Contagem regressiva aberta para aprovação de projeto que pune deputado bagunceiro

Deputados sem decoro têm promovido uma batalha por likes e engajamentos nas redes sociais. Isso, porém, pode lhes sair caro!
Falta de decoro: o que antes era um caso isolado, agora virou rotina na Câmara dos Deputados

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Está aberta, desde quarta-feira (12), com a aprovação pelo Plenário da Câmara dos Deputados do projeto de Resolução (PRC n° 32/2024), que estabelece um rito abreviado e possibilidade de suspensão de até seis meses de deputado acusado de quebra de decoro parlamentar, para saber quem será o primeiro enquadrado na nova regra. O que não faltam são candidatos a “estrear” a nova regra do Regimento Interno.

Recentes episódios de trocas de ofensas e ameaças de violência física entre deputados, especialmente durante os trabalhos das comissões permanentes da Câmara, fizeram com que a Câmara dos Deputados aprovasse o PRC n° 32/2024, que permite punição mais ágil para o deputado ou deputada acusados de quebra de decoro.

O projeto autoriza a Mesa Diretora da Câmara a propor a suspensão do mandato de deputado federal por até seis meses. Essa decisão deverá ser analisada pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar em até três dias úteis, com prioridade sobre qualquer outra votação.

O projeto, apresentado pela Mesa Diretora, foi alterado depois de negociações com os diversos partidos políticos. A versão original dava à Mesa o poder de suspender o mandato, o que foi criticado por deputados do governo e da oposição.

O texto final, apresentado pelo relator, deputado Domingos Neto (PSD-CE), prevê que o deputado afastado por quebra de decoro poderá recorrer da decisão ao Plenário da Câmara. Domingos Neto defendeu a necessidade de um rito mais ágil para casos como este.

“O que cabe para suspender um parlamentar já está no Código de Ética dessa Casa desde 2001 e nós temos visto que não tem sido suficiente para manter um ambiente de urbanidade na nossa Casa. Por isso a necessidade de medidas como esta”, salientou o relator.

Durante o período em que estiver suspenso, o parlamentar não poderá votar e perderá várias prerrogativas, inclusive o direito a gabinete, assessores e o próprio salário será suspenso.

A justificativa para o tratamento mais rigoroso para parlamentares acusados de quebra de decoro foi a sucessão de conflitos registrados nas últimas semanas.

Confusões cada vez mais perigosas

A sessão do Conselho de Ética que absolveu o deputado André Janones (Avante-MG) da acusação de ficar com parte dos salários dos assessores terminou com ofensas e ameaças de agressão. No mesmo dia, na Comissão de Direitos Humanos, a deputada Luiza Erundina (Psol-SP) passou mal e foi internada depois de críticas da oposição a projeto (PL n° 1.156/2021), relatado por ela, que obriga o governo a identificar locais de tortura usados durante a ditadura.

A previsão de recurso ao Plenário da Câmara diminuiu resistências à proposta. Para o deputado Mendonça Filho (União-PE), só o Plenário pode decidir pela suspensão de mandato de deputado.

“Melhorou substancialmente. Tirou aquela visão, no meu modo de ver, autoritária, que dava poder excessivo à Mesa Diretora, remeteu para o Conselho de Ética. No entanto eu tenho uma única ressalva. No meu entender, a suspensão do mandato parlamentar não pode se dar a partir da decisão do Conselho de Ética, e sim da decisão do Plenário desta casa legislativa, com maioria absoluta.”

O projeto que permite suspensão por até seis meses do deputado ou deputada acusados de quebra de decoro parlamentar foi promulgado pela Mesa Diretora da Câmara nesta quinta-feira (13), portanto, já está em vigor.

O que está por trás do comportamento dos deputados belicosos?

Transformar debates em “ringues” virou moda nesta legislatura e tem servido aos propósitos de deputados turbinarem suas redes, uma vez que houve crescimento no engajamento dos envolvidos nas discussões recentes da Casa. A certeza da impunidade os move para todo o tipo de prática prevista no Código de Conduta Parlamentar, a maioria relacionada à quebra de decoro parlamentar.

Atualmente, os parlamentares só podem ser punidos após decisão do colegiado (Conselho de Ética e Decoro Parlamentar), que tem se mostrado ineficiente. Há representações aguardando análise há seis meses.

