Brasília – A semana inicia de ressaca após o maior ataque aos símbolos de poder da maior democracia da América Latina. O Blog do Zé Dudu compilou um resumo dos atos do poderes Executivo, Judiciário e Legislativo em reação aos ataques violentos da turba bolsonarista enfurecida que invadiu prédios públicos na capital do país. A insurreição foi realizada de forma orquestrada, planejada e, desconfia-se, com a conivência do aparato de segurança pública do Distrito Federal, que tem a obrigação constitucional de defender a ordem pública e zelar pela integridade do conjunto arquitetônico de uma área tombada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como patrimônio público da humanidade.
O relógio marcava 12h30 de um domingo (8) de clima ameno quando um grupo grande, às centenas, mas com número incerto de pessoas, ocupou três pistas das seis disponíveis, escoltados por viaturas da Polícia Militar do Distrito Federal, e seguiram em marcha ordeira, vestindo camisas amarelas e balançando bandeiras do Brasil, partindo do acampamento montado há mais de 40 dias em frente ao quartel-general do Exército, no Setor Habitacional Militar de Brasília. Ao grupo foram aderindo outras centenas de pessoas que chegaram no sábado (7), em mais de cem ônibus, oriundos de outros estados.
Às 14h30, conforme apuração que está sendo feita pelas autoridades, os manifestantes, aparentemente pacíficos, passaram sem ser incomodados pelas barreiras que dão acesso ao conjunto de prédios na Esplanada do Ministérios.
Logo depois, vários grupos se separam, cada um se dirigindo aos alvos: o Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo; o Supremo Tribunal Federal (STF), sede do Poder Judiciário e ao Congresso Nacional, sede do Poder Legislativo, sob olhar de um contingente mínimo para monitorar esse tipo de manifestação.
O que se viu depois foi uma turba enfurecida que destruiu tudo pela frente: quebrou, martelou, arrombou, deu facadas, pisoteou e incendiou de obras públicas a esculturas e vitrais. Outro grupo roubou armas letais e não letais, guardadas do Gabinete de Segurança Pública no subsolo do Palácio do Planalto. Esse sabia exatamente onde estavam os objetos furtados.
O mesmo se repetiu nos prédios do Congresso Nacional e do STF. Após as 16h, o estrago estava feito – foi quando o ministro da Justiça e outros, reunidos no gabinete do prédio do Ministério da Justiça (MJ), assistiam, incrédulos pela janela, as cenas de quebra-quebra. O contingente policial só foi reforçado após as 17h.
Por telefone, Flávio Dino, da Justiça, ligou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava com o ministro das Cidades, Jader Filho, em Araraquara, interior de São Paulo, em visita humanitária oficial para vistoriar os estragos causados pelas fortes chuvas no município. Lula autorizou e assinou eletronicamente o Decreto de Intervenção Federal no Sistema de Segurança Pública do DF, nomeando como interventor o secretário executivo do MJ, Ricardo Cappelli, que assumiu de imediato a função e passou a coordenar a operação de reação aos ataques terroristas, nessa altura concentrados nos prédios localizados na Praça dos Três Poderes.
Já passava das 19h quando as forças de segurança expulsaram os invasores e retomaram o controle dos prédios atacados, cercando a multidão dispersa, e com ajuda da Tropa da Cavalaria da PMDF e do esquadrão de operações especiais, foram obrigando a multidão a recuar em direção à Rodoviária do Plano Piloto, com o emprego de bombas de efeitos moral e de gás lacrimogênio, numa praça de guerra nunca antes vista na história do país.
Medidas do Judiciário
Em decisão divulgada na madrugada desta segunda-feira (9), o ministro Alexandre de Moraes, do STF, liderou a tomada de uma série de medidas que passam a pautar as investigações que deverão ser levadas a efeito, como o rastreamento da participação de todas as pessoas que participaram nos ataques aos prédios dos Três Poderes de domingo.
Entre outras medidas, a Polícia Federal vai analisar listas de hóspedes em hotéis e pousadas de Brasília, buscar imagens de câmeras de segurança e dados de geolocalização dos golpistas, além de mapear os donos, passageiros e financiadores dos ônibus que trouxeram as pessoas a Brasília.
Atendendo a pedidos da Advocacia Geral da União (AGU) e do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Moraes também determinou que sejam colhidos em 48 horas os depoimentos de proprietários de 87 ônibus que trouxeram bolsonaristas à capital federal. Os veículos, alguns dos quais estacionados perto da Granja do Torto – uma das residências oficiais da Presidência –, serão apreendidos pela PF. O ministro quer que os depoentes apresentem contratos, nomes de financiadores do transporte e a relação de todos os passageiros de cada veículo.
