Considerada a maior seca das últimas sete décadas, com eventos climáticos traumatizantes, a crise ambiental que se abate sobre o Brasil vai pesar no bolso da população devido uma combinação de “tempestade perfeita” para o setor que carrega a economia nas costas: o agronegócio. Vem por aí, quebra forte da safra de muitas commodities e impacto direto na inflação.
A seca, agravada por queimadas, acendeu um sinal de alerta sobre o risco de uma nova onda de pressão inflacionária no Brasil. A escassez de água pode afetar o custo de vida dos brasileiros, com o impacto na produção de alimentos básicos, de combustíveis renováveis (como etanol), na logística dos eletroeletrônicos e no preço da energia elétrica.
O cenário agrava ainda mais o desafio do Banco Central em controlar a inflação, que já enfrenta um ambiente complexo. Com desemprego em baixa (6,8% no trimestre terminado em julho) e aumento da renda dos trabalhadores, o consumo das famílias está aquecido.
Isso torna os consumidores mais propensos a aceitarem reajustes de preços, especialmente no setor de serviços. Além disso, a recente desvalorização do real frente ao dólar aumenta os custos, pressionando principalmente os preços de produtos industrializados e importados.
A estiagem prolongada, que ultrapassa 100 dias em algumas regiões do País, 140, na capital do país, deve pressionar ainda mais os preços do açúcar, café e laranja, que já estão em alta. Também pode turbinar ainda mais a cotação do etanol, combustível derivado da cana, no período de entressafra.
Em 12 meses, até agosto, o açúcar refinado subiu 6,31% no varejo, a laranja-pera teve alta de 47,56%, o café subiu 16,64% e o etanol, 10,05%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo do IBGE. No mesmo período, a inflação geral medida pelo mesmo indicador foi de 4,24%.
Os efeitos da estiagem nos preços dos alimentos e na tarifa de energia elétrica, além da demanda aquecida e da desvalorização do real em relação ao dólar, fizeram economistas rever para cima as projeções de inflação para este ano e colocar viés de alta no IPCA de 2025. Além disso, esse cenário, na avaliação dos economistas, indica a necessidade de um novo ciclo de alta dos juros básicos da economia a partir deste mês para conter as pressões inflacionárias.
Cana-de-açucar: queimadas e estiagem
Ainda não há dados atualizados do governo sobre o estrago que a falta de chuvas e as queimadas provocaram no agronegócio, sobretudo nas culturas perenes — aquelas lavouras que demoram vários anos para ter a primeira safra, como café, laranja e cana.
Mas a Organização das Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), por exemplo, informa que 100 mil hectares plantados com cana-de-açúcar foram queimados nas últimas duas semanas até 4 de setembro, a maior parte no Estado de São Paulo, maior produtor nacional. O prejuízo calculado é de R$ 800 milhões.
José Guilherme Nogueira, CEO da Orplana, diz que a cana só vai conseguir rebrotar quando a chuva voltar. “O cenário de clima seco e de falta de chuvas pode ter reflexos na safra futura, mas é cedo para fazer previsões.”
No entanto, a consultoria Datagro estima que a safra de cana 2024/25, após os incêndios e a seca, atinja 593 milhões de toneladas, A projeção inicial era de uma produção maior, de 602 milhões de toneladas. “Recentemente tivemos produções menores do que a safra atual, mas a safra atual poderia ter sido melhor”, afirma Bruno Wanderlei de Freitas, economista e sócio da consultoria.
A seca e os incêndios já mudaram o patamar de preços do açúcar no mercado internacional. Nas últimas três semanas, o preço do produto teve valorização na faixa de 5%.
Freitas diz que não há escassez de açúcar. Nesta safra, o Brasil deve produzir 39,3 milhões de toneladas, 7,3% abaixo do ano passado. Ainda assim, será uma grande safra, porém menor do que o mercado esperava. Isso deve, na sua opinião, dar sustentação às cotações. “O preço do açúcar para o consumidor não deve cair”, prevê.
A história deve se repetir com o etanol. Freitas acredita que as cotações do combustível vão continuar firmes com tendência de alta. Neste ano, devido às queimadas, a perspectiva é de uma entressafra prolongada. As usinas, provavelmente, vão encerrar a moagem da cana em meados de outubro e retomar a atividade só em março ou abril. “A tendência é que o preço do etanol perca competitividade nesse período.”
Laranja: menor safra em 35 anos
Na laranja, os pomares, que já sentiam o peso da doença do greening, agora enfrentam também os efeitos da falta de chuvas. “Há regiões que convivem com a estiagem desde o final de março”, conta o presidente da Associação Brasileira de Citros de Mesa (ABCM), Carlos Lucatto.
Em maio, o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), uma associação privada mantida pelos citricultores e pela indústria do suco de laranja, projetava que a safra atual (2024/25) do cinturão citrícola de São Paulo e Triângulo e Sudoeste Mineiro seria de 232,38 milhões de caixas (40,8 quilos). Depois da estiagem dos últimos meses, acaba de reduzir a expectativa de produção da safra 2024/25, em 7%, para 215,78 milhões de caixas.
Se a estimativa se confirmar, será uma safra quase 30% menor do que a do ano anterior. Também é a menor safra de laranja em 35 anos, desde 1989, quando foram produzidos 214 milhões de caixas, segundo o Fundecitrus.