Até antes da aprovação da mudança regimental, as punições existentes são: censura, verbal ou escrita; suspensão de prerrogativas regimentais por até seis meses; suspensão do exercício do mandato por até seis meses; e perda de mandato. Agora a punição será rápida.

Postagens que fazem menção, em algum nível, aos bate-bocas ocorridos na Câmara entre quinta e sexta-feira passada são uma boa pista para entender a avalanche de confusões das últimas semanas. Análises dessas postagens revelam que a liderança em engajamento do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), com 1.921.695 interações, tem ligação direta ao que ocorreu na semana passada. O parlamentar bolsonarista trocou insultos com André Janones (Avante-MG) após sessão do Conselho de Ética da Câmara que arquivou a acusação contra o aliado do Palácio do Planalto por suposta prática de “rachadinha” em seu gabinete.

Ambos partiram para o confronto físico, mas foram separados por assessores, outros congressistas e integrantes da Polícia Legislativa. Toda a cena foi registrada por celulares e serviu para novas provocações nas plataformas digitais.

A publicação mais popular de Ferreira mostra um corte de uma fala do parlamentar na comissão. “Agora ouviu na cara — literalmente”, escreveu. Em sua postagem com maior engajamento no dia da confusão, Janones se refere a Ferreira como “frouxo” e questiona se sua valentia é “apenas nas redes”.

“Não tem nenhum motivo para os parlamentares deixarem de fazer isso por conta própria ou porque estão arrependidos. O que poderia levar os deputados a deixarem de ter esse tipo de atuação seria se houvesse alguma sanção mais grave que impacte de forma relevante a atuação deles como deputados. Se não, é só vantagem”, avalia André Eler, diretor técnico da Bites, uma empresa que analisa esse tipo de fenômeno nas redes sociais.

Na mesma semana, uma audiência da ministra Cida Gonçalves (Mulheres) na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados terminou em confusão entre a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) e Ferreira. Após uma discussão iniciada entre a psolista e a deputada da oposição Júlia Zanatta (PL-SC), o deputado saiu em defesa de sua colega de bancada, questionando a identidade de gênero de Hilton, que é uma das duas parlamentares transexuais do Congresso.

Erika Hilton aparece atrás de Ferreira e do deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO) no ranking que mede engajamento, com 912.478 interações, três vezes mais do que o acumulado por Janones no período (300.502). Ao contrário de outros parlamentares, a postagem mais repercutida da psolista não mostra recortes de uma briga. Na publicação, Hilton afirma que a deputada Luiza Erundina (PSOL) passou mal e foi parar na UTI “após duas horas de puro caos causado pelos bolsonaristas na Comissão dos Direitos Humanos”.

Ferreira e Hilton, em campos opostos, são os parlamentares que conseguem provocar engajamento nas redes da melhor forma. Mais do que Janones, inclusive, que vem chamando atenção por ter um comportamento inconsistente nas redes sociais”, afirma Eler.

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Na terça-feira (11), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara teve sessão tensa ao receber o ministro-chefe da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, para falar sobre um pedido de investigação feito por ele a respeito de notícias falsas divulgadas sobre as enchentes no estado.

Uma das discussões foi provocada pelo deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), que questionou Pimenta se sua esposa havia viajado com ele em um helicóptero das Forças Amadas. O ministro respondeu que sim e provocou o bolsonarista.

“Se o senhor acha que tem alguma coisa estranha nisso, inclusive tenho uma relação com ela de respeito. A minha delegação sou eu que escolho e com ela eu mantenho uma relação de respeito, sem violência, sem agressão, e para mim é um orgulho ela poder andar junto comigo”, disse o ministro Pimenta.

“Ele insinuou de alguma forma que o meu relacionamento com a minha esposa é violento. Isso, ministro, é para o senhor aprender o que é fake news, o que é falso e mentiroso. Esse tipo de moral de esgoto que Vossa Excelência traz aqui para Câmara”, afirmou. Foi o que bastou para armar mais um circo de horrores, em plena audiência pública, tudo pago com dinheiro do contribuinte.

Já o deputado Gilvan da Federal (PL-ES) citou rachadinhas e investigações criminais em sua manifestação. O parlamentar chegou a insinuar a participação de Pimenta em irregularidades. O ministro respondeu e citou o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), presente na audiência, o que provou nova discussão.

— Quem será o primeiro deputado ou deputada a inaugurar a nova punição?

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.