Brasília – A Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que tem um prazo de dez sessões para discutir e aprovar um parecer sobre o projeto de emenda constitucional (PEC 199/2019), recebeu nessa quarta-feira (12), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Ele defendeu a execução antecipada da pena após a condenação em segunda instância nas áreas criminais, cíveis, tributárias e trabalhistas.
Embora após mais de quatro horas de debates alguns deputados ainda aguardavam para usar da palavra, a audiência, sugerida pelo deputado federal Júnior Ferrari (PSD-PA) e José Nelto (Pode-GO) foi encerrada pelo presidente do colegiado, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), em razão de um bate-boca entre os deputados Glauber Braga (Psol-RJ) e o delegado Éder Mauro (PSD-PA) que só não foram as vias de fatos por interferência de agentes da polícia legislativa da Casa.
Houve trocas de ofensa também entre Glauber Braga e Sérgio Moro, que se defendeu das ofensas do deputado carioca que, pela segunda vez, provoca tumulto na Comissão, desferindo ataques pessoais e contra a honra de convidados aos debates.
Objetivo da PEC
A PEC que tramita na Câmara propõe mudanças nos artigos 102 e 105 da Constituição Federal. Na prática, faz com que processos judiciais terminem na segunda instância, evitando que um condenado fique em liberdade enquanto aguarda o julgamento de recursos em instâncias superiores. A prisão antecipada é uma das principais bandeiras da Lava Jato. O ex-juiz da Lava Jato e agora ministro da Justiça e Segurança, anteriormente já havia se manifestado a favor da alteração constitucional proposto pelo texto da PEC e que “ajudaria” o Congresso a restabelecer a prisão após segunda instância. “No campo legislativo, por exemplo, queremos ajudar o Parlamento, no que for possível, a restabelecer a execução criminal a partir da condenação em segunda instância. A sociedade espera que esse seja o nosso papel”, afirmou.
Ao iniciar sua apresentação na Comissão Especial que discute a PEC, Moro falou por mais de 30 minutos e pediu permissão aos deputados para “fazer críticas bastante respeitosas” à proposta, de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP). Uma delas, ponderou o ministro, diz respeito ao trecho que estabelece uma regra de transição para a nova regra. Alguns deputados defendem a possibilidade da prisão após condenação em segunda instância apenas para novos casos.
“Eu, particularmente, acho que essa regra de transição acaba negando justiça a casos em tramitação”, disse Moro. Um dos casos que poderiam ser afetados, caso a regra seja válida para ações já em andamento, é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro na primeira instância por Moro no caso do triplex do Guarujá. Como a condenação já foi confirmada por instâncias superiores, Lula poderia retornar à prisão caso a PEC fosse aprovada nos termos defendidos pelo ministro.
Sobre restringir a PEC a casos criminais, Moro afirmou ser favorável a uma regra que “valha para todos”, embora tenha admitido ser mais difícil de ser aprovada.
“Reconheço que é especialmente importante para os casos criminais. Se não houver um apoio político suficiente tanto para os casos cíveis e para os casos criminais, é melhor que fosse aprovado pelo menos para os casos criminais. Porque esses são os casos que mais nos assustam quando geram impunidade. Estamos falando também de crimes de sangue, não apenas de crimes de corrupção”, disse o ministro.
O ministro foi convidado da Comissão Especial da PEC da segunda instância, instalada na Câmara dos Deputados no fim do ano passado. Diante de um plenário lotado, Moro iniciou sua participação com elogios à atitude dos deputados de discutir e levar à frente a proposta da prisão antes do trânsito em julgado.
Texto da PEC tenta reverter polêmico julgamento do STF que mudou entendimento sobre a matéria
Em novembro do ano passado, após polêmica decisão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou de entendimento e derrubou a prisão após condenação em segunda instância, o presidente da Corte, Dias Toffoli, abriu caminho para que o Congresso alterasse a lei. “Deixei claro no meu voto que o Parlamento pode alterar esse dispositivo (do Código de Processo Penal). O Parlamento tem autonomia para dizer esse momento de eventual prisão em razão de condenação”, afirmou Toffoli.
Aos deputados, Moro defendeu o Parlamento como local apropriado para estabelecer as regras para prisão após segunda instância, sem que sobre brechas para interpretações “vazias” e incerteza jurídica sobre o tema. Além disso, ressalta o ministro, “tem uma questão de simbolismo”.
“É o Congresso Nacional mandando uma mensagem à população. Se a gente for fazer qualquer pesquisa, a aprovação à prisão em segunda instância ultrapassa 80%. (A aprovação da PEC) Manda aquela mensagem de que a lei tem que funcionar, a impunidade tem que ser reduzida. E que a lei deve valer para todos. Sessenta mil homicídios é demais. Precisamos ter mensagens relevantes, fortes, duras nesse sentido”, disse o ministro.
Bate-boca e confusão
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, foi agredido logo após a palavra, que obedeceu a lista de inscritos e havia sido franqueada ao deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ). Braga chamou o ministro de “capanga da milícia de Bolsonaro”. O parlamentar foi interrompido pelo presidente da Comissão Especial deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que pediu “economia” no uso de adjetivos ofensivos. De nada adiantou. Quando Braga retomou a palavra, passou a desferir novas ofensas ao ministro Sergio Moro que ao responde-lo disse: “O senhor não tem fatos, não tem argumentos, só tem ofensas. O senhor é um desqualificado”, rebateu Moro. Ramos também interrompeu Moro. “A mesma ressalva que fiz ao deputado Glauber, faço ao ministro, como faria com qualquer pessoa que chamasse vossa excelência, por exemplo, de desqualificado em uma audiência pública”, disse. “Absolutamente ninguém, em uma sessão que eu presida, vai chamar um deputado de desqualificado”, completou. Houve bate boca entre deputados da oposição e apoiadores de Moro e a sessão foi encerrada. Enquanto isso, o deputado federal Delegado Éder Mauro (PSD-PA) gritava: “A tua mãe é uma bandida como tú moleque…” e partiu para agredir fisicamente o colega. Agentes da Polícia Federal Legislativa entraram em ação e evitaram que os fatos evoluíssem para as vias de fato.
Conselho de Ética
No final da tarde, o deputado federal José Medeiros (Podemos-MT), protocolou no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados uma representação por quebra de decoro parlamentar contra o colega deputado Glauber Braga.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.