Brasília – O presidente da França, Emmanuel Macron, estará em visita ao Brasil na próxima semana, e uma fábrica artesanal de chocolates em Belém integra seu itinerário para a terça-feira (26). Ciceroneados pelo governador Helder Barbalho (MDB), o mandatário francês e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) verão de perto a experiência vivida diariamente pelo caboclo amazônico, produzindo no meio da floresta um dos melhores chocolates do mundo.
Lula e Macron visitarão a empresa “Filha do Combu”, localizada na minúscula Ilha do Combu, que produz chocolates desde 2006. A fábrica foi escolhida por ser considerada um exemplo de bioeconomia. A expectativa é que o presidente francês fique cerca de quatro horas na capital paraense.
De lá, Macron partirá para o estado do Rio de Janeiro, onde, segundo sua agenda, na quarta (27) terá um encontro com Lula em Itaguaí para visitar a sede do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) – fruto de um programa de cooperação militar entre Brasil e França para a fabricação de submarinos avançados. Lá, haverá uma cerimônia de entrega de submarinos do programa.
No dia seguinte (28), Macron e Lula estarão em Brasília para uma reunião no Palácio do Itamaraty. Na pauta está, entre outros temas, a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada de 10 a 21 de novembro em Belém do Pará, na porta de entrada da Amazônia brasileira.
Do mel ao cacau
Do Pará, Izete dos Santos Costa fatura R$ 800 mil com chocolates orgânicos na minúscula Ilha do Combu, às proximidades de Belém. Ela começou como Microempreendedora Individual (MEI), fabricando os produtos em casa e espera dobrar o faturamento em 2024.
Izete sempre teve o cacau presente em sua vida. Ela e sua família cultivavam o fruto e vendiam a matéria-prima na Ilha do Combu. Ela iniciou a produção caseira de chocolate e começou a vendê-lo em 2006. Passados 17 anos, fundou a Filha do Combu, que faturou cerca de R$ 800 mil em 2022, dobrando o faturamento no ano seguinte.
Mais conhecida como Dona Nena, a empreendedora de 60 anos comanda uma fábrica e duas lojas para produção e venda dos chocolates, respectivamente. Ela conta que um dos itens mais requisitados pelos clientes é o pó para preparo de brigadeiro de colher.
Uma das lojas fica na Ilha do Combu e outra em Belém, com os dois estabelecimentos separados por 15 minutos em uma viagem de barco. Quem não mora nesses locais pode comprar os produtos pela internet, mas precisa pagar frete. São cerca de 230 kg de chocolates vendidos por mês e a produção não para de crescer.
Nena afirma que pretende criar uma linha de exportação para outros estados. O serviço, no entanto, seria baseado na exclusividade e não se tornaria foco da companhia; virar uma franquia não é uma opção. “A gente não quer escalar,” declarou a empresária.
O preço dos doces varia no site oficial da Filha do Combu. Gotas de chocolate custam R$ 32. Já barras menores, R$ 10.
O maior diferencial da marca, para Dona Nena, é o uso de produtos naturais. Ela conta que não utiliza gorduras vegetais, trans ou conservantes no doce. A base principal é cacau e açúcar orgânico. Uma barra de chocolate demora cerca de 25 dias para ficar pronta.
Segundo a paraense, a margem de lucro da Filha do Combu foi de aproximadamente 40% em 2023. O objetivo para o ano é faturar ao menos R$ 1,5 milhão – quase o dobro do ano anterior.
Sua maior dificuldade é a manutenção da fábrica. Ela relata que a energia é cara e que gostaria de otimizar a produção de eletricidade por meio de paineis solares. Cerca de 30% da fonte de energia vem do Sol, mas pondera ter uma porcentagem maior. As despesas com energia se dão especialmente com refrigeração, porque o ambiente de fabricação do chocolate precisa ser frio.
Dificuldades naturais também se destacam no modelo de negócios. Como a fábrica é sediada em uma ilha, o acesso a transporte e água potável também é mais complicado.
A manutenção dos aparelhos da fábrica representa outro gasto. Nena relatou que precisa economizar ao menos R$ 500 por dia para conseguir manter os aparelhos funcionando. “Vira e mexe os equipamentos quebram. É bem complicado,” disse.
