Brasília – Às vésperas da chegada do Orçamento de 2021 para análise e votação, a comissão mista do Congresso Nacional que acompanha as ações econômicas de combate aos efeitos da pandemia realizou audiência na segunda-feira (24), discutiu com especialistas a importância da manutenção do teto dos gastos após a promulgação da emenda constitucional 95 como forma de garantir a confiança dos investidores no país.
O representante do Banco Mundial no Brasil Rafael Moreno defendeu o mecanismo econômico apelidado de teto dos gastos. Já o ex-diretor pelo Brasil do Fundo Monetário Internacional Paulo Nogueira Batista Jr. sugeriu mudanças, como a retirada dos investimentos dos limites desse teto que estabelece que o governo não pode aumentar os gastos além da inflação do ano anterior.
A discussão aumentou nas últimas semanas porque pela regra do teto, em 2021 o país só pode gastar o que gastou em 2020, sem os extras da pandemia, mais a inflação. Nas contas do economista Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado, isso dá R$ 1,485 trilhão. Retirando gastos obrigatórios e a manutenção da máquina pública, faltam R$ 15 bilhões.
De acordo com o economista o risco de romper o teto em 2021 é alto, mas ele explicou que romper o teto não significa “jogar fora o teto”. Ou seja, caso isso possa acontecer, existem gatilhos de cortes de despesas que entrariam em vigor. Ele defende que seja feita uma consulta ao Supremo Tribunal Federal sobre em que momento isso poderia ser acionado.
Rafael Moreno, do Banco Mundial, defendeu a manutenção das regras atuais com revisão de despesas com pessoal, por exemplo, até para que seja possível criar um programa de transferência de renda para os mais pobres: “Nós achamos que o Brasil tem capacidade de se endividar bastante para dar resposta à pandemia, mas que é muito importante manter a confiança dos investidores nos títulos públicos. E isso é feito, por enquanto, através da credibilidade da âncora fiscal que está realizada principalmente no teto de gastos.”
O deputado Francisco Jr. (PSD-GO), relator da comissão, concorda com medidas de ajuste, mas ponderou que a questão dos salários dos servidores públicos reflete situações diversas: “Ao mesmo tempo que temos servidores públicos com salários exagerados na minha opinião, altos. Mas ao mesmo tempo nós temos categorias básicas, como é o caso da saúde e da educação, onde a gente percebe salários muito baixos que poderiam ser muito melhorados.”
Já Paulo Nogueira Batista Jr., que foi do FMI no governo do PT, disse que o teto é mal desenhado porque qualquer aumento de receita via taxação dos mais ricos, por exemplo, não pode ser usada para cobrir o necessário, mas apenas para abater a dívida pública. Ele disse que, para não causar mais problemas, o ajuste fiscal terá que ser mais longo: “Então não acredito que seja viável ou interessante tentar em 2021 um ajustamento drástico das contas públicas, sobretudo pela via do gasto. É preciso reconhecer, sim, que a situação das contas públicas requer cuidados, mas tendo em vista a preocupação com o nível de atividade e do emprego; seria melhor espaçar o ajustamento ao longo de vários anos, reduzindo gradativamente o déficit primário do setor público.”
O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) também defendeu a retirada dos gastos com investimentos da regra do teto de gastos. Para Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente do Senado, o país poderia remanejar recursos, revendo a renúncia de impostos como as deduções com saúde do Imposto de Renda.
Emprego
Coordenador de Operações em Economia, Governança e Desenvolvimento do Banco Mundial no Brasil, Rafael Muñoz Moreno apontou a necessidade da continuidade das medidas de proteção a empresas e empregos. Ele destacou que o governo federal precisará flexibilizar muitas regras, de modo a permitir que os estados se ajustem à realidade de menor receita após a pandemia.
O debatedor elogiou o destaque brasileiro na proteção dos mais vulneráveis, com programas como o Bolsa Família, por exemplo. Segundo afirmou, a transferência de renda complementada com o pagamento do auxílio emergencial e outros apoios, como o adiamento do pagamento de contas de energia e água, permitiu a sustentabilidade financeira da maioria dos brasileiros. São medidas de proteção social que, na opinião do especialista, devem ser aperfeiçoadas e continuadas, para que a população de baixa renda permaneça conseguindo se manter.
“Por enquanto, a nossa percepção é de que o setor financeiro é bastante sólido para responder à realidade, mas uma queda muito forte da economia pode afetar isso. É importante esse apoio e evitar que a crise econômica se transfira a uma crise financeira, porque isso agravaria muito mais a situação que estamos vendo. Além disso, também é preciso retomar a agenda de reformas, identificar, deixar claras, mapear, implementar essa agenda, porque ela será a base do futuro da retomada econômica do Brasil”, ressaltou.
Investimentos
O representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Morgan Doyle, destacou a atuação do órgão no combate à pandemia de covid-19 no Brasil, com ações como a agilização de processos de compras e a realocação de recursos nos estados. De acordo com ele, a carteira de investimentos em execução no país soma 84 operações com o setor público, distribuídas em áreas como infraestrutura, recursos naturais, social, gestão fiscal e maior inserção do Estado. São mais de US$ 11 bilhões em projetos que envolvem a União, os estados e os municípios, cujos desembolsos devem ser duplicados até o final de 2020, ressaltou.
“Como em todos os países, a pandemia implicou tremendo esforço para atender uma demanda radicalmente diferente do que achávamos no começo do ano. Isso significou um pivô completo quanto à programação de 2020, assinando quase a totalidade dos US$ 2,3 bilhões para a covid-19. Há duas semanas, inclusive, a nossa diretoria aprovou uma operação de US$ 1 bilhão para ajudar famílias vulneráveis e trabalhadores no Brasil — US$ 400 milhões serão direcionados para auxílio emergencial, o valor é equivalente a três meses de ajuda para 475 mil famílias. Adicionalmente, nossas equipes têm buscado aproveitar ao máximo a carteira existente e puderam realizar cerca de 40 iniciativas e ações para atender demandas da pandemia que representam mais de US$ 200 milhões em 11 estados do Brasil, declarou.”
Dados
O presidente da comissão mista, senador Confúcio Moura (MDB-RO), destacou “o nível elevado” das palestras desta segunda-feira. Ele disse que todos os dados serão discutidos com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que deverá participar de audiência remota do colegiado na próxima segunda-feira (31).
“Esta é uma audiência pública muito proveitosa, que vai embasar a nossa reunião com o ministro, para fazermos um balanço, um relatório. Então, esses conteúdos vão nos orientar bastante na audiência marcada para o final deste mês”, concluiu,
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.