Brasília – Numa jogada arriscada que rendeu o pedido de demissão conjunto de quatro diretores do Ministério da Economia, o governo apostou e ganhou a aprovação na noite de quinta-feira (21), a aprovação na
Comissão Especial da Câmara dos Deputados da PEC dos Precatórios, por 23 votos a favor e 11 contra, a Proposta de Emenda à Constituição que limita o pagamento de precatórios, as dívidas do governo que têm como origem decisões judiciais. O texto ainda muda o cálculo de reajuste do teto de gastos e facilita a emissão de dívidas para pagar despesas com pessoal ou manter a máquina pública. A matéria segue imediatamente ao Plenário.
O texto aprovado foi o substitutivo do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). Ele calcula que as mudanças nos precatórios devem gerar uma folga de até 50 bilhões de reais no orçamento do ano que vem. E esse dinheiro já tem destino certo: a maior parte deve garantir o pagamento do programa social Auxílio Brasil, que vai substituir o Bolsa Família. O valor dos benefícios vai subir para R$ 400,00 reais e a meta será atender 17 milhões de famílias.
Atualmente, o Bolsa Família paga em média R$ 190 reais e atende 14,6 milhões de famílias. Apesar do aumento de despesas, Hugo Motta garante que a PEC preserva o teto de gastos, o que foi contestado por relatórios apresentados por parlamentares da oposição que afirmam que as mudanças aumentarão a inflação e trarão desarrumação dos gastos públicos, desvalorizando o real e corroendo o poder de compra do trabalhador.
“O limite de gastos, em cima daquilo que arrecada, nós temos que cumprir esta lei porque entendemos que ela é muito importante para o Brasil. Ela traz a solidez fiscal, ela traz a responsabilidade com o futuro. Ela traz um País que se preocupa com suas contas públicas e garante que nós não vamos trazer qualquer medida que venha comprometer nosso orçamento ou gastarmos acima daquilo que o País pode gastar.”
Não é o que pensam os deputados contrários à proposta. A oposição fez várias tentativas para adiar a votação, que levou mais de sete horas. Os deputados argumentaram que o relator fez mudanças no texto momentos antes da reunião e no mesmo dia houve pedido de exoneração de quatro secretários do Ministério da Economia.
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) acusou a PEC de promover um calote e espantar investidores do Brasil.
“O que são precatórios? O Estado deve para uma pessoa, não pagou. A pessoa foi obrigada a entrar com uma ação judicial. Teve uma sentença judicial que o Estado teve que pagar. O Estado não pagou. Emitiu um precatório, que é uma promessa de pagamento. Que demora tempo. E eu estou falando de muitas dívidas. Gente segurada pelo INSS com perna amputada. E agora o que que o Estado está fazendo? Muito embora nós estamos te devendo, muito embora o Judiciário disse que estou te devendo, muito embora você tenha o título, eu não vou te pagar. Eu vou esticar o prazo, vou estabelecer o índice de correção, por exemplo a Selic. E o que acontece nos tempos de hoje? A Selic é menor que a inflação. Qual é o incentivo que o setor público tem de pagar a dívida se ele ganha não pagando?”
O relator Hugo Motta rebateu as acusações.
“A União vai pagar estes precatórios. (…) Nós tiramos do texto até aquela possibilidade de parcelamento para não deixarmos pairar qualquer dúvida de que aquela pessoa que tem direito, que está na fila e teve seu precatório inscrito, vai deixar de receber.”
Já o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) disse que o governo estava interessado em obter os recursos apenas para ganhar votos nas eleições do ano que vem, já que o aumento no valor do benefício social será provisório.
“O que está se propondo não é um auxílio para o Brasil, o que estão propondo é uma Bolsa Eleição. E agora ficou explícito isto na fala do ministro Paulo Guedes, quando diz que este ajuste vai valer apenas para o próximo ano, que é o ano da eleição. Pelo amor de Deus, isto é escancarado, isto é explícito. Não podemos admitir a intervenção política em cima de programa com significado muito importante para desenvolvimento social em nosso País e desenvolvimento econômico também.”
Hugo Motta insistiu que a proposta não tem motivação partidária.
“Não estávamos procurando resolver o problema deste ou daquele governo. Estamos aqui resolvendo um problema estrutural. Enquanto tivermos a lei do teto de gastos, independente de quem venha a ser o presidente da República, nós vamos ter que ter agora um regramento no pagamento de precatórios.”
Dos recursos gerados pela PEC, R$ 24 bilhões devem ser usados para o reajuste de despesas da União indexadas pela inflação. “Conseguimos encontrar o caminho do equilíbrio. Nosso texto é justo com quem mais precisa e responsável para com o Brasil. Essas 17 milhões de famílias vão conseguir atravessar este momento de crise econômica com muito mais facilidade com esses R$ 400. Vamos ao Plenário de cabeça erguida defender essa matéria”, destacou o deputado Hugo Motta.
A proposta ainda deve garantir R$ 11 bilhões para compra de vacinas em 2022.
O presidente da comissão, deputado Diego Andrade (PSD-MG), comentou como a votação da PEC afetou a variação da Bolsa de Valores. “O mercado ganha dinheiro especulando e em oportunidades como esta a especulação aumenta, mas o brasileiro é sábio, e o investidor sabe das potencialidades do Brasil. Sabe que o Brasil é o País que mais cresce no seu agronegócio, que o Brasil está tendo maturidade de enfrentar temas polêmicos, privatizações”, destacou.
