☺Operar em um mercado mundial na condição de um dos principais players não é tarefe fácil no multibilionário setor de mineração. O cenário de incertezas sobre a oferta de veículos elétricos levou a uma reacomodação na indústria de metais básicos, essenciais para a indústria automotiva. Os preços do lítio, metal fundamental que compõe as baterias, caíram depois de uma alta nos últimos anos. Nesse ambiente, no entanto, o cobre se manteve com demanda aquecida e os preços do mineral foram na contramão. E foi apostando no cobre, como metal estratégico, que a Vale S/A acertou precisamente nesse período de turbulência na incipiente indústria de carros elétricos.
O cobre é um dos insumos essenciais aplicado na produção de carros elétricos, responsável por conduzir eletricidade, e representa cerca de 10% dos minerais presentes na bateria. A diferença é que o cobre também é amplamente utilizado na construção civil e no setor de energia, segmentos que têm sustentado a demanda e os preços.
Na semana passada, o cobre atingiu cotação máxima em 11 meses na London Metal Exchange (LME), referência do mercado global, de cerca de US$ 9.100 a tonelada. Enquanto isso, o lítio (concentrado de espodumênio) saiu de aproximadamente US$ 5.000 a tonelada, um ano atrás, para cerca de US$ 1.000 neste mês, uma queda da ordem de 80%.
As grandes mineradoras globais vêm puxando a oferta de cobre. A Vale (VALE3) é uma delas. A brasileira tem apostado alto na divisão de metais básicos e chama a atenção de investidores.
Em julho de 2023, a companhia anunciou a venda de 13% da Vale Base Metals por US$ 3,4 bilhões para a saudita Manara Minerals e a americana Engine No. 1. Outras grandes mineradoras como a australiana BHP e a estatal chilena Codelco também contribuem com a maior parte da produção do metal.
Segundo o head para a área de mineração do time de equity research do Bradesco BBI na América Latina, Rafael Barcellos, o lítio é a commodity mais dependente da evolução dos veículos elétricos, ao passo que o cobre tem um perfil de demanda mais diversificado.
“O cobre captura tanto tendências da velha economia, como a demanda industrial e de construção civil, bem como da nova economia, como carros elétricos e power grid [linhas transmissão]. Isso ajuda a diversificar, deixa a commodity menos dependente. No limite, o cobre está um pouco mais protegido”, disse.
Ele afirmou que existem diversos desafios do lado da oferta. Atualmente, relatou o analista, o Chile representa cerca de 30% da produção global e, o Peru, 10%. “Temos visto algumas dificuldades de produção nos dois países, com o Chile rodando a um nível abaixo dos últimos anos, em meio a um estresse hídrico e queda dos níveis de cobre contido.”
Para Otavio Costa, portfolio manager da Crescat Capital, com sede em Denver, nos Estados Unidos, embora a oferta global de cobre seja suficiente para atender a demanda existente, existem poucas reservas de alta qualidade economicamente viáveis no mundo. “O déficit de oferta tem um papel relevante no atual nível de preço do cobre”, afirmou o gestor.
Ele ressaltou que os Estados Unidos e países da Europa não apresentavam uma tendência de investimentos em infraestrutura e construção há muito tempo. “É difícil ver uma onda como essa sem elevar o patamar de preço do cobre. A tese dessa commodity é muito sustentável e provavelmente vai levar a cotação a continuar subindo.”
Costa explicou que o cobre e o lítio enfrentam o mesmo problema: viabilidade econômica das minas. “No Canadá, por exemplo, os preços dos projetos de lítio eram absurdos até pouco tempo atrás, mas muitos não eram economicamente viáveis.”
Falta de investimentos
Segundo Costa, nas últimas décadas não houve desenvolvimento significativo no setor de cobre. “O custo para a criação de projetos de mineração está cada vez mais alto, poucas empresas têm capital para isso. Até as grandes mineradoras estão enfrentando dificuldades, isso pressiona o lado da oferta.”
O ciclo de um projeto de cobre é de aproximadamente 12 a 15 anos, entre a aquisição da mina e o início da produção. “Há mais de uma década não temos visto grandes investimentos na área”, pondera.
O ciclo de um projeto de cobre é de aproximadamente 12 a 15 anos, entre a aquisição da mina e o início da produção. “Há mais de uma década não temos visto grandes investimentos na área”, pondera.
A Crescat adquiriu, recentemente, participações em minas de cobre nos Estados Unidos, Austrália, Canadá, Bolívia e Argentina. “Os investidores podem fazer múltiplos do seu capital comprando a mineradora e não a commodity em si. Essas empresas não estão bem precificadas”, aponta.
De acordo com a analista de mineração da Tendências Consultoria, Yasmin Riveli, os setores de infraestrutura e energias renováveis na China foram os principais estímulos de demanda para o cobre ao longo de 2023, seguidos da construção civil nos Estados Unidos, o que ajudou a impulsionar as cotações.
Já no início de 2024 a economia chinesa começou a perder fôlego, diz a especialista, o que impactou tanto o setor de infraestrutura quanto as vendas de veículos elétricos. Neste sentido, Riveli acredita que o cobre deve encerrar o ano com um crescimento médio modesto de 0,2%, para US$ 8.550.
Acomodação do lítio
Barcellos, do Bradesco BBI, relata que uma oferta significativa de lítio está para entrar em operação nos próximos anos. Em sua visão, a demanda pela commodity ainda é muito dependente da evolução do carro elétrico, disse ao site Bloomberg.
“Quando falamos de América Latina, temos majoritariamente players de baixo custo operando na região. Mesmo com os preços caindo de forma dramática como aconteceu recentemente, o nível atual ainda permite que empresas tenham algum resultado decente”, avalia.
Costa, da Crescat Capital, afirma que o valuation (termo de origem inglesa que significa avaliação) das empresas de lítio quase atingiu uma “bolha”. “O que vemos agora é um rebalanceamento desse mercado. Se os preços do lítio estiverem em um patamar adequado, estamos mais abertos [a investir] nesse tipo de projeto”, diz
Riveli, da Tendências, afirma que o lítio é um metal extremamente volátil, mas que no futuro será altamente demandado em um contexto de transição energética. “Vamos precisar de muito lítio, isso é um fato. O problema é que, diante da onda de otimismo, vários projetos acabaram sendo acelerados. Essa adição de capacidade não se materializou em um ritmo forte de demanda”, avalia.
Em sua visão, para 2024 o mercado deve se ajustar. “Os preços do lítio estavam caindo até fevereiro, mas já vimos uma reação em março. Com isso, produtoras australianas já se pronunciaram sobre colocar o pé no acelerador para novos projetos”, afirma. “Isso tem sido um alento para o setor”, acrescenta.
Ela observa, porém, que embora os preços estejam em trajetória de recuperação, ainda ficam distantes dos picos alcançados no passado recente. “Ainda assim, devemos ter alta no médio prazo com a expansão da descarbonização e das vendas de carros elétricos. No nosso cenário base, o ambiente é favorável para o lítio”, diz.
Para Barcellos, restam dúvidas sobre a evolução da curva de crescimento das vendas de carros elétricos no mundo, o que acaba sendo um risco para a commodity. “Passamos um longo período com preços altos do lítio, o que incentivou novos projetos. Esse mercado está desbalanceado, o cenário é de sobrecapacidade”, diz.
Outro fator é o próprio mercado de carros elétricos. No Brasil, por exemplo, os compradores preferem os modelos híbridos devido a baixa autonomia dos modelos elétricos e dificuldades de recarga na até agora escassa rede de abastecimento.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.