Enquanto os esforços parlamentares forem dedicados apenas à melhoria da economia e a disputa política girar em torno de questões menores, o Brasil estará condenado a ser o país da promessa, nunca o da realização. Espera-se que o cenário mude, pelo menos um passo importante foi dado na sessão de quarta-feira (20), quando deputados federais, finalmente aprovaram, com um atraso de alto custo para o país, o projeto da nova reforma do Ensino Médio. O texto segue agora para o exame e votação dos senadores.
De autoria do Poder Executivo, o projeto de lei (PL n° 5.230/2023) foi aprovado na forma de um substitutivo do relator, deputado Mendonça Filho (União-PE). Ele manteve o aumento da carga horária da formação geral básica para 2.400 horas, somados os três anos do Ensino Médio, para alunos que não optarem pelo ensino técnico.
O texto muda alguns pontos da reforma do Ensino Médio, de 2017 (Lei n° 13.415/2017), conversão da Medida Provisória n° 746, de 2016 e altera a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e define diretrizes para a política nacional de Ensino Médio.
A carga horária total continua a ser de 3.000 horas nos três anos (5 horas em cada um dos 200 dias letivos anuais).
Para completar a carga total nos três anos, esses alunos terão de escolher uma área para aprofundar os estudos com as demais 600 horas, escolhendo um dos seguintes itinerários formativos:
• linguagens e suas tecnologias;
• matemática e suas tecnologias;
• ciências da natureza e suas tecnologias; ou
• ciências humanas e sociais aplicadas.
Atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) define um total de 1.800 horas para a formação geral básica, direcionando 1.200 horas para os itinerários de formação, após a reforma do Ensino Médio de 2017. Na época, Mendonça Filho era ministro da Educação e enviou a reforma por meio de medida provisória ao Congresso Nacional. Parece inacreditável, mas somente passados seis anos que a matéria foi à votação no Plenário da Câmara dos Deputados.
De acordo com um congressista do Pará ligado à Educação, “essa, dentre outras idiossincrasias do Poder Legislativo, seu atraso e enganos de prioridades atrasa o país”, o político não quer se indispor com o governo e pediu reserva de seu nome.
A Bancada do Pará votou unânime para a aprovação do projeto. Confira abaixo.
Linha do tempo
A reforma do Ensino Médio, sancionada em 2017 na gestão Michel Temer (MDB), flexibilizou o currículo da etapa, com a previsão de mais disciplinas optativas e oferta da educação técnica e profissional.
Um dos principais gargalos do ensino básico do País, o Ensino Médio tem evasão alta. A ideia da reforma era tornar a etapa menos engessada, mais atrativa para o jovem e conectada com demandas do mercado.
Não se engane quem pensa que o sucesso de Nações desenvolvidas se dá por mero acaso. No passado, especialmente após a Segunda Grande Guerra Mundial, nos anos de 1945 do século passado, os melhores resultados em avaliações internacionais de educação são proporcionais a pesados investimentos feitos pelos países, pós-Segunda Guerra Mundial.
Países paupérrimos da Ásia e um Japão arrasado no pós-Guerra, investiram até 30% do seu então esquálido Produto Interno Bruto (PIB), e hoje colhem o que plantaram, se tornando nações com altos índices de industrialização, domínio tecnológico acima da média mundial e melhoria geral de bem-estar de suas populações.
Com o inexplicável atraso, o Brasil demora década para aprender a lição.
Os países do pós-Guerra, investiram fortemente no ensino profissional junto do médio. No Brasil, só 10% dos alunos cursam o técnico, bem menos que na Finlândia (68%) e na Alemanha (49%).
Após a reforma ser colocada em prática nos últimos anos, porém, estudantes, professores e especialistas apontaram falhas na implementação e reivindicaram mudanças – parte das entidades pediu até a revogação do modelo. Diante da pressão, a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu fazer consulta pública e propor ao Legislativo mudanças no formato. Lamenta-se também a deterioração do setor no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja Educação era tratada por uma música de uma nota só executada pelo diversionismo da “Escolas Cívico-Militares”, como a solução de todos os problemas, numa mistura insana de militarismo linha-dura com viés ideológico de direita”. Não podia dar certo em todos os casos aplicados, conclui-se agora.
A tramitação dessa atualização da reforma, porém, havia travado no Congresso no fim de 2023. Nos últimos dias, o principal entrave entre o governo e o relator da proposta era a carga horária da formação básica (que inclui as matérias obrigatórias comuns, como Matemática, Português, História, Química, Física, Biologia e Geografia — o básico do básico.