Direitos adquiridos
Deputados contrários à PEC afirmam que a proposta tem motivos eleitorais, além de significar um calote no pagamento de dívidas do governo, desequilibrar as contas públicas e desviar recursos que seriam destinados à educação.
O relator rebateu as acusações. “Não estamos tirando direito de ninguém. Não temos o interesse de prejudicar direitos adquiridos com decisões consolidadas que o Judiciário definiu”, defendeu.
O substitutivo limita o pagamento de precatórios ao valor pago em 2016 (R$ 30,3 bilhões), reajustado pelo IPCA. A estimativa é que o teto seja de quase R$ 40 bilhões no ano que vem. Ficarão de fora deste limite o pagamento de requisições de pequeno valor para o mesmo exercício, de até R$ 600 mil, que terão prioridade no pagamento.
Os precatórios que não forem expedidos por causa do teto terão prioridade para pagamento nos anos seguintes, reajustados pela taxa Selic, acumulada mensalmente. Atualmente, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a correção depende da natureza do precatório, podendo ser a Selic ou a inflação medida pelo IPCA mais 6% ao ano.
Para permitir o abatimento da dívida, o texto oferece aos credores a possibilidade de fechar acordo para receber o valor até o final do exercício seguinte, caso concordem com um desconto de 40%. Os valores necessários à sua quitação serão providenciados pela abertura de créditos adicionais em 2022.
A proposta do Poder Executivo estabelece ainda a possibilidade de “encontro de contas” quando se tratar de precatórios e dívida ativa. Assim, um contribuinte com direito a precatório poderá usá-lo para quitar obrigações com a União. Regra similar valerá também para estados, Distrito Federal e municípios.
Teto de gastos
O substitutivo muda o cálculo do reajuste do teto de gastos. O novo dispositivo corrige o teto pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária, com base no período de janeiro a dezembro. Atualmente, é utilizado o IPCA para o período de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.
Esta mudança pode aumentar o teto de gastos para 2022, já que nas projeções do mercado a inflação deste ano poder ser superior. O índice acumulado em 12 meses até junho é de 8,35%, elevando a R$ 1,610 trilhão o teto de gastos estimado no projeto de lei orçamentária do ano que vem. Já o IPCA acumulado até setembro chega a 10,25%.
O relator alegou que a revisão do teto de gastos se deveu à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. “Não estava escrito que teria uma pandemia e tivemos de nos adaptar a esta nova realidade. Precisamos encontrar espaço fiscal para comprar vacina”, argumentou. Outro motivo é sincronizar o tempo do reajuste do teto com o de reajuste do salário mínimo, que é de janeiro a dezembro. “Não estamos furando o teto e dando cheque em branco para o governo fazer o que quer.”
Regra de ouro
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) criticou dispositivo que permite, por meio da lei orçamentária anual, contornar a regra de ouro. Com isso, o governo poderia contrair dívidas para pagar despesas correntes, como pagamento de pessoal, juros da dívida e manutenção da máquina pública. “Isso é responsabilidade fiscal?”, questionou Marques. Ele reclamou que nenhum dispositivo da PEC diminui despesas. “Vamos contrair mais dívidas e dar calote”, lamentou.
Atualmente, para contornar a chamada regra de ouro, a Constituição exige a aprovação, por maioria absoluta do Congresso, de crédito adicional com finalidade específica.
Educação
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) afirmou que a proposta retira recursos da educação ao desvincular recursos de precatórios. “Se o governo securitizar dívida da educação, aqui está dizendo que o governo não tem obrigação de investir o recurso na educação”, comentou.
O deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) lembrou que parte substancial dos precatórios se destina a repasses para a educação de estados e municípios referentes ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).
“Não estamos tirando direito de professor, não estamos tirando um real da educação nem prejudicando estados e municípios”, rebateu Hugo Motta.
Municípios
O substitutivo ainda autoriza os municípios a parcelar, em 240 prestações mensais, o pagamento de contribuições previdenciárias e outros débitos com vencimento até 31 de outubro de 2021. Ato do Ministério do Trabalho e Previdência definirá os critérios para o parcelamento, oferecendo as informações sobre o montante das dívidas, formas de parcelamento, juros e encargos incidentes.
A formalização dos parcelamentos deverá ocorrer até 30 de junho de 2022 e ficará condicionada à autorização de vinculação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para pagamento das prestações acordadas nos termos de parcelamento.
Eleições
O deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) acusou a mudança de ter motivos eleitorais. “Não é um auxílio para o Brasil o que estão propondo, é uma Bolsa Eleição. O ajuste vai valer apenas para o próximo ano, que é o ano da eleição. Não podemos admitir a intervenção política em cima de programa com significado para desenvolvimento social e econômico.”
O relator rebateu as acusações. “Não é um texto partidário. Não estamos procurando responder o problema deste governo, mas um problema estrutural e preparando o Brasil para o futuro. Estamos garantindo que os precatórios sejam pagos, seja por este ou outro presidente”, comentou.
O pagamento de precatórios é estimado em quase 55 bilhões de reais neste ano, e poderá subir para 89 bilhões no ano que vem caso a PEC não seja aprovada pelo Congresso. A proposta ainda deve ser votada em dois turnos pelo Plenário da Câmara dos Deputados antes de seguir para o Senado.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.