Brasília – Nesta quinta-feira (22), da Itália, onde cumpre agenda em mais uma viagem internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma dura declaração responsabilizando o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campo Neto, após o Comitê de Política Monetária (Copom) manter a Selic — taxa básica dos juros — em 13,75%, patamar que se encontra há dez meses. Trata-se da sexta reunião de manutenção e a votação foi dos membros do comitê foi unânime.
Assim como o presidente, o mercado também foi pego de surpresa num ponto; embora a ata tenha retirado da sua comunicação a possibilidade de novas altas de juros, ao contrário do que parcela majoritária do mercado esperava, manteve tom duro e o início do processo de flexibilização em aberto. Comparado ao comunicado anterior, há moderação no discurso na decisão de ontem, mas não foi dado pistas sobre a retomada do ciclo de baixas dos juros e o comunicado foi mais duro do que o mercado esperava.
Não ficou claro a sinalização de que a taxa básica de juros deve ser revista a partir da reunião de agosto. As projeções apontavam para um corte de 0,25 ponto percentual para marcar o início do afrouxamento monetário na próxima reunião que ocorrerá em 45 dias.
O texto cita um ambiente externo ainda preocupante e antecipa o avanço da inflação local no segundo semestre por conta do carrego estatístico, não celebrando o processo desinflacionário atual. Projeções também não caminharam para baixo, como o mercado esperava, e o balanço de riscos não trouxe melhora em relação ao cenário fiscal.
Como o texto tirou a chance de novas altas na Selic, entretanto, o BC defendeu que a estratégia de manutenção da taxa por período prolongado tem se mostrado adequada para assegurar a convergência da inflação e que o momento pede cautela e parcimônia, não deixando explícitos os próximos passos nos juros.
“Guerra declarada”
Em entrevista coletiva ao fim de sua visita à Itália nesta quinta-feira (22), o presidente Lula fez duras críticas ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, acusando-o de estar “jogando contra os interesses da economia brasileira”, após o anúncio da véspera.
“Não é possível ninguém tomar dinheiro emprestado para pagar 14% ao ano, às vezes 18% ao ano”, disse Lula, indignado.
“Eu tenho brigado com os senadores, foram eles que puseram aquele cidadão lá”, apontou Lula.
“Eu acho que este cidadão está jogando contra os interesses da economia brasileira. Não existe explicação aceitável para a taxa de juros está 13,75%.”
Em Brasília, o sentimento na área econômica do governo é de incredulidade e indignação com a decisão do Copom de manter os juros em 13,75% ao ano e não abrir as portas para o início do processo de corte da Selic.
Integrantes do governo disseram que a decisão de não sinalizar o corte da taxa Selic mostrou um grau de descolamento do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, e da diretoria da instituição, com a melhoria do cenário econômico e com o esforço do governo e do Congresso para aprovar o projeto do novo arcabouço fiscal.
O Senado concluiu na quarta-feira (21) a votação no plenário, após aprovação do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Com as mudanças feitas, o projeto voltará à Câmara.
Segundo relato de uma fonte da área econômica, logo após o anúncio, alguns parlamentares e empresários em comunicação com integrantes do governo criticaram a decisão e o comunicado.
Antes da reunião do comitê do BC, no governo, havia uma cobrança para que o BC abrisse a porta para queda de juros na reunião do Copom de agosto. Caso isso não acontecesse, a expectativa era de aumento da pressão daqui para frente sobre Campos Neto com uma “guerra declarada”.
Logo após a decisão, correu a seguinte mensagem em grupos de WhatsApp: “Vocês acham que o Roberto Campos Neto está forçando o Lula a demiti-lo?”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, não pode demitir o presidente do BC. Ele tem mandato até dezembro de 2024. “Isso vai arruinar o governo”, interpretou outra fonta.
Independência
Pela lei que garantiu autonomia ao BC, a exoneração do cargo feita pelo presidente da República ocorrerá somente nos seguintes casos: a pedido; doença que incapacite o titular para o cargo; se houver condenação definitiva por ato de improbidade administrativa ou por crime cuja pena implique proibição de exercer cargos públicos; ou quando o indicado apresentar “comprovado e recorrente desempenho insuficiente”.Nesse último caso, caberá ao Conselho Monetário Nacional (CMN) submeter o pedido ao presidente da República, e a exoneração terá de passar também pelo Senado, com quórum de maioria absoluta (41 senadores) para aprovação.
Há integrantes do governo que veem como factível acionar a regra: “comprovado e recorrente desempenho insuficiente”.
Repercussão no Senado
Durante a votação do arcabouço fiscal no Senado, parlamentares reclamaram dos efeitos da taxa de juros sobre a atividade econômica. O líder do PSD no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), citou reportagem de um jornal que mostrou a redução das compras pelo varejo em razão dos juros altos. E argumentou que os indicadores econômicos melhoraram desde o início da tramitação do arcabouço, o que justificaria a baixa dos juros.“Em momento nenhum Lula ou nenhum de nós falou em retirar o presidente do BC. O que nós temos debatido é que o BC tem uma posição conservadora na manutenção dos juros”, disse Alencar.Já o líder do MDB, Eduardo Braga (MDB-AM), disse que as taxas de juros do cartão de crédito são “inexplicáveis” e lembrou que Roberto Campos Neto se comprometeu em apresentar uma solução, o que ainda não ocorreu.O senador Rogério Carvalho (PT-SE) disse ao Estadão que a pressão dos parlamentares sobre o presidente do BC vai aumentar na próxima reunião, em agosto, com convocações e questionamentos pelo Congresso. “Roberto Campos ganha tempo com o recesso parlamentar. Mas na próxima reunião a pressão vai aumentar”.
