A harmonia entre os Três Poderes volta a trincar nesta quinta-feira (10), após reunião frustrada entre advogados das assessorias jurídica da Câmara e do Senado, e duas juízas auxiliares lotadas no gabinete do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF) que, frustrando as expectativas, não cumpriram a determinação do ministro para que fosse apresentada uma proposta que desse transparência à aplicação de emendas parlamentares, conforme decisão da Corte que trata da destinação e controle desses recursos públicos bilionários.
É mais um capítulo aberto na relação conflituosa que se estabeleceu entre os dois Poderes da República. Ontem, como o Blog do Zé Dudu publicou (leia aqui), a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade do projeto de emenda constitucional que restringe decisões monocráticas nos Tribunais Superiores. A PEC nº 8/2021 faz parte de um pacote de medidas em tramitação no Congresso Nacional para “conter” o que os congressistas chamam de “ativismo judicial e interferência na independência do Poder Legislativo Federal”.
O ministro Flávio Dino manteve, portanto, as restrições ao pagamento de emendas parlamentares em nova decisão publicada nesta quinta. “Permanece inviável o restabelecimento da plena execução das emendas parlamentares no corrente exercício de 2024, até que os Poderes Legislativo e Executivo consigam cumprir às inteiras a ordem constitucional e as decisões do Plenário do STF,” escreveu o ministro no documento.
Uma nova audiência sobre emendas ocorreu nesta quinta, com representantes do Senado, da Câmara dos Deputados, da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Dino afirmou que “o Poder Legislativo deixou de apresentar objetivamente, em audiência, informações específicas, completas e precisas que permitissem aferir o cumprimento do acórdão e estabelecer cronograma para ações futuras”.
O ministro criticou o fato dos representantes do Congresso terem informado que parte das determinações será cumprida por meio de um projeto de lei complementar, que ainda está sendo elaborado.
“A Câmara dos Deputados e o Senado Federal limitaram-se a apontar que soluções hão de ser definidas em Projeto de Lei Complementar (PLP), cuja tramitação sequer iniciou”, afirmou, destacando a “imprevisibilidade quanto à apresentação, tramitação e aprovação” da proposta.
Na decisão em que determinou a nova audiência, Dino já havia criticado a demora para que a decisão do STF, de 2022, que considerou o orçamento secreto inconstitucional seja cumprida.
“É absolutamente incompatível com a Constituição Federal, inclusive quanto à harmonia entre os poderes, que um acórdão do STF não tenha sido ainda adequadamente executado, decorridos quase dois anos da data do julgamento que ordenou o fim do orçamento secreto, em 19/12/2022,” destacou.
O ministro herdou a relatoria da ação, após a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Em agosto, uma primeira audiência de conciliação foi realizada, para discutir se as mesmas práticas do orçamento secreto continuam sendo utilizadas com outros tipos de emendas.
Após essa reunião, Dino estabeleceu que as emendas de comissão e os restos a pagar das antigas emendas de relator só podem ser pagas quando houver “total transparência e rastreabilidade” dos recursos. Além disso, estabeleceu que parlamentares só poderão enviar emendas para seus estados de origem, com exceção de projetos de âmbito nacional.
O ministro ainda impôs que, quando Organizações Não Governamentais e outras entidades de terceiro setor forem as executoras das emendas, terão que respeitar “procedimentos objetivos de contratação” e “deveres de transparência e rastreabilidade”.
Depois, em outras ações, Dino também suspendeu todas as emendas impositivas apresentadas por deputados federais e senadores ao Orçamento da União e determinou que as transferências especiais (conhecidas como emendas Pix) precisam ter transparência. Essas decisões foram posteriormente confirmadas pelos demais ministros da Corte, e não são afetadas pela decisão desta quinta.
A decisão é inédita e foi recebida pela maioria dos congressistas com sentimentos que transitam entre estupor, raiva e surpresa. Na prática, a ela terá efeito imediato e pode comprometer o andamento de processos de obras que estão em curso em todo o Brasil. “O prejuízo para o país será trilionário,” disse, reservadamente, um deputado federal a par das tratativas para desarmar o caso.
O ministro afirmou, na decisão desta quinta, que tanto a ação sobre o orçamento secreto quanto as relacionadas “serão oportunamente apresentadas ao plenário do STF”, após os documentos que faltam serem apresentados e quando houver um “novo arcabouço infraconstitucional compatível com a Constituição Federal”.
Projeto em elaboração prevê regras para repasses
Ao convocar a nova audiência, Dino apresentou 16 questões que teriam que ser respondidas pelos poderes Executivo e Legislativo, todas relacionadas ao cumprimento de sua decisão tomada em agosto.
Os representantes do Congresso, no entanto, apontaram que parte das determinações seriam atendidas pelo PLP que estaria em discussão na Casa Civil da Presidência. A proposta trataria sobre as regras para emendas de bancada e de comissão, além de mecanismos de priorização para obras inacabadas e critérios para recursos enviados para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Durante a audiência, a juíza Amanda Thomé, auxiliar do gabinete de Dino, já havia adiantado que a PLP significaria que atualmente ainda há um descumprimento da decisão. O encontro foi conduzido por Thomé e pela juíza Trícia Navarro, auxiliar da presidência do STF.
CGU e TCU enviaram informações
No âmbito da ação sobre o orçamento secreto, Dino também determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) levantasse os municípios que mais foram beneficiados com emendas, entre 2020 e 2023.
Ainda seguindo uma determinação do ministro, o Tribunal de Contas da União (TCU) elaborou uma lista de 21 processos com possíveis irregularidades nas emendas parlamentares e enviou o documento para que a PGR tomasse providências.
Em dezembro de 2022, o STF entendeu que as emendas de relator eram inconstitucionais. Na época, o Congresso elaborou uma resolução que mudou as regras de distribuição de recursos por elas para cumprir a determinação da Corte – mas o PSOL, partido autor da ação sobre o orçamento secreto, acionou o STF mais uma vez alertando que a decisão não vinha sendo cumprida.
Por Val-André Mutran – de Brasília