Na proposta original do ministro da Educação, Camilo Santana (PT), a carga mínima da formação básica seria de 2,4 mil horas, mas secretários de educação apontaram que isso poderia inviabilizar a oferta de grande parcela dos cursos técnicos. Mais de 65% dos cursos técnicos têm 1,2 mil horas, segundo exigências do próprio ministério, como os das áreas de saúde e produção industrial.
A negociação entre Camilo e Mendonça Filho, ex-ministro da Educação da gestão Temer, teve episódios de tensão nesta semana, o que incluiu socos na mesa e bate-boca, mas houve acordo amplo entre os partidos. A única sigla a orientar voto contrário ao projeto foi do? Advinhem: PSOL, que para variar, é do contra em tudo, sem, no entanto, apresentar suas reais intenções, que se suspeita, não existirem.
Especialistas e gestores elogiaram a chegada do consenso diante da urgência de planejar o próximo ano letivo e a implementação das mudanças.
Veja os principais pontos alterados:
Carga horária
Uma das principais tônicas do novo Ensino Médio é a divisão entre a formação básica comum e a parte optativa do currículo, que pode ser um aprofundamento de estudos ou a educação técnica e profissional. Esse estímulo ao currículo flexível é mantido, além do incentivo aos cursos técnicos.
Pelo novo texto, nos casos em que houver Ensino Médio junto do curso técnico, a formação básica poderá ser menor, com um mínimo de 2,1 mil horas, das quais 300 poderão ser usadas como uma articulação entre a base curricular do Ensino Médio e a formação técnica profissional, caso as redes achem necessário. O modelo foi proposto por emendas acatadas pelo deputado relator Mendonça Filho.
Na prática, isso pode reduzir a carga horária mínima da formação básica para 1,8 mil horas, de forma a abrir espaço para a formação técnica. A redação permite também que caso a parte técnica demande menos horas de ensino, a formação geral básica nesses cursos poderá aumentar.
Itinerários Formativos e curso técnico
A parte flexível do currículo do Ensino Médio – que pode ser de aprofundamento de estudos ou de curso técnico – volta a ter o nome de “itinerários formativos”. O MEC, na gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), havia trocado pelo termo “percursos de Aprofundamento e Integração de Estudos”, uma tecnicidade que não faz qualquer diferença no objetivo final.
O relator fixou limite mínimo de 600 horas para esses itinerários, que poderão ser ofertados nas quatro áreas do conhecimento (Linguagens; Ciências Sociais Aplicadas; Ciências da Natureza; e Matemática) ou na educação profissional e técnica.
Todas as escolas deverão oferecer aprofundamento integral das quatro áreas do conhecimento, que poderão ser organizadas em pelo menos dois itinerários, de modo que as redes possam articular esses conteúdos. Por exemplo: itinerário Ciências da Natureza e Matemática; Linguagens e Ciências Sociais Aplicadas.
A lei aprovada diz ainda que o MEC deverá elaborar diretrizes para os itinerários formativos e a preocupação dos congressistas é que o governo demore além da urgência que o caso requer.
Processo seletivo para ensino superior e Enem
A lei determina que a União deverá estabelecer padrões de desempenho esperados no Ensino Médio para que sejam utilizados como referência para as avaliações, que também são usadas como seleção para acesso ao ensino superior, como o Exame Nacional do Ensino Médio (embora o texto não cite explicitamente o Enem).
Essas avaliações nacionais devem levar em conta o conteúdo da Base Nacional Comum Curricular, documento do governo federal que define objetivos de aprendizagem para cada disciplina e em cada idade. Também deverá considerar a diretriz que será construída pelo MEC para os itinerários formativos.
O texto também prevê prazo até 2027 para reformular o Enem com base nas previsões da reforma do Ensino Médio.
Língua Estrangeira
O novo texto não acata a proposta do governo de tornar obrigatória a oferta de Espanhol. O relatório determina que os sistemas de ensino podem ofertar outras línguas além do Inglês, optando “preferencialmente” pelo Espanhol.
A inclusão do Espanhol era uma demanda de setores da esquerda e desagradou parte da base aliada do governo Lula. Como se sabe, a cisma ds esquerda com qualquer coisa que tenha referência aos povo anglo-saxão é tido como inquisitório, pelos deputados de formação marxista.