Quatro pontos para entender o comunicado do Copom
Cenário internacional
No quesito ambiente externo, o Banco Central aponta que o cenário continua adverso, por mais que tenham sido registradas revisões positivas para o crescimento do ano.“Apesar da atenuação do estresse envolvendo bancos nos EUA e na Europa, a situação segue demandando monitoramento”, diz o comunicado publicado nesta quarta-feira (21). O Copom ainda lembra que os bancos centrais das principais economias ainda buscam combater a inflação, inclusive com a retomada de ciclos de elevação de juros.Na semana passada, o Federal Reserve optou pela manutenção dos juros nos Estados Unidos na faixa 5%-5,25%. No entanto, o presidente Jerome Powell já confirmou que serão necessárias novas altas, uma vez que a inflação americana está longe da meta dos 2%.
Atividade econômica
Do ponto de vista Brasil, o Banco Central aponta que o conjunto dos indicadores mais recentes de atividade econômica segue consistente com um cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres.No primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil registrou avanço de 1,9%, refletindo o forte desempenho do setor de Agropecuária, que cresceu 21,6%. Esse desempenho não é esperado novamente, sendo que os demais setores mostram números mais contidos: Serviços (+0,06%) e Indústria (-0,01%).
Inflação
Já na parte de inflação, principal dado analisado pela autoridade monetária, mostra sinais de aceleração. “O arrefecimento recente dos índices de inflação cheia ao consumidor, antecipa-se uma elevação da inflação acumulada em doze meses ao longo do segundo semestre”, diz o comunicado.Em maio, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,23%, desacelerando-se em relação à alta de 0,61% apurada em abril. Com isso, o indicador acumula alta em 12 meses de +3,94%. Para junho, as projeções apontam, inclusive, para queda no indicador.No entanto, a expectativa é de alta ao longo do segundo semestre, além de as projeções de longo prazo estarem desancoradas. “As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência situam-se em 5,0% em 2023 e 3,4% em 2024. As projeções para a inflação de preços administrados são de 9,0% em 2023 e 4,6% em 2024”, diz o BC.
Contas públicas
A aprovação do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados foi uma boa cartada do governo, mas o desenrolar da nova regra fiscal ainda preocupa o Banco Central.Entre os fatores de risco inflacionário, o comunicado do Copom destaca “alguma incerteza residual sobre o desenho final do arcabouço fiscal a ser aprovado pelo Congresso Nacional e, de forma mais relevante para a condução da política monetária, seus impactos sobre as expectativas para as trajetórias da dívida pública e da inflação, e sobre os ativos de risco”.A proposta ainda será votada no Senado e precisara voltar para a Câmara devido a uma alteração no texto, antes de começar a valer.
Confira o comunicado na íntega
O ambiente externo se mantém adverso, ainda que com revisões positivas para o crescimento do ano. Apesar da atenuação do estresse envolvendo bancos nos EUA e na Europa, a situação segue demandando monitoramento. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas, inclusive com a retomada de ciclos de elevação de juros em algumas economias, em um ambiente em que a inflação se mostra resiliente.Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores mais recentes de atividade econômica segue consistente com um cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres. O crescimento acima do esperado no primeiro trimestre refletiu principalmente o forte desempenho do setor agropecuário. Não obstante o arrefecimento recente dos índices de inflação cheia ao consumidor, antecipa-se uma elevação da inflação acumulada em doze meses ao longo do segundo semestre. Ademais, diversas medidas de inflação subjacente seguem acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa Focus recuaram e encontram-se em torno de 5,1% e 4,0%, respectivamente.As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 5,0% em 2023 e 3,4% em 2024. As projeções para a inflação de preços administrados são de 9,0% em 2023 e 4,6% em 2024.O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; (ii) alguma incerteza residual sobre o desenho final do arcabouço fiscal a ser aprovado pelo Congresso Nacional e, de forma mais relevante para a condução da política monetária, seus impactos sobre as expectativas para as trajetórias da dívida pública e da inflação, e sobre os ativos de risco; e (iii) uma desancoragem maior, ou mais duradoura, das expectativas de inflação para prazos mais longos. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local, ainda que parte importante desse movimento já tenha sido verificado; (ii) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em particular em função de condições adversas no sistema financeiro global; e (iii) uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária.Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2024. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento e por expectativas de inflação desancoradas, segue demandando cautela e parcimônia. O Copom conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas e avalia que a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado tem se mostrado adequada para assegurar a convergência da inflação. O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária e relembra que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Sérgio Neves de Souza e Renato Dias de Brito Gomes.* No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de USD/BRL 4,85, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária “verde” em dezembro de 2023 e de 2024. O valor para o câmbio é obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.