislatura. No entanto, em agosto do ano passado, os parlamentares aprovaram uma mudança que revogou o dispositivo e tornou impossível retomar os processos arquivados.

O CEDB da Câmara já tem a sua composição, mas ainda não há uma definição de quem será o presidente do colegiado. Conforme o Blog publicou, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quer instalá-lo e colocar um deputado “linha dura” para presidir o colegiado a fim de evitar o que considera “excessos” de alguns deputados na Casa.

Enquanto isso, a Câmara já tem 15 representações apresentadas desde o início da legislatura. Dessas, nove se referem às ações dos parlamentares durantes os atos golpistas do dia 8 de janeiro e pedem a investigação dos deputados José Medeiros (PM-MT), Capitão Alberto Neto (PL-AM), André Fernandes (PL-CE), Abilio Brunini (PL-MT), Clarissa Tércio (PP-PE), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Bia Kicis por “suposto endosso a discurso golpista violento e de ataque às instituições” e “suposta convocação em redes sociais para participação em atos antidemocráticos”. Também existem representações contra o ex-deputado Nelson Barbudo (PL-MT) e o deputado licenciado Ricardo Barros (PP-PR) pelo mesmo motivo.

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) é o recordista e alvo de duas representações por conta de seu discurso classificado como transfóbico durante o Dia Internacional da Mulher. Um dos casos mais midiáticos que tramitam no Conselho de Ética, as ações contra o parlamentar mineiro terão o seu futuro definido quando o colegiado tiver seu presidente.

Por Val-André Mutran – de Brasília