Brasília – Em audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados na terça-feira (24), representantes de garimpeiros, do governo federal, políticos locais e deputados federais concordaram com a ideia de destravar procedimentos para permitir a regularização de áreas de garimpo no País. Eles defenderam a viabilização da lavra garimpeira sem avançar sobre os limites legais que, atualmente, proíbem a extração mineral em terras indígenas e em áreas de proteção integral, como parques e reservas nacionais.
A atividade de garimpo é regulada no Brasil por lei específica (Lei nº 7.805/1989), que alterou o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, criando o regime de permissão de lavra garimpeira, extinguindo o regime de matrícula, dentre outras providências (confira).
O deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA) foi quem sugeriu o debate sobre o funcionamento dos garimpos no Estado do Pará, especificamente na região do rio Tapajós, abrangendo as cidades de Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis e Trairão — atividade econômica exercida há décadas. Segundo ele, dificultar a regularização da atividade dos garimpos acaba induzindo os garimpeiros a atuarem na ilegalidade.
“Quando [a atividade] está dentro da legalidade, você tem licença ambiental a ser cumprida, tem fiscalização e o principal: CNPJ e CPF de quem está fazendo.”
Joaquim Passarinho lamentou que representantes do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) não tenham comparecido à audiência e criticou as ações de fiscalização que acabam por destruir o maquinário utilizado pelos garimpeiros.
“Se o ministério [do Meio Ambiente] trabalha para não vir, eu vou pedir a convocação do ministro”, adiantou.
Desde 2008, um decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais autoriza o Ibama a destruir o maquinário apreendido em áreas de garimpo ilegal quando não é possível retirá-lo do local.
Vereador do município de Itaituba, onde se concentra o maior número de pedidos de regularização de garimpos, Wescley Aguiar disse que não adianta o Ibama continuar incendiando máquinas, porque os garimpeiros continuarão lá.
Prefeito de Novo Progresso, outra cidade da região do Tapajós, Gelson Dill disse que o município vem sendo bastante impactado pelas ações de fiscalização. Segundo ele, os garimpeiros têm buscado a regularização dos seus empreendimentos, mas têm esbarrado em entraves jurídicos e burocráticos, que levam a um longo período de espera o que acaba os enquadrando no exercício ilegal da atividade.
Entre os problemas apontados, está a criação, em 2006, de sete unidades de conservação ambiental, como o Parque Nacional do Jamanxim, parcialmente em conflito com a área da reserva Garimpeira do Tapajós, criada em 1983.
“Hoje essas unidades de conservação inviabilizam a legalização de garimpos dentro da reserva garimpeira”, explicou o prefeito de Novo Progresso.
Gelson Dill pediu celeridade da Advocacia-Geral da União (AGU) na revisão do parecer 21 de 2014, que proíbe a legalização de garimpos dentro de unidades de conservação, incluindo as de uso sustentável, como florestas nacionais (Flonas) e reservas extrativistas.
Procurador-chefe da AGU junto à Agência Nacional de Mineração (ANM), Mauricyo Correia se comprometeu a levar o tema para debate na agência, mas ressaltou que o Congresso pode alterar a legislação que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) para permitir garimpos dentro de unidades de uso sustentável.
Burocracia, atrasos e prejuízos
O atraso e a burocracia governamental estão inviabilizando e criminalizando a atividade garimpeira no país. O presidente da Associação Nacional do Ouro, Dirceu Frederico Sobrinho sugeriu na reunião um esforço conjunto entre governo e entidades para que os garimpeiros não continuem sendo punidos enquanto aguardam, por anos, o processo de regularização. “Precisamos de um termo de ajustamento de conduta para que o garimpeiro não tema mais ser punido”.
Recém-nomeado diretor na Agência Nacional de Mineração (ANM), Ronaldo Lima informou que, somente na região do Tapajós, há cerca de 14 mil processos aguardando a análise da ANM, 12 mil deles da cidade de Itaituba. Os processos envolvendo a Permissão para Lavra Garimpeira, os chamados PLGs, são 10.584. “Temos 968 PLGs ativos atualmente. Isso é muito pouco.”
