CPI da Vale completa mil dias com repasse de R$ 115 milhões para Marabá

Em quase três anos de investigações, dezenas de reuniões e diálogo com a mineradora culminaram com acordo chancelado pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal

Continua depois da publicidade

Na última terça-feira (13), completaram-se mil dias de trabalhos da chamada CPI da Vale na Câmara Municipal de Marabá (CMM). A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga os passivos socioambientais do Projeto Salobo, só chega ao fim em 15 de dezembro deste ano, mas os resultados positivos que beneficiarão milhares de marabaenses já começam a aparecer. 

Tendo os vereadores Ilker Moraes (MDB) como presidente, Marcelo Alves (PT) como relator, e Beto Miranda (PSD) como membro, trata-se da CPI mais longa entre as que investigaram a Vale até então.

Nesta quarta (14), na sede do Instituto Tecnológico Vale, em Belém, os membros da comissão, o presidente da CMM, Alecio Stringari (PDT) e o presidente da Comissão de Desenvolvimento Socioeconômico de Marabá, Miguelito (PDT), se reuniram com representantes da mineradora para discutir os últimos detalhes sobre o repasse de valores compensatórios ao município. O Termo de Compromisso havia sido assinado dias antes na sede do Ministério Público Estadual (MPPA), em Marabá.

Pela Vale, participaram Eloiso Augusto de Barros Araújo, diretor de Gestão de Territórios; Ana Carolina Alves, gerente de Relações Governamentais do Corredor Norte; Saulo Lobo, de Relações Institucionais Pará; e Luana Faria, também da área de Relações Governamentais.

Dos R$ 115 milhões que serão repassados pela mineradora, os órgãos firmaram a divisão da seguinte forma:

  1. R$ 25 milhões à prefeitura de Marabá para a execução de aproximadamente 10 quilômetros de pavimentação na zona rural, cujas obras deverão ser realizadas nas avenidas principais (e adjacências, quando possível) de acesso das vilas Três Poderes, Santa Fé, Capistrano de Abreu, São Pedro e União, entre outras;
  2. R$ 60 milhões à prefeitura de Marabá para a execução de aproximadamente 24 quilômetros de pavimentação, nas vias de acesso das comunidades impactadas diretamente pelas obras de implantação da ponte rodoferroviária sobre o Rio Tocantins;
  3. R$ 17 milhões para investimento em projetos socioambientais, os quais serão apresentados à Vale e ao MPPA;
  4. R$ 300 mil para a Fundação Zoobotânica de Marabá (FZM), por meio de termo de doação ou instrumento jurídico equivalente a ser celebrado, em até 60 dias;
  5. R$ 500 mil ao Fundo de Desenvolvimento do Setor Agrícola Municipal (FDSAM), para investimento em projetos de agricultura familiar, preferencialmente vinculados ao Programa Raízes Sustentáveis, em execução e que abrange dezenas de projetos de assentamento, povos e comunidades tradicionais da região agrária de Marabá;
  6. R$ 5 milhões à CMM, para ampliação do seu prédio, com construção de Espaço de Cidadania; 
  7. R$ 200 mil ao Centro de Acolhimento de Animais de Marabá;
  8. R$ 4,5 milhões à Polícia Rodoviária Federal (PRF), para equipamentos e reforma do seu prédio em Marabá;
  9. R$ 2,5 milhões à à Universidade do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), para aquisição de equipamentos para um Laboratório de Simulação, Observação e Monitoramento de Barragens de Mineração.

O Termo de Compromisso foi assinado pelos  promotores de Justiça Josélia Leontina de Barros Lopes, Alexssandra Muniz Mardegan e Samuel Furtado Sobral, do MPPA, além de Maria Gabriela Costa Grandi, procuradora do Ministério Público do Trabalho, Igor da Silva Espíndola, procurador da República do Ministério Público Federal; o prefeito de Marabá, Sebastião Miranda Filho; e o presidente da Câmara, Alecio Stringari.

AVALIAÇÃO DOS VEREADORES

No diálogo em Belém, o presidente da CPI, Ilker Moraes, fez uma cronologia de todos os passos dos trabalhos realizados pelos membros da comissão desde o dia 17 de novembro de 2021, quando foi instalada na Câmara. “Nosso foco sempre naquilo que a Vale poderia ter feito em prol do desenvolvimento de Marabá, inclusive na expectativa que se criou lá atrás com o Projeto Salobo, que os empregos seriam para a comunidade de Marabá, o que posteriormente não aconteceu. Cerca de 90% dos empregos ficaram com Parauapebas,” rememorou.

