Com sabatina de autoridades na CCJ, projeto do plebiscito do Tapajós é adiado mais uma vez

Matéria saiu da pauta da comissão após pedido de vista coletivo
Reunião na CCJ do Senado

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Brasília – Foi adiado pela segunda semana seguinte a análise do Projeto de Decreto Legislativo (PDL nº 508/2019), de autoria do ex-senador Siqueira Campos (PSDB-TO), que convoca novo plebiscito sobre a criação do estado do Tapajós, a ser desmembrado do Pará. A nova unidade federativa ocuparia a região oeste paraense — cerca de 43,0% do território atual, equivalente a 538,049 mil quilômetros quadrados. Desta vez, o surgimento de Carajás não voltou à cena.

Na quarta-feira (24), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal adiou a análise do texto, que agora conta com a relatoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Discussões em torno da PEC do Precatórios e da sabatina de André Mendonça, indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF), derrubaram a pauta.

O parlamentar amazonense já havia apresentado parecer favorável à proposta no último dia 17.

O assunto volta à pauta política dez anos após a realização de um primeiro plebiscito sobre o tema. Na ocasião, 66,08% dos paraenses rejeitaram a proposição. Propunha-se também a criação do estado de Carajás, igualmente negada por 66,59% dos votantes.

Professor Edivaldo Bernardo é um dos defensores, em Santarém, da criação do estado do Tapajós

Divisão é discutida há 200 ano

O projeto não se trata de uma proposta nova. Segundo o professor Edivaldo Bernardo, ex-presidente do Instituto Cidadão Pró-Estado do Tapajós (ICPet), simpatizantes se manifestam há quase 200 anos na luta pela independência da região.

“Leva-se em conta a data da promulgação da primeira Constituição do Brasil, em 1824, ano em que foi feita a primeira menção da criação de uma província na região, que abrangeria inicialmente os municípios de Parintins (AM), Santarém e Óbidos”, revelou.

O debate, entretanto, foi institucionalizado a partir dos anos de 1990. No tempo em que presidiu o instituto — desde a fundação, em 2004, até 2011 —, Edivaldo Bernardo relembrou como conquistas “as mais de 300 mil assinaturas que foram enviadas a Brasília (DF) e o plebiscito realizado no dia 11 de dezembro de 2011” como fatores que impulsionaram o movimento separatista.

Jean Carlos Leitão preside o ICPet desde janeiro de 2018.

Impactos econômicos

Apesar da rejeição à proposta em 2011, o voto “sim” pela separação alcançou maioria entre os eleitores de Santarém, que viria a ser a capital de Tapajós. Na época, 97,78% dos votantes do município foram favoráveis à proposta.

“Infelizmente, essa consulta plebiscitária foi realizada no estado todo. A população do estado concentrada mais em Belém foi superior à população do oeste. Então perdemos, mas não perdemos a esperança. Não perdemos também a possibilidade de criar uma nova oportunidade de só a região interessada votar e escolher se quer ou não quer essa unidade federativa”, disse Edivaldo Bernardo.

Mas, o professor não aborda exatamente o cerne da questão: para que o plebiscito ocorra somente na área interessada, um outro projeto, bem mais difícil, tem que ser aprovado: uma emenda constitucional que altere o artigo que diz que a área a ser consultado é de todo o estado.

De acordo com o relator do PDL em tramitação no Senado, com a divisão, Tapajós teria vinte e três municípios, são eles: Alenquer, Almeirim, Aveiro, Belterra, Brasil Novo, Curuá, Faro, Itaituba, Jacareacanga, Juruti, Medicilândia, Mojuí dos Campos, Monte Alegre, Novo Progresso, Óbidos, Oriximiná, Placas, Prainha, Rurópolis, Santarém, Terra Santa, Trairão e Uruará. Outra questão são os custos que o país não pode arcar com a criação de um novo Estado, dado a atual crise econômica em razão da pandemia da Covid-19

Com a incorporação desses municípios ao novo mapa, Tapajós teria cerca de 2 milhões de habitantes (15% da população paraense).

Cálculos apresentados pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM) à CCJ em seu relatório, estimam que o PIB (Produto Interno Bruto) dos municípios somados gira em torno de R$ 18 bilhões, por conta da exploração de minérios, agronegócio e pecuária, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados em 2018.

Do Pará, haveria uma retração significativa de 11% do total produzido com a separação. “O estado do Pará responde por 2,3% do PIB nacional, embora seja responsável por 11% das exportações nacionais.

Em discurso na comissão, Plínio Valério ressaltou que a região dos vinte e três municípios tem uma intensa produção de cacau, mas disse que os mesmos não são beneficiados com a proporção devida.

Ainda segundo o relatório do senador, Tapajós teria 3 senadores — como as demais unidades federativas —, 8 deputados federais e 24 deputados estaduais.

Lideranças políticas não querem nem ouvir falar da proposta

A proposta sofre oposição de nomes relevantes. O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB-PA), reagiu contra a divisão do estado e afirmou que o governo estadual investe em todas as regiões, inclusive no oeste, em Tapajós, e que o sentimento de abandono não existe mais, garantiu.

“Desde que tomei posse, fiz um gesto de que nós governaríamos por todo o Pará. A partir da posse, fiz posse em Belém, em Santarém, para região oeste, em Marabá, para região sul e sudeste, e tenho feito nesses dois anos, uma rotina quase diária em todos os municípios, todas regiões, de fazer o governo esteja presente, que não é preciso dividir, que é possível governar para todos, para fazer um Pará unido, um Pará forte”, disse.

O governador afirma ter pedido ao pai, ex-governador e senador Jader Barbalho (MDB-PA), que, como representante do estado e membro da CCJ no Senado, votasse contra o projeto. Nem precisava, o senador sempre foi contra a possibilidade de divisão de um metro de terra no Pará.

Durante reunião, o senador Jader Barbalho (MDB-PA) manifestou o pedido de vistas, que foi comunicado ao presidente da CCJ pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). Para reforçar, outros senadores também engrossaram a lista também com pedido de vista.
A estratégia é tirar a matéria da pauta até o recesso parlamentar. No ano que vem, como há eleições, a matéria seria “esquecida”.

Aprovado o projeto, como a discussão avança?

Em caso de aprovação do tema na Comissão de Constituição e Justiça no Senado, o texto vai ao plenário para parlamentares decidirem se a pauta vai à Câmara. Concluídas as etapas, realiza-se um plebiscito de consulta à população simultaneamente ao próximo pleito eleitoral (2022, no caso).

Se reprovado em comissão, parlamentares arquivam o tema.

A Constituição Federal determina que a criação de novas unidades federativas só pode ocorrer mediante lei complementar, aprovada pela maioria absoluta dos parlamentares, tanto no Senado quanto na Câmara. O processo de consulta, entretanto, ocorre antes.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.