Moraes também pediu à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que informe os registros de todos os veículos que ingressaram no DF entre a última quinta-feira e o domingo.
Em outra frente, o ministro exigiu das empresas de telecomunicações que armazenem por três meses os “registros de conexão suficientes para a definição ou identificação de geolocalização dos usuários”, segundo a decisão. A ideia é monitorar os passos dos golpistas que caminharam no trajeto entre o quartel-general do Exército, onde um acampamento de bolsonaristas está montado, e a Praça dos Três Poderes. A partir dessas informações e do que for colhido durante as perícias criminais, os policiais vão tentar identificar todas as pessoas que participaram dos ataques às instituições.
Outro esforço de Moraes está concentrado nas redes sociais. Em sua decisão, o ministro determinou a plataformas como Instagram, Twitter, Facebook e Tik Tok, que removam conteúdos que promovam atos antidemocráticos e a suspensão imediata da monetização dessas contas. O ministro listou 17 perfis de bolsonaristas que incitaram os atos de domingo nas redes sociais: 9 no Instagram, 3 no Facebook, 3 no Twitter e 2 no Tik Tok.
Moraes afasta governador do DF, Ibaneis Rocha
Dentre o conjunto de despachos que o ministro Alexandre de Moraes determinou na madrugada desta segunda, o mais grave foi o afastamento cautelar do governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha. Com 18 páginas, o documento elenca todos os fundamentos usados para justificar os nove grupos de medidas.
Trata-se do mais duro despacho já proferido pelo ministro desde que se tornou relator do inquérito dos atos antidemocráticos. Ele reúne desde a determinação de centenas de prisões em flagrante, manda intimar governadores, prefeitos e comandantes militares e determina até a realização de diligências para identificar todos os extremistas que invadiram os prédios dos três Poderes, em Brasília. Relatório do Exército mostra que haveria cinco mil deles nos acampamentos de todo o país; quem permanecer, poderá ser preso.
Pedidos da União ao STF
Confira o requerimento da União, por meio da AGU, em face da prática de atos terroristas contra a democracia e as instituições brasileiras, no qual o ministro Alexandre de Moraes baseou as decisões judiciais tomadas durante a madrugada.
A primeira medida de Alexandre de Moraes foi o afastamento do governador. Ele tem como base o artigo 319 do Código de Processo Penal. Moraes entendeu existirem indícios veementes de omissão dolosa [criminosa] do governador. O afastamento é uma medida cautelar diferente da prisão, que consiste na suspensão do exercício da função pública pelo prazo inicial de 90 dias. Ou seja, se estiverem presentes os motivos para manter Ibaneis afastado, a medida pode ser prorrogada como alternativa à prisão do acusado para a garantia da ordem pública.
Desocupação e prisões em flagrante
Moraes determinou no item 2 da decisão um prazo de 24 horas para que todos os acampamentos de extremistas bolsonaristas em frente a quartéis sejam desocupados e dissolvidos. E desta vez ele foi além: mandou prender em flagrante todos os acampados pela prática dos crimes previstos nos artigos 2ª, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios), da Lei nº 13.260 (Antiterror), e pelos artigos 288 (associação criminosa), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito e 359-M (golpe de Estado), 147 (ameaça), 147-A, § 1º, III (perseguição) e 286 (incitação ao crime). O total de presos pode passar de mil.
Governadores, prefeitos e comandantes podem ser responsabilizados
No mesmo item da decisão, o ministro mandou que a operação de desocupação e prisão dos acusados seja feita pelos PMs dos estados e do DF, com apoio da Força Nacional e Polícia Federal se necessário. Deve o governador do estado ser intimado para efetivar a decisão, sob pena de responsabilidade pessoal. As autoridades municipais deverão prestar todo o apoio necessário para a retirada dos materiais existentes no local. O comandante militar do QG deverá, igualmente, prestar todo o auxílio necessário para o efetivo cumprimento da medida. Ambos deverão ser intimados para efetivar a decisão, sob pena de responsabilidade pessoal. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, deverá ser intimado para, sob sua responsabilidade, determinar todo o apoio necessário às forças de segurança.
Desocupação de vias
No terceiro item da decisão, Moraes mandou desocupar em 24h todas as vias públicas e prédios públicos estaduais e federais em todo o território nacional que estiverem ocupados por extremistas. Nos estados e DF, as operações deverão ser feitas pelas PMs, com apoio da Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal e PF, se necessário. Os governadores também devem ser intimados nesse caso para efetivarem a decisão, sob pena de responsabilidade pessoal.
