A pandemia causada pelo novo coronavírus abriu as porteiras do dinheiro público numa velocidade alucinante, nunca antes vista, nos municípios paraenses. Desde março, quando o Governo do Estado publicou decreto com medidas de enfrentamento à Covid-19, até a última sexta-feira (12) a Covid-19 incentivou gastos que, juntos, totalizam R$ 192,5 milhões, a maior parte dos quais em dispensas de licitação, aquelas que garantem contratações diretas e emergenciais.
É o que concluiu um extenso levantamento feito pelo Blog do Zé Dudu, que filtrou todas as licitações encaminhadas pelas prefeituras ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) a pretexto de emergência em saúde pública causada pelo coronavírus (ou pela Covid-19). Entre processos publicados, republicados, realizados, desertos, fracassados, suspensos, revogados, anulados e cancelados, o Blog identificou mais de 700 licitações, que foram peneiradas para excluir eventuais duplicidades. Acontece que os governos locais ficaram tão afoitos que muitos acabaram publicando uma mesma licitação duas e até três vezes.
Ao todo, são 519 processos válidos que somam exatos R$ 192.463.098,18 em valores declarados pelas administrações municipais. É um montante superior à receita de 5.000 (90%) das 5.568 prefeituras brasileiras. O dinheiro “da Covid” regado dentro das prefeituras paraenses em 92 dias é suficiente para sustentar, por exemplo, um município com o porte de Bragança, com 130 mil habitantes.
O levantamento revela ao menos cinco novas licitações de coronavírus por dia, em média, desde 13 de março, quando a Prefeitura de Santarém iniciou a safra comprando materiais descartáveis para suprir sua Secretaria de Saúde temendo o avanço da pandemia. Mas teve aquisição de quase tudo desde então, de modo que muitos processos chegaram a ser alvo do TCM e do Ministério Público dadas as características esdrúxulas com que se apresentavam na sanha de torrar recursos públicos sem o menor pudor.
Curiosidades
As licitações válidas mais gordas foram, até o momento, publicadas por Belém, Marabá e Canaã dos Carajás. A capital abriu uma compra de R$ 10,71 milhões em equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde, enquanto o governo de Marabá programou um registro de preço de medicamentos manipulados para tratamento da Covid por R$ 9,29 milhões. Já a Prefeitura de Canaã dos Carajás até pretendia gastar R$ 8,39 milhões em kits de alimentação para distribuição a estudantes da rede municipal, mas o pregão para contratação dos kits entrou na mira do TCM e acabou paralisado.
Detalhe: essas podem ainda não ser as maiores licitações da pandemia. É que muitas prefeituras fogem da transparência e só publicam alguns processos depois de consolidados, infringindo a Lei de Acesso à Informação (LAI). Por essa razão, o número de procedimentos licitatórios é, também, muito maior que os 519 garimpados pelo Blog.
Além disso, as próprias prefeituras cadastram informações incorretas, o que atrapalha o cálculo dos montantes desembolsados. Um exemplo está na “menor” das licitações informadas. A Prefeitura de Itaituba declarou a compra de uma picape para servir de ambulância para atendimento a pacientes com suspeita de infecção por coronavírus pelo valor surreal de R$ 169,50. No entanto, o preço correto é mil vezes maior: R$ 169.500,00 — o Blog preparou uma planilha e considerou o valor declarado pelas prefeituras ao TCM. Há diversas outras inconsistências para muito além dessa.
Os procedimentos para contratação de testes e testagens para Covid-19 são os mais numerosos, com 12% de participação no volume das licitações declaradas. Depois, aparecem a aquisição de materiais de expediente (com foco em álcool em gel 70%), o fornecimento de equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde, a contratação de medicamentos (sobretudo cloroquina e azitromicina) e a compra de cestas básicas e afins.
Veja os detalhes de todas as licitações mapeadas pelo Blog na planilha a seguir.
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