Ele lembrou do Projeto Alpa, anunciado com estardalhaço pela Vale, mas que depois de atrair milhares de pessoas para a cidade, foi abortado pela mineradora, deixando outra dívida social imensa com Marabá. “Antes de ser presidente dessa CPI, eu olhava para a mineração com outros olhos. Hoje, tenho uma percepção diferente e sei o quanto ela é importante, não apenas em grande escala, com a Vale, mas também para os médios e pequenos mineradores. Essa riqueza precisa ser dividida,” sustentou.

Em relação ao dilema da existência de ouro no concentrado de cobre, algo que a Vale não admite, Moraes observou que há dois processos que estão sendo discutidos em foros apropriados – a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Tribunal de Contas da União (TCU). E concluiu: “Esperamos que até o final do ano a gente tenha um veredito disso, e que a tributação do ouro ocorra de uma forma diferente”.

O presidente Alecio Stringari reconhece que houve um avanço no diálogo com a Vale sobre a reparação socioambiental histórica na relação entre o município e a empresa. “Sim, houve muitas perdas desde a instalação do Projeto Salobo em Marabá. À época, a Vale procurou fazer o que era mais barato para ela, sem construir um acesso à sede do município onde a mina está. Tivemos muitas perdas de desenvolvimento ao longo da Estrada do Rio Preto. Mas o poder público também teve sua responsabilidade por não ter agido no momento certo para garantir o acesso direto para Marabá e que os empregos fossem daqui,” Stringari.

O relator da CPI, Marcelo Alves, recordou que a comissão foi sendo conduzida sem transformá-la em um palco político, contratando técnicos experientes para dar suporte e mantendo diálogo com a Vale em todas as instâncias. No entanto, para ele, foram os levantamentos de números que apontaram a necessidade de reparação de perdas que ocorreram ao longo dos últimos anos. “Mas é preciso reconhecer que Vale entendeu que Marabá merecia esse Termo de Compromisso, contemplando vários segmentos da comunidade. Acreditamos que daqui para frente o diálogo com a empresa será mais próximo para evitar que novos danos sejam causados,” sintetizou.

Beto Miranda também manifestou-se sobre o trabalho da CPI e o longo tempo que os membros da comissão passaram analisando dados, discutindo com técnicos e representantes da mineradora. Ele cobrou que a Vale se esforce para que haja, de fato, a verticalização do minério em território marabaense, o que demandará mais desenvolvimento para o município onde está instalado o Projeto Salobo. “Com isso, teremos mais empregos e a arrecadação municipal aumenta na mesma proporção,” comparou.

Apesar do Termo de Compromisso assinado entre as partes, o vereador Miguelito não se sente satisfeito, ainda: “Sou um remanescente da ocupação da ferrovia que aconteceu há 30 anos, e agora, com essa CPI, nós, em Marabá, estamos o tempo inteiro chamando a atenção da Vale somente por meio de pressão. Isso é inadmissível para mim. Porque praticamente tudo que a Vale tem no estado do Pará, atualmente, é graças ao município de Marabá, ao qual pertenciam todas as minas desta região – de Canaã dos Carajás a Parauapebas. O que quero é que um dia a gente tenha um diálogo direto com a Vale, sem precisar recorrermos a outros instrumentos, como CPI, Ministério Público, governo do estado.” 

Por outro lado, o vereador reconheceu que o diálogo permanente com a Comissão de Desenvolvimento, que ele preside, é um ponto positivo nessa relação estabelecida há cerca de quatro anos. “Marabá precisa da Vale e a Vale precisa de Marabá. E quando um necessita do outro é preciso que haja diálogo. É isso que buscamos incessantemente,” ponderou.

A gerente de Relações Governamentais do Corredor Norte, Ana Carolina Alves, elogiou os vereadores pelo diálogo e afirmou que a Vale permanecerá dialogando com o município por intermédio da Comissão de Desenvolvimento. Segundo ela, os recursos serão liberados de acordo com o cronograma apresentado no documento assinado pelas partes. Ou seja, a partir de 7 de janeiro de 2025 – com exceção dos recursos para a FZM, PRF e Centro de Acolhimento de Animais –, em função do período eleitoral e, também, das orientações do setor de compliance da Vale, que analisa as conformidades com a lei.