O ministro da Fazenda Fernando Haddad entrou em modo ‘’alerta máximo’’, mas não tem nada a ver com a encrenca em que o “muy amigo” Nicolás Maduro enfiou o Continente nesta semana. O problema do economista é interno. Na reta final da elaboração e votação das peças que compõem o Orçamento Geral da União 2024, o primeiro que o governo petista terá para chamar de “seu”, no andar da carruagem, será do Congresso Nacional, a ponto de uma reunião de emergência ter sido convocada para tratar do assunto.
Sessão na quinta-feira (7), na Comissão Mista de Orçamento (CMO), aprovou o relatório preliminar da proposta orçamentária para 2024 (PLN n° 29/2023) com um cancelamento de R$ 2 bilhões nas despesas previstas pelo governo, que estão em torno de R$ 2,2 trilhões. Como em outros anos, o corte foi linear entre os ministérios para que os recursos possam ser redistribuídos pelo Congresso.
O relator, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), também estabeleceu tetos diferenciados para os cancelamentos que poderão ser feitos pelos 16 relatores setoriais do Orçamento. Eles poderão cancelar até R$ 4 bilhões, mas os limites por área foram definidos de maneira proporcional à participação de cada pasta no Orçamento. Pelos critérios aprovados, os maiores remanejamentos ocorrerão nas áreas de Infraestrutura (Transportes) e de Cidades, este último, sob a liderança do ministro Jader Barbalho Filho.
Os relatores setoriais do Orçamento começam a publicar seus pareceres nesta sexta-feira (8), para que sejam votados na semana que vem na comissão.
Luiz Carlos Motta também destinou os R$ 800 milhões da reestimativa de receita do Orçamento de 2024 para uma reserva financeira.
Critério do cancelamento
Na prática, o relatório preliminar do Orçamento apenas define regras para as alterações na proposta. O cancelamento linear de R$ 2 bilhões, por exemplo, foi feito em programações que tinham valor superior a R$ 1 milhão. Este recurso será distribuído da seguinte forma:
– 55% para emendas coletivas de execução não obrigatória:
– 25% para bancadas estaduais e
– 20% para emendas coletivas conforme critérios dos relatores setoriais. As emendas coletivas são as de bancadas e as de comissões permanentes.
Fundo eleitoral
Na discussão do relatório, os deputados e senadores voltaram a cobrar uma solução para o corte de R$ 4 bilhões dos R$ 12,5 bilhões reservados às emendas de bancadas estaduais para compor o Fundo Eleitoral.
O relator disse que isso ainda será discutido. “A redação que propomos reconhece o impasse quanto a esse assunto e não pretende definir tal questão”.
A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) sugeriu a destinação de pouco mais de R$ 2 bilhões para o fundo, que foi o valor usado em 2020, mas a maioria dos congressistas, como apurou a reportagem do Blog do Zé Dudu, quer o dobro desse valor R$ 4 bilhões.
Incluso na maioria, a bancada do PT responde a chamada: ‘’presente’’. Para o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), é preciso preservar o fundo. “Foi um avanço muito grande porque nós temos uma transparência hoje enorme nas campanhas eleitorais. Qualquer um sabe como é distribuído o dinheiro entre os partidos e como os partidos distribuem o dinheiro entre os seus candidatos”, ponderou o petista.
As preocupações do relator
Em seu relatório, Luiz Carlos Motta destacou alguns “riscos” para a execução orçamentária em 2024:
• expectativa otimista de crescimento econômico de 2,3% em 2024;
• receitas condicionadas à aprovação de proposições legislativas no montante de R$ 168,5 bilhões;
• efeitos da desoneração da folha de pagamento (vetos à lei em discussão);
• pagamento subestimado de benefícios previdenciários; e
• eventual revisão geral da remuneração dos servidores públicos ou adoção de novas reestruturações de planos de cargos e salários em 2024.
Espinha dorsal ameaçada
O primeiro Orçamento do governo Lula terá apertos como nunca antes visto e pode fazer água nos planos do presidente em seu terceiro mandato, desidratando a espinha dorsal de sua política: o ‘’novo’’ Programa de Aceleração do Crescimento.
Em uma ofensiva para aumentar o controle sobre o Orçamento, o Congresso apresentou na quinta-feira (7) três medidas para esvaziar o poder do Palácio do Planalto na hora de definir o destino do dinheiro público em 2024.
Uma delas amplia as modalidades de emendas que o governo será obrigado a pagar, incluindo as de comissão, previstas em R$ 11 bilhões. Há ainda a criação de um calendário para a liberação desses recursos, que deverão ser reservados no primeiro semestre do ano.