A escassez do produto fez o preço da laranja in natura disparar. A caixa (40,8 quilos) que custava R$ 50 na roça no ano passado, este ano chega a R$ 120. A indústria está comprando a produção da fruta que iria para mesa, o que dá sustentação ao preço no mercado interno.
No exterior, a cotação do suco de laranja concentrado e congelado também está nas alturas. Normalmente, era cerca de US$ 2 mil a tonelada e hoje está o triplo, acima de US$ 6 mil. O motivo é a falta de fruta tanto no Brasil como na Flórida (EUA), os dois grandes produtores mundiais.
Antonio Carlos Simonetti, que faz parte da quarta geração de uma família de citricultores, diz que é uma ilusão achar que os produtores estejam ganhando dinheiro porque os preços estão altos. Ele argumenta que falta laranja no mercado e a produtividade dos pomares está muito baixa. “A estiagem é mais preocupante do que o Greening”, alerta. Mesmo que a planta esteja doente, se houver umidade, ela consegue produzir alguma coisa. Mas hoje o que se vê é a falta de chuvas.
Simonetti tem mil hectares de laranja, dos quais 400 hectares no Estado de São Paulo, no município de Aguaí, e o restante em Minduri (MG). A última chuva boa que caiu nessas regiões foi em março deste ano.
De lá para cá, a estiagem tem castigado a produção. No pomar de Aguaí, o citricultor calcula que vai colher este ano 200 mil caixas, a metade do que conseguiu no ano passado. Em Minas Gerais, a quebra será menor, de 20% em relação ao ano anterior, porque as lavouras estão localizadas em áreas de maior altitude e sujeitas a temperaturas menores.
“Essa é a pior safra que já tivemos, nunca vi um cenário tão preocupante: seca, altas temperaturas e déficit hídrico”, afirma ele.
Café: seca e ano de menor produção
Na cafeicultura a seca também preocupa. A última estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), divulgada em maio, apontava uma produção em 2024 de 58,81 milhões de sacas. É um volume 6,8% maior do que a safra de 2023.
Desde então houve muitas ondas de calor e falta de chuvas. A colheita terminou em agosto. Apesar de não ter dados oficiais atualizados, Renato Garcia Ribeiro, pesquisador e analista de café do Cepea, acredita que o volume colhido foi menor do que o inicialmente previsto.
Ele reitera a sua preocupação em relação à safra que será colhida em 2025. Como o café é uma cultura bianual, com um ano de produção baixa e o seguinte de produção cheia, a safra de 2025 poderá ser duplamente prejudicada. Isto é, já será naturalmente um ano de baixa produção e ainda vai carregar os efeitos da falta de chuvas na época de florada da planta. “Essa é grande preocupação no momento.”
Em relação aos preços, a seca que afeta Brasil e Vietnã, os principais produtores mundiais, teve impacto nas cotações. Desde o terceiro trimestre do ano passado até o início deste mês, a cotação do café robusta ao produtor vendido no Estado do Espírito Santo, por exemplo, cresceu 119,7%, segundo dados do Cepea. No mesmo período, o preço do café tipo arábica subiu 85,2%. O café hoje, é o azeite de oliva de ontem, dizem os produtores, se referindo a explosão do óleo produzido a partir da árvore de oliveira, após a quebra da safra nos principais países produtores da Europa e Oriente Médio, como Grécia, Portugal, Espanha e Líbano.
Celírio Inácio, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), lembra que faz quatro anos que o mercado de café vem sendo afetado por problemas climáticos de todos os tipos: geadas, excesso de chuvas e secas.
Apesar de as queimadas não terem atingindo significativamente o parque cafeeiro nacional, essas ocorrências, combinadas com perspectiva de manutenção do clima seco nos próximos meses, geram insegurança em relação à produção. “Tudo isso faz com que o mercado internacional e nacional reajam e os preços aumentem.”
Reflexo na safra de grãos
O estrago provocado pela seca pode afetar também as lavouras anuais, como soja e milho, por exemplo. Mas, neste caso, o que se vê ainda são especulações. A próxima safra de grãos, a mais volumosa, começa a ser semeada no Centro-Sul do País a partir de meados de setembro, quando termina o período de vazio sanitário e normalmente as chuvas começam.
No entanto, segundo a meteorologista da Climatempo, Dayane Figueiredo, setembro deste ano deve ser marcado por chuvas abaixo da média e temperaturas em elevação. A previsão, segundo ela, é que comece a chover só no final de setembro. “Os cultivos, principalmente de soja, podem atrasar pela falta de chuvas”, prevê. Se esse prognóstico se confirmar, cresce o risco de queda de produtividade nos grãos da safra de verão.
O governo editou uma Medida Provisória no valor de R$ 500 milhões para combater os efeitos desastrosos da seca, incêndios florestais e queimadas, que tornaram o ar de 60% do território nacional, medido como ruim, ou muito ruim.
Os esforços públicos e privados são enormes e precisam de uma quantidade monujmental de recursos, afinal, lutar contra a Natureza, que está reagindo a destruição do meio ambiente pela atividade humana, não é tarefa fácil, e a conta está chegando.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.