Ele considera que é preciso criar um ambiente diferenciado para a pequena mineração no País. “O processo para regulamentar os garimpos não pode ser tão permissivo nem também burocrático demais”, argumentou.
Segundo Lima, a ANM trabalha agora na retomada do processo de regularização de áreas no Tapajós em cooperação com o Ministério de Minas e Energia, a Secretaria de Meio Ambiente e com estados e municípios.
Imaginário secular
O garimpo do ouro no Brasil é uma das atividades mais antigas, desde o descobrimento do país e as condições em que é feito pouco mudaram em séculos, embora a tecnologia hoje disponível poderia mitigar vários danos onde ele hoje é exercido de forma manual.
“Garimpar ouro faz parte do imaginário brasileiro como trabalho ligado ao sofrimento, a condições inumanas de vida, à danos irreversíveis ao meio ambiente e essa realidade tem que mudar”, disse o presidente da Anoro – Associação Nacional do Ouro, Dirceu Frederico Sobrinho.
Ele apresentou durante a audiência um vídeo que resume o projeto batizado pela entidade de “Garimpo 4.0”, onde resume uma série de benefícios a serem perseguidos e implementados para transformar a atividade num trabalho com condições dignas, justiça social e ambientalmente correto, como hoje é exigido pela sociedade e pelo mercado.
Conflitos e repressão
O diretor de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia, Frederico Bedran destacou que o processo de outorga para permissões de garimpos já está bastante simplificado, exigindo licença ambiental e um plano de lavra simples. Ele avalia, no entanto, que o desafio é analisar a atividade não apenas sob o aspecto da mineração, mas considerar junto questões sociais e ambientais.
“Estamos olhando para uma região com grande potencial geológico e grande quantidade de áreas protegidas. Compatibilizar esses interesses, considerando ainda a falta de assessoria técnica para o pequeno minerador, não é fácil”, admitiu.
Bredan concluiu dizendo que o Ministério de Minas e Energia atua para fortalecer a ANM, inclusive por meio de uma comissão interministerial criada para analisar todos os aspectos que envolvem o garimpo, incluindo saúde, meio ambiente e o controle e a certificação do minério extraído.
Recentemente, garimpeiros da região do Tapajós foram acusados de atacar e incendiar aldeias indígenas contrárias à lavra garimpeira, o que levou ao deslocamento de efetivo da Polícia Federal para a área, bem como a determinação do Supremo Tribunal Federal para que a atividade ilegal garimpeira fosse coibida.
Ao mesmo tempo em que a audiência transcorria em Brasília, um forte aparato policial reprimia a atividade garimpeira em outra região problemática na Amazônia: o Araguaia.
Quebra-quebra e revolta
O Blog do Zé Dudu publicou os acontecimentos que ocorreram um dia antes da audiência pública em Brasília, na segunda feira (23). Os garimpeiros que atuam no município de Cumaru do Norte fizeram um grande buraco na rodovia estadual PA-287 e queimaram uma ponte de madeira, para impedir as ações de fiscalização de soldados do Exército, agentes da Força Nacional, Ibama e Polícia Federal.
Durante a manifestação, o prefeito do município Célio Marcos Cordeiro (MDB) tentou demover os manifestantes, mas não teve seu apelo atendido pelos garimpeiros.
Com a chegada dos agentes e soldados das forças federais em quatro helicópteros, o gestor local e outras lideranças tentaram dialogar com o comandante da operação e com os manifestantes a fim de evitarem um conflito armado.
No final da tarde, o clima continuava tenso com a interrupção do trânsito e com as ações dos agentes federais e dos soldados do Exército, que iniciaram a queima de maquinários nos garimpos clandestinos em terras indígenas.
Enquanto forças policiais exerciam o poder de “comando e controle” nos municípios de Redenção, Cumaru do Norte e outros da região, informou o deputado Joaquim Passarinho, que presidiu a audiência, as cenas de desespero e revolta mais uma vez se repetiam na região como uma triste novela que marca a atividade diariamente na Amazônia.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.