Os aparelhos usados em uma fábrica do setor servem para mistura do chocolate, temperagem (processo de adequar a temperatura do alimento), refino do material, entre outros.
Outra despesa constante é o pagamento das parcelas adquiridas pelo Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criado durante a pandemia para financiar os pequenos negócios.
De acordo com ela, todos os 14 funcionários da Filha do Combu têm vínculo de Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), atuando nas seguintes áreas:
- Colheita: 1;
- Loja: 4;
- Cozinha: 6.
Os outros três funcionários são ela e suas duas filhas, que trabalham na administração. O processo seletivo dos colaboradores dá preferência a quem é natural da Ilha do Combu.
De MEI a microempresa
Por mais que trabalhasse com chocolate desde 2006, Dona Zena só abriu seu Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) em 2014, tendo começado como MEI, vendendo os chocolates na própria casa. Naquela época, vendia cerca de 30 kg de chocolate por mês – quase oito vezes menos que em 2023.
Ela diz ter enfrentado preconceitos quando começou a investir na marca. “O maior desafio foi fazer com que as pessoas acreditassem em mim. O fato de eu ser mulher dificultou muito. Minha própria família não acreditava que eu era capaz,” relatou.
A Filha do Combu cresceu. A primeira loja, na ilha, foi criada em 2017. No mesmo ano, a companhia se tornou microempresa e permanece assim até então, em razão do enquadramento do faturamento anual.
Por mais que tenha crescido com profissionais que lidavam com cacau e chocolate, Dona Nena buscou aperfeiçoar seus conhecimentos. Foi para Canela (RS) fazer um curso de capacitação em refino do material. Ficou cerca de um ano na cidade da Serra Gaúcha, vizinha a Gramado, considerada a capital nacional do chocolate.
“Fui aperfeiçoar o que já sabia um pouco empiricamente e isso foi diversificando o nosso trabalho,” disse sobre o curso.
Após terminar o curso, virou oficialmente chocolatier (termo usado para definir os profissionais especializados na produção de chocolate). Em tom de brincadeira, disse que a parte mais difícil da capacitação foi “passar frio no Rio Grande do Sul”.
Os negócios começaram a se expandir em 2018 e 2019. “A gente teve que dar uma freada durante a pandemia. Foi difícil,” lembra, ao falar de 2020.
As lojas estavam fechadas por causa do isolamento social. A paraense disse que as vendas caíram muito e essa foi a maior dificuldade. Nesse momento, pegou os empréstimos via Pronampe.
A marca também se expandiu na internet. Foi criada uma identidade visual e perfis nas redes sociais: “Fomos desenvolvendo para ficar a nossa cara. Pessoas que moram aqui, ribeirinhos, que vivem no campo”.
Um dos objetivos da empresa para 2024 é expandir as atividades da fábrica e a produção, o que vai depender de aumentar o faturamento e a venda de 2023, que foi além do esperado, e trabalhar duro.
Dona Nena se diz grata à indústria do chocolate. É de lá que ela tira sua fonte de renda e seu sustento. “Acho que esse foi um dos maiores desafios na minha vida: mostrar para as pessoas que era possível acreditar no meu sonho e não desistir,” concluiu.
Como anda o setor
A produção de Dona Nena é apenas uma fatia de todo o chocolate fabricado no Brasil. O estado do Pará é o maior produtor do fruto no Brasil.
Foram 219 mil toneladas do doce produzido no primeiro semestre de 2023 – cerca de 10% a mais que as 119 mil toneladas do mesmo período do ano anterior. Os dados são de um estudo da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab).
A pesquisa apontou, também, sobre a indústria de chocolate no Brasil em 2022:
- Volume de vendas: 760 mil toneladas;
- Exportações: 35,8 mil toneladas (corresponde a US$ 141,3 milhões);
- Empregos diretos criados pelo setor: 23 mil;
- Consumo dos brasileiros: 3,6 kg por pessoa.
Segundo a entidade, o cacau foi a terceira maior atividade agropecuária no Pará em 2020, dado mais recente. O segmento movimentou R$ 20 bilhões no estado.
Por Val-André Mutran – de Brasília