Diante da insegurança constitucional criada com a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, ao endossar a decisão monocrática do ministro Flávio Dino, suspendendo a execução de todas as emendas ao Orçamento deste ano, o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, calçou a sandália dos pescadores e convidou para almoço, nesta terça-feira (20), os presidentes da Câmara, do Senado e o ministro-chefe da Casa Civil – no encontro representando o Poder Executivo –, para buscar um acordo que distensione a grave situação criada, tornando acéfalo o papel constitucional dos demais poderes da República.
É exatamente isso que está na mesa. O STF, numa canetada, ordenou que o Poder Legislativo e o Poder Executivo, se virem nos trinta e obedeçam a ordem de dar transparência à aplicação das emendas ao Orçamento.
A decisão de Flávio Dino distorce o equilíbrio que deve haver entre os Poderes e a temperança com que cada um deles deve se pautar para não provocar impasses que podem ter graves consequências para o país.
Segundo juristas, o “sequestro” do Orçamento pelo Congresso é que promove a distorção. Pode até ser, embora seja legítimo o argumento dos parlamentares de que não são meros carimbadores de programas do governo e foram eleitos para destinar recursos a seus representados.
Os limites para isso têm de ser pactuados entre Executivo e Legislativo no diálogo, na articulação política e, sobretudo, em votos nos plenários da Câmara e do Senado, e não nas canetas do STF.
A situação criada é esdrúxula e expõe a hipertrofia do Poder Judiciário. O caso das emendas parlamentares é típico. Quando a então presidente do STF, ministra Rosa Weber – já aposentada – impôs um freio ao orçamento secreto, instrumento anômalo de gestão do dinheiro público, corrigia uma ilegalidade, uma vez que um dos princípios básicos da gestão pública é a transparência. Passados dois anos, Flávio Dino voltou ao tema para apontar a falta de transparência nas emendas de comissão, artifício criado pelo Congresso para substituir o orçamento secreto, e nas tais emendas Pix, estas sim uma excrescência.
Mas pesou a mão de maneira injustificável ao estender sua decisão e sustar também as emendas individuais impositivas — isso depois de ele próprio dizer a interlocutores que não havia problemas de transparência com essa modalidade.
A decisão reforça a suspeita da “tabelinha” do governo com o STF contra o Congresso, passando por cima de quatro emendas à Constituição que tornaram as emendas parlamentares mais e mais impositivas – blindadas à torneira do Executivo, que as usava como moeda de troca para obter maioria a cada votação.
O almoço de “conciliação” entre os Três Poderes é uma aposta que o Congresso tome a iniciativa de apresentar propostas que deem transparência às emendas parlamentares – e que se adequem ao que determina a Constituição.
No Supremo, a avaliação é de que não cabe à Corte preparar qualquer tipo de proposta inicial, mas ouvir as iniciativas e alternativas que podem ser apresentadas pelo Legislativo.
Entre magistrados, há o entendimento de que esse é o início de um processo de conversa, e que as regras para o orçamento são uma questão de Estado. A condução das conversas por parte do Supremo caberá ao presidente, ministro Luís Roberto Barroso.
Interlocutores do STF garantem que o tribunal está aberto a fazer o possível para, na base de um diálogo propositivo, encontrar a melhor solução. Para os ministros, porém, não é possível que haja “flexibilização” com o que determina a Constituição.
O almoço entre os três Poderes foi marcado por Barroso na última quinta-feira e será realizado na presidência do Supremo. Todos os ministros da Corte foram convidados, além dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Irão representar o governo federal o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias.
Na sexta-feira da semana passada, o STF referendou, por unanimidade, liminar do ministro Flávio Dino que suspendeu as emendas impositivas, até que o Congresso aprove novas regras.
Em um gesto aos parlamentares, Dino deixou claro em seu voto que é preciso abrir uma nova rodada de conversas e apontou que, depois das novas negociações, o entendimento sobre o assunto pode ser “reavaliado”. Segundo ele, o objetivo desse debate, que envolverá representantes do Judiciário, Legislativo e Executivo, é a “busca de solução constitucional e de consenso”.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.