Com larga margem de votos ao governo, deputados aprovam texto-base da nova regra fiscal

Nesta quarta-feira (24), deputados votam os destaques restantes e texto vai ao Senado
Governo comemorou sua primeira vitória no Congresso com a aprovação do novo marco fiscal

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Brasília – Era quase meia-noite, quando o painel eletrônico do Plenário da Câmara dos Deputados registrou, ainda na terça-feira (23), 372 votos favoráveis, 108 contrários e uma abstenção, aprovando com margem folgada, o texto-base da espinhal dorsal da política econômica do governo: o projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal (PLP nº 93/2023), rebatizado de novo Marco Fiscal Sustentável.

Os deputados tiveram fôlego, decidiram avançar na deliberação da matéria e votaram um dos quatro destaques (emendas que podem mudar o texto em votação), apresentado pela Federação PSoL-Rede, que pretendia retirar do texto o capítulo que trata das vedações de gastos impostas ao governo, caso a meta de resultado primário não seja cumprida. O placar ficou ainda mais favorável ao governo. Foram 429 votos a favor e 20 contra, mantendo-se o trecho do substitutivo.

Os deputados ainda precisam analisar três destaques que podem alterar pontos do texto. A votação será retomada nesta quarta-feira (24), a partir das 13h55 em sessão extraordinária convocada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Votados os destaques, o texto segue para análise do Senado. Por ser um projeto de lei complementar, a nova regra fiscal precisava de pelo menos 257 votos para ser aprovada e o governo comemorou a sua primeira e importante vitória num Congresso Nacional que ainda mostra mais desconfiança do que apoio à agenda do Palácio do Planalto.

Como foi a votação

Após a aprovação do substitutivo, os deputados passaram a analisar as emendas ao PLP e todas foram rejeitadas pelo relator e confirmadas pela maioria dos deputados.

O arcabouço, que vai substituir o teto de gastos, só foi votado após o entendimento entre os líderes partidários. Mais cedo, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fecharam um acordo com o governo e representantes do setor produtivo para votar as pautas econômicas. Pelo governo, apenas o ministro da Fazenda Fernando Haddad compareceu à reunião.

O que chamou atenção de todos os jornalistas e cientistas políticos que cobrem o Poder em Brasília é que, num passado recente, esse tipo de reunião seria no Palácio do Planalto com a presença do presidente da República e vários ministros do núcleo de decisão mais próximo do governo, como Casa Civil, Planejamento, Articulação Política e Fazenda.

O fato da reunião ter acontecido na residência oficial do presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a presença do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), líderes partidários, presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto e empresários que chegaram mais cedo a Brasília em seus jatinhos, oriundos do Sudeste e do Sul do país, representando parte majoritária do PIB brasileiro e alguns dos maiores empregadores do país, deixa claro que o eixo de poder, até o momento, está concentrado no Congresso e não mais no Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo.

Antes da reunião decisiva da terça-feira, no dia 15, o relator Claudio Cajado apresentou o relatório da proposta após acordo com lideranças partidárias. O texto da nova regra fiscal não passou pelas comissões da Câmara, pois os deputados federais aprovaram o requerimento de urgência para a tramitação no último dia 17. Com isso, o texto foi direto para o plenário.

O relator incluiu gatilhos para o ajuste de despesas e sanções ao governo, caso as metas de resultado primário não sejam cumpridas. No entanto, o aumento real do salário mínimo e os gastos com o programa Bolsa Família foram blindados desses mecanismos. “Eu quero deixar claro que o substitutivo melhorou muito o texto original. Todas as excepcionalidades foram fruto de muita discussão”, enfatizou Cajado.

Oposição

Deputados de oposição protestaram contra a falta de tempo para a análise do projeto. Durante os debates no plenário, inclusive, foi apresentado e aprovado um requerimento para encerrar as discussões, que não foi aprovado.

Todos os deputados do PL, da bancada paraense votaram contra a aprovação do PLP. Os parlamentares críticos à gestão petista também lamentaram a aprovação do projeto e disseram que o texto do arcabouço se trata de um “cheque em branco” para os gastos do governo Lula. Reservadamente, deputados ouvidos pela reportagem do blog criticaram o que chamaram de “lua de mel permanente” do presidente Lula e da primeira-dama Janja da Silva, que não param de viajar para fora do país com pouco ou nenhum resultado prático aos interesses do país e cada viagem custa uma fortuna.

“Já torraram R$ 18 milhões do cartão corporativo”, dinheiro do povo. Ao contrário do que as narrativas dos governistas afirmam, “as declarações nessas viagens têm manchado a imagem do país”, disse um deputado ouvido.

Sobre o arcabouço, o deputado Chico Alencar (PSoL-RJ) disse que “se trata de um novo regime para diminuir os investimentos. É um regime de emagrecimento das políticas públicas. Limitar de 0,6% a 2,5% de gastos não é teto?”. Para ele, “ainda que o Fundeb não tenha perdas, os recursos serão retirados de outras políticas públicas.”