Em outra frente, deputados e senadores querem retirar R$ 9,3 bilhões dos R$ 61,3 bilhões previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a prioridade das prioridades do presidente Lula, e enviar o montante para seus redutos eleitorais no ano que vem. Todas as propostas precisam ser aprovadas pelo Congresso para entrarem em vigor.
A esperança do governo é que a tropa de choque da articulação política reverta a intenção dos congressistas e repactue a proposta do texto elaborado pelo Palácio do Planalto.
Correndo contra o relógio
O prazo para a liberação das verbas foi incluído no parecer apresentado ontem pelo relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, deputado Danilo Forte (União-CE). O texto prevê que todas as emendas parlamentares devem ser empenhadas até o fim de junho de 2024. O empenho é a primeira fase da execução orçamentária, quando o dinheiro é reservado para ser gasto futuramente. Ou seja, o Executivo precisará assumir até o meio do ano que vem o compromisso de pagamento para obras ou serviços determinados pelos deputados e senadores.
O objetivo do relator, ao criar a data-limite para o empenho, é enfraquecer uma das principais armas de negociação usadas pelos articuladores políticos do Planalto. O ritmo de execução desses recursos costuma servir como moeda de troca do governo para obter apoio de parlamentares — é comum a liberação ser acelerada na véspera de votações de interesse do Executivo. O calendário contempla emendas que hoje o governo não é obrigado a desembolsar, a exemplo das verbas das comissões temáticas.
No caso desta modalidade, o valor é de R$ 6,8 bilhões em 2023 e chegará a R$ 11 bilhões caso o texto seja aprovado como está. Hoje, por não serem obrigatórias, o governo não precisa desembolsar sequer um real das emendas de comissão. Além de criar o calendário de empenho, Forte incluiu no relatório outra medida que diminuiria o raio de ação do Executivo.
Por ela, o contingenciamento dessas emendas precisa seguir as mesmas regras das travas às despesas não obrigatórias da União, mecanismo que segue normas relacionadas à arrecadação ou aumento não previsto de despesas da administração federal. Isso significa que o Executivo só poderá bloquear o pagamento de emendas de comissão a partir de critérios técnicos pré-estabelecidos.
Governo tenta articular reação
O experimentado deputado Danilo Forte, cedeu em um ponto aos apelos do governo e atrelou a efetiva liberação desses recursos à arrecadação. Com isso, embora as emendas tenham de ser empenhadas no primeiro semestre, o pagamento poderá ser postergado caso haja frustração de receita. A exceção são as emendas relacionadas à área de saúde, que devem ser pagas obrigatoriamente até o meio do ano.
‘’No primeiro momento será feito o pagamento das emendas de saúde. Em um segundo momento, as prioridades dos parlamentares, dentro de um cronograma ao longo do ano. Isso dá previsibilidade, acomoda e diminui a pressão política’’, justificou o relator.
A criação do calendário para a liberação das emendas incomodou o Palácio do Planalto e foi criticada por governistas, mas agradou a líderes de siglas do Centrão.
Nos corredores do Congresso era possível colher a impressão de várias lideranças. ‘’Acho muito importante [ter um calendário], pois é ano eleitoral e só poderiam ser pagas (as emendas) após o segundo turno, caso não sejam pagas até o primeiro semestre’’, disse o líder do PP, Dr. Luizinho.
A votação do projeto da LDO na Comissão Mista de Orçamento (CMO) está prevista para a próxima terça-feira (12), oito dias antes do recesso da primeira sessão desta legislatura.
O deputado Carlos Zaratini (PT-SP), integrante da CMO, em sintonia com o governo, afirmou se opor à definição de prazos para as emendas. ‘’Seria ruim (empenhar tudo até o meio do ano) porque não dá para prever o que vai acontecer com o orçamento no restante do ano’’, ponderou o petista.
Em outra frente, no caminho inverso do que o governo desejava, deputados e senadores propuseram retirar parte do que foi reservado pelo governo no Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC), carro-chefe da gestão de Lula na área de infraestrutura. No mês passado, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT-SP), havia feito um apelo para que os congressistas enviassem recursos de suas emendas para turbinar o orçamento do programa. Foi parcialmente atendido, — claro, pela bancada de apoio ao governo, embora com várias exceções.
Os congressistas apresentaram emendas propondo remanejamento orçamentário que diminuiriam em cerca de 15% os recursos do governo para o PAC e permitiriam que deputados e senadores indicassem novos destinos por meio de emendas de comissão. Assim, poderiam ter mais controle de onde o dinheiro público será aplicado
Para exemplificar a situação, um dos remanejamentos, retirou R$ 1,9 bilhão de obras do PAC para destinar a ações tocadas pelo Ministério das Cidades, como a pavimentação de vias em municípios pequenos que são redutos eleitorais dos próprios parlamentares.