Notório saber
Outro ponto que motivou controvérsia entre os congressistas foi o fato de o relator incluir na lei que profissionais com notório saber reconhecido possam dar aulas de áreas relacionadas a sua experiência na educação técnica e profissional. Após resistência de parte dos deputados, Mendonça Filho resolveu excluir o trecho que fazia menção a isso.
Atualmente, porém, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) já prevê a possibilidade de uso de notório saber nesses casos, o que continua mantido. Na verdade, nesse ponto, se trata de uma filigrana que a esquerda queria transformar em tempestade no Plenário.
Carência de escolas
Do total de municípios brasileiros, 51% (2.831) possuem apenas uma escola pública de Ensino Médio, e a maior parte delas está em cidades com os menores níveis para o Indicador de Nível Socioeconômico do Inep.Ainda segundo o MEC, em 2022, 48% das unidades federativas não haviam iniciado a implementação do novo Ensino Médio nas turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), 15% declararam que não iniciaram nas turmas do ensino noturno e 22% não o fizeram em escolas indígenas.
Transição
O texto aprovado prevê a formulação das novas diretrizes nacionais para o aprofundamento das áreas de conhecimento até o fim de 2024 e a aplicação de todas as regras pelas escolas a partir de 2025.Para os alunos que estiverem cursando o Ensino Médio na data de publicação da futura lei, haverá uma transição para as novas regras.O projeto surgiu de consultas públicas do MEC junto às escolas e à sociedade organizada em razão das dificuldades de infraestrutura para ofertar os itinerários formativos.Por outro lado, em estados nos quais a mudança foi implementada, houve casos da oferta de 33 trilhas de aprofundamento nas áreas de conhecimento, provocando um excesso de diversificação que poderia agravar a desigualdade.
Ensino superior
A partir de 2027, o processo seletivo para o ensino superior deverá considerar as diretrizes nacionais de aprofundamento definidas, permitindo ao estudante o direito de optar por uma das áreas de conhecimento, independentemente do itinerário formativo cursado no Ensino Médio.Assim, por exemplo, o itinerário poderá ser linguagens mais matemática e suas tecnologias, e o aluno escolher ciências naturais e suas tecnologias no vestibular.
Escola do campo
No texto aprovado, o deputado Mendonça Filho aceitou emendas para incluir benefícios a estudantes do Ensino Médio de escolas comunitárias que atuam no âmbito da educação do campo.Assim, esses alunos se juntarão àqueles de baixa renda que tenham cursado todo o Ensino Médio em escola pública no acesso aos benefícios de bolsa integral no ProUni para cursar o ensino superior em faculdades privadas e à cota de 50% de vagas em instituições federais de educação superior. Poderão contar ainda com a poupança do Ensino Médio (programa Pé-de-Meia).
Debate em Plenário
Para o deputado Gilson Marques (Novo-SC), a proposta reduz a uniformidade da educação brasileira, com o MEC estipulando disciplinas para todos os estados. “O projeto do Mendonça é espetacular porque reduz a problemática. Para o aluno determinar o que ele bem deseja, isso faz a educação crescer”, afirmou.
O deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ) disse que houve vitórias em relação à lei de 2017, como as 2.400 horas na formação geral básica, mas alertou que o ensino técnico com carga de 1.800 horas é uma precarização. “Teremos dois ensinos médios, um da formação geral, que poderá ser integral; e outro da formação técnica, precarizada, porque será para pobre”, disse.
A deputada Professora Luciene Cavalcante (Psol-SP) criticou o texto e afirmou que mudanças como o notório saber para professores do ensino profissionalizante e os itinerários formativos não vão significar melhoria para os estudantes. “Que mundo vocês estão pensando? É nossa escola pública, nosso cotidiano. Não podemos abrir mão do nosso futuro e nosso presente”, afirmou.
O desafio futuro, na opinião do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do governo, é a construção de uma base nacional curricular. “É possível ter uma base do tamanho dos sonhos da nossa juventude, dentro das 2.400 horas. Ao mesmo tempo, temos a obrigação de construir os itinerários formativos do ponto de vista profissionalizante”, defendeu.
Já a deputada Alice Portugal — notória militante do PCdoB baiano, afirmou que as 2.400 horas na formação geral básica foi uma vitória da luta dos estudantes e da Conferência Nacional de Educação. Dezenas de estudantes acompanharam a votação das galerias do Plenário. “Deve haver um entrelace entre a formação básica geral e a educação técnico-profissionalizante”, disse.Alice Portugal e outros deputados defenderam os institutos federais de ensino como referência para um ensino profissionalizante mais consistente.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.