Deputadas Tabata Amaral (PSB-SP) criticou o texto da proposta aprovada. “Colocar o Fundeb dentro do teto é transformar a educação, que deveria ser prioridade, no exato oposto”, disse

A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) também criticou a inclusão do Fundeb na meta. “Colocar o Fundeb dentro do teto é transformar a educação, que deveria ser prioridade, no exato oposto”, disse. Ela defende que a complementação da União ao fundo seja incluída nas exceções da proposta.

Teto de gastos

Para alguns deputados, no entanto, o ideal é o modelo do teto de gastos. O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) afirmou que o novo regime fiscal vai “incentivar a gastança”. “É um cheque em branco do dinheiro do povo para o governo gastar”, afirmou.O líder da oposição, deputado Carlos Jordy (PL-RJ), também criticou a medida. “Antes tínhamos o teto de gastos, agora estamos criando o piso de gastos”, alertou.

O que ficou definido no arcabouço fiscal?

Um ponto de tensão em relação ao arcabouço fiscal era a possibilidade de ampliação de gastos pelo governo a partir de 2024 de 2,5% acima da inflação. Pela proposta original encaminhada pelo governo ao Congresso, as despesas poderiam crescer anualmente até o equivalente a 70% da elevação de receitas, porém respeitando limite máximo de 2,5% de aumento real. Em caso de baixo crescimento ou queda na arrecadação, haveria um piso de 0,6% de crescimento das despesas acima da inflação.

O substitutivo de Cajado, no entanto, abriu uma exceção para o próximo ano e fixou a alta de gastos no teto em 2,5%, independentemente da evolução na arrecadação.

“O ponto que demandou mais discussão em relação à despesa em 2,5% [em 2024]. Vamos fazer um novo texto. Um mix entre o texto original é uma possibilidade. O texto original previa um crescimento de 1,12%. Vamos pegar a diferença em cima do que tiver de crescimento e vamos colocar até 2,5%”, disse Cajado antes da votação.

“Vai poder utilizar do que crescer, entre 2023 e 2024, até 70% [da alta da Receita], no limite de 2,5%. Ficou um meio termo para desfazer aquele mal-entendido”, acrescentou.

O novo substitutivo apresentado, incorporou a regra de crescimento da despesa no texto permanente e prevê que o crescimento real da despesa tem um limite mínimo de 0,6% ao ano, e um limite máximo de 2,5% ao ano.

Além disso, uma “segunda camada” de limites é aduzida ao “regime fiscal sustentável”, desde que cumprido o primeiro (0,6% a 2,5%) com o crescimento real da despesa sendo limitado a: 70% da variação real da receita, caso o resultado primário apurado esteja igual ou acima do limite inferior da meta de superávit primário; ou 50% da variação real da receita, caso o resultado primário apurado esteja abaixo do limite inferior da meta de superávit primário.

Entenda a lógica

Por exemplo, para 2024 o projeto da LDO fixa meta de resultado primário igual a zero. O intervalo de tolerância calculado em valores nominais é de R$ 28,7 bilhões a menos (negativo) ou a mais, o que perfaz um PIB projetado de cerca de R$ 11,5 trilhões em 2024 (PLDO-2024).

Se o governo tiver déficit de R$ 30 bilhões em 2024, para 2026 poderá contar com 50% da variação real da receita, pois vale o resultado do ano anterior ao da elaboração da Lei Orçamentária: a de 2026 é feita em 2025.

Entretanto, nesse exemplo, já em 2025 o governo terá de aplicar medidas de contenção de gastos e contingenciamento do Orçamento.

Em qualquer dos casos, o cumprimento da meta deve considerar o intervalo de tolerância de 0,25 pontos percentuais do PIB no ano. “Assim, com os aperfeiçoamentos que entendemos termos promovido no PLP em nosso substitutivo, consideramos que temos um novo marco de sustentabilidade fiscal de longo prazo, que possa induzir à estabilização da dívida pública, sem descuidar da necessidade de o Poder Público ampliar seus serviços, e de realizar obras e investimentos, em benefício da população”, escreveu Cajado no novo parecer.Além disso, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) também foi mantido dentro do limite de despesa da regra. A inclusão do fundo relacionado à educação no arcabouço foi alvo de protestos de parlamentares da esquerda, ainda que tenham declarado voto favorável ao projeto. Da mesma forma que o Fundeb, os recursos destinados ao pagamento do piso de enfermagem também foram incorporados à regra fiscal.

Impasse sobre Fundo Constitucional do DF

Deputados do Distrito Federal defenderam a atual composição do Fundo Constitucional do DF, que é usado para custear os serviços essenciais e representa 40% do orçamento. O relatório estabelece um limite máximo de 2,5% no crescimento anual dos repasses do governo federal para fundos, como o do DF.

Os representantes do DF acreditam que o fundo será prejudicado com esta regra. Cajado manteve o fundo dentro da regra, apesar da pressão dos parlamentares do DF. “As alterações são de ajustes de texto que não alteram o texto original do deputado Cajado”, ressaltou o presidente da Câmara.

“O Fundo Constitucional do Distrito Federal é lícito, é justo, ele terá a correção que todos os outros terão”, disse Lira antes da votação. Para ele, há uma confusão entre o novo marco fiscal e o teto de gastos. “O novo marco não é o teto de gastos, muitas pessoas ainda confundem, e isso amedronta”, afirmou.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

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