Apreensão de ônibus e bloqueio
No quarto item da decisão, Moraes mandou apreender e bloquear todos os ônibus que trouxeram os terroristas para o DF identificados pela Polícia Federal. Os proprietários deverão ser identificados e ouvidos em 48 horas, apresentando a relação e identificação de todos os passageiros, dos contratantes do transporte, inclusive apresentando contratos escritos, caso existam, meios de pagamento e quaisquer outras informações pertinentes. Entre os ônibus a serem apreendidos deverão estar os 87 que se encontram estacionados na Granja do Torto e imediações.
Proibição de manifestações
No item quinto da decisão, Moraes proíbe até o dia 31 de janeiro o ingresso de quaisquer ônibus e caminhões com manifestantes no Distrito Federal. A PRF e a PF deverão providenciar o bloqueio, a imediata apreensão do ônibus e a oitiva de todos os passageiros, com base no artigo 5º da Lei antiterrorismo, que pune os atos preparatórios.
No dia seguinte à vigência dessa determinação, em 1º de fevereiro, ocorre no Congresso Nacional a posse dos senadores e deputados federais eleitos e reeleitos nas eleições gerais do ano passado. No mesmo dia, ocorre a eleição da Mesa Diretora e as presidências do Senado e da Câmara.
Notas de repúdio
Nota do STF sobre vandalismo e atos antidemocráticos em Brasília
O edifício-sede do Supremo Tribunal Federal, patrimônio histórico dos brasileiros e da humanidade, foi severamente destruído por criminosos, vândalos e antidemocratas. Lamentavelmente, o mesmo ocorreu no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto. As sedes dos Três Poderes foram vilipendiadas.
O Brasil viveu neste domingo – 8 de janeiro de 2023 – uma página triste e lamentável de sua história, fruto do inconformismo de quem se recusa a aceitar a democracia.
Desde que o ato foi anunciado, mantive contato com as autoridades de segurança pública, do Ministério da Justiça e do Governo do Distrito Federal. Os agentes do STF garantiram a segurança dos ministros da Corte, que acompanharam os episódios com imensa preocupação.
O STF atuará para que os terroristas que participaram desses atos sejam devidamente julgados e exemplarmente punidos. O prédio histórico será reconstruído.
A Suprema Corte não se deixará intimidar por atos criminosos e de delinquentes infensos ao Estado Democrático de Direito.
Ministra Rosa Weber, Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Nota da cúpula do Poder Judiciário sobre a violência contra os Três Poderes no domingo
Presidentes do STF, TSE, STJ, TST e STM assinam a nota.
O Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal Militar vêm a público manifestar sua indignação ante os graves acontecimentos ocorridos neste domingo, 8 de janeiro, com atos de violência contra os Três Poderes da República e destruição do patrimônio público.
Ao tempo em que expressam solidariedade às autoridades legitimamente constituídas, e que são alvo dessa absurda agressão, reiteram à Nação brasileira o compromisso de que o Poder Judiciário seguirá firme em seu papel de garantir os direitos fundamentais e o Estado Democrático de Direito, assegurando o império da lei e a responsabilização integral dos que contra ele atentem.
Brasília, 8 de janeiro de 2023
Ministra Rosa Maria Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal
Ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidente do Superior Tribunal de Justiça
Ministro Lelio Bentes Corrêa, presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Ministro General de Exército Lúcio Mário de Barros Góes, presidente do Superior Tribunal Militar
Dois pesos, uma medida
Houveram também diversas manifestações de repúdio de presidentes e lideranças de partidos que apoiavam ou ainda apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), apontado como principal incitador dos atos vistos no domingo. Bolsonaro, inclusive, poder ser condenado pelo STF e ficar inelegível.
Mas, deputados e senadores que apoiam o ex-presidente lembram que desde o primeiro dos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – com o primeiro mandato (1994-1997) e segundo mandato (1998-2002), um “grupo terrorista” barbarizou o país. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que nem CNPJ tem e patrocinou a maior sequência de invasão e destruição de patrimônio privado e público, sem que se tenha notícia de serem incomodados pelo governo federal ou pela Justiça Federal.
“Está, portanto, provado, que nesse país há ‘dois pesos e uma medida’,” de acordo com um deputado bolsonarista proeminente no Congresso Nacional, que pediu para ter seu nome preservado.
Por Val-André Mutran – de Brasília