Entre as obras que seriam beneficiadas estão a construção de trecho rodoviário da a BR-330, na Bahia, com investimento de R$ 3 milhões, e a adequação de uma rodovia entre Campo Grande e Terenos, no Mato Grosso do Sul, com R$ 205 milhões remanejados de valores do novo PAC.
Como os valores foram direcionados por meio de emenda de comissão, não é possível identificar qual parlamentar específico destinou os recursos. Essa modalidade tem funcionado com uma dinâmica similar à do antigo orçamento secreto (as famigeradas e inconstitucionais emendas RP-9): com determinado valor à disposição, os presidentes de cada colegiado encaminham um ofício à Secretaria de Relações Institucionais com a lista de beneficiários indicadas por deputados e senadores. Neste ano, dos R$ 6,8 bilhões à disposição para esse tipo de emenda, R$ 4,9 bilhões já foram empenhados. Com essa tática, na prática, o orçamento secreto foi ressuscitado.
Fundão turbinado é ponto de honra do Centrão
O relatório de Danilo Forte também passa pelo Fundo Eleitoral, de onde sai o dinheiro que banca as campanhas no país. Ele decidiu colocar um teto de R$ 4,9 bilhões para o montante a ser destinado durante a disputas municipais de 2024. A definição sobre o valor exato e a origem dos recursos, no entanto, serão tomadas mais à frente, na votação da Lei Orçamentária Anual (LOA), como explicado na introdução desta reportagem. O montante supera em mais de cinco vezes o valor previsto pelo governo ao enviar o projeto: R$ 900 milhões.
Danilo Forte chegou a defender que o abastecimento do fundo fosse feito metade com investimentos do PAC e a parte com as emendas de bancada estadual, mas desistiu diante do impasse entre os colegas da Câmara.
Veja mudanças em jogo para o Orçamento de 2024
Calendário para emendas
Como é hoje
Apesar de serem impositivas, o governo não tem prazo para assumir o compromisso de pagamento para os programas ou as obras determinadas pelos deputados e senadores.
Como fica
O relatório do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, do deputado Danilo Forte (União-CE), prevê que as emendas parlamentares impositivas, ou seja, de pagamento obrigatório pelo governo, deverão ser empenhadas (reservadas para gasto) no primeiro semestre, até junho, antes do recesso parlamentar do ano que vem.
Emendas impositivas no próximo ano
• Emendas individuais R$ 25 bilhões
• Emendas de bancadas estaduais R$ 12 bilhões
Esvaziamento do PAC
O que propuseram os parlamentares
Deputados e senadores querem retirar R$ 9,3 bilhões dos R$ 61,3 bilhões previstos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), carro-chefe da gestão Lula na área de infraestrutura.
Entre as ações que receberão o dinheiro estão:
• Adequação de trecho da BR-262 entre Campo Grande e Terenos, em Mato Grosso do Sul;
• Construção de trecho da BR-354 entre Patos de Minas e Lagoa Formosa, em Minas Gerais;
• Adequação da BR-365 entre Patos de Minas e Patrocínio, em Minas Gerais.
O que propôs o governo
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, havia feito um apelo para que parlamentares enviassem recursos de suas emendas para turbinar o programa.
Próximos passos
Votação
A votação da LDO na Comissão Mista de Orçamento está prevista para a próxima terça-feira (12). A proposta ainda precisa ser aprovada em plenário.
Sanção presidencial
Caso seja aprovada pelo Congresso, a LDO é encaminhada para apreciação do presidente da República, que pode sancioná-la ou vetá-la. Eventual veto é submetido ao Legislativo, que tem prerrogativa de derrubá-lo durante uma sessão conjunta do Congresso Nacional, quando, regimentalmente, deputados e senadores votam os vetos, separadamente.
Conheça o ciclo orçamentário federal
O eleitor brasileiro, diferentemente do votante dos países mais avançados, não tem o hábito de fiscalizar o trabalho dos políticos que vão gastar o dinheiro arrecadado pelo governo, fruto do pagamento de seus impostos. O Orçamento Geral da União tem um ciclo orçamentário federal composto basicamente de três leis, todas originárias do Poder Executivo: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). Tradicionalmente, os projetos dessas leis são os que mais recebem emendas de deputados e senadores. Veja abaixo como funciona o fluxo de aprovação da peça.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.
1 comentário em “Congresso quer retirar R$ 9 bi do orçamento do PAC; congressistas criam mecanismo para pagar emendas”
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