De quem é a culpa?

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Alexis de Tocqueville, pensador político, historiador e escritor francês, disse certa vez que “ a revolta vem não quando tudo vai mal, mas quando um período de progresso, durante o qual as expectativas crescem muito, é bruscamente interrompido”.

Dependendo do meio de comunicação que se lê, vê ou escuta, podemos tecer várias opiniões sobre a política brasileira. Infelizmente o incauto eleitor brasileiro ainda decide seu voto em virtude da melhor propaganda ou da melhor campanha, quase sempre bem mais cara do que a daqueles que realmente têm a política como um modo de ajudar os mais necessitados em detrimento ao enriquecimento ilícito ou orgulho pessoal.

downloadCerta vez um político local me disse que o importante não era o dinheiro que se consegue envolvendo-se na política, mas o poder que a política oferece a quem está no governo,

Entra ano e sai ano e o que se vê nas campanhas políticas é que fulano, que atualmente está no poder não fez praticamente nada e que beltrano, que pretende tomar o lugar de fulano fará diferente e, portanto, merece o voto. Agem com vitupério em relação ao adversário político nas campanhas e pouco trazem de positivo para o debate de ideias.

Em minha opinião, fulano e beltrano geralmente sabem quais são as necessidades da população. Salvo raríssimos enganos, o político brasileiro sabe quais são os problemas, sabe como e quer solucioná-los. Então porque não o faz?

As respostas são simples e as darei por partes.

Educação
O problema educacional brasileiro poderia ser resolvido com duas ações. Um aumento no aporte financeiro destinado a educação, com uma fiscalização severa dos gastos e pagando aos professores salários dignos de quem pode contribuir com a formação dos futuros políticos, engenheiros, médicos…

Porque isso não é feito? Não interessa aos atuais políticos um eleitor bem educado, sábio e questionador. É mais interessante que este eleitor dependa de bolsa isso, bolsa aquilo, que não se qualifique e continue vivendo à margem da miséria, totalmente dependente do estado.

Saúde
A saúde brasileira vai de mal a pior em virtude dos maus investimentos que recebe. Construir hospitais, equipá-los com remédios e bons médicos não parece uma atitude muito difícil para um país que tem o SUS como referência em saúde. Precisamos investir em automação do SUS e em políticas públicas de saúde nos bairros, nos médicos de família e tratar com respeito o cidadão que paga impostos e que hoje dependem quase que totalmente dos planos de saúde empresariais que superlotam as clínicas e hospitais particulares e é tratado como um boi que vai pro abate. O investimento em prevenção de doenças no Brasil é ínfimo. Vivemos de campanhas de vacinação de doenças que há tempo estão extintas e não buscamos erradicar o problema na fonte. Em vez de formar médicos, buscamos médicos estrangeiros para cuidar do povo. A questão aqui volta para a anterior (educação), se formássemos médicos, enfermeiros, cientistas certamente teríamos uma saúde melhor e gastaríamos menos para obtê-la.

Segurança
Sair de casa cedo pra trabalhar, visitar um amigo ou ir ao supermercado fazer compras vem se tornando um ato de coragem pra o brasileiro. Falta-nos segurança pública básica. As polícias, quase sempre desequipada, despreparada e corrupta trata a população como se todos bandidos fossem. Não temos prevenção, não temos justiças e não temos presídios adequados. Vez ou outra vimos ações policiais das quais nos orgulhamos, mas, na maioria das vezes, somos testemunhas de corrupção, mal uso do dinheiro público e do descaso das autoridades em relação a nossa segurança. Como resolver o problema se falta-nos a serenidade para aguardar a vez em uma fila, para parar em uma faixa de pedestre? Falta-nos civilidade para viver em harmonia e respeitar o próximo. Não digo agir como pediu Jesus, amando-o, mas apenas respeitando-o.

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Os culpados pela falta de educação, saúde e segurança no Brasil somos nós, os brasileiros. Somos culpados quando deixamos que as escolas eduquem nossos filhos, somos culpados quando não procuramos médicos preventivamente ao invés de só quando realmente estamos precisando, somos culpados quando tentamos corromper um policial para que este não nos multe em virtude de uma lâmpada queimada ou pelo atraso na documentação.

Jogamos a culpa para o estado e afirmamos “pagamos nossos impostos e merecemos ser bem tratados”, quando a grande maioria  sonega quando é possível sonegar.  A Lei de Gerson, aquele que prefere levar vantagem em tudo, é por nós aplicada a todo o momento. Reclamamos da falta de água, mas a usamos para lavar o carro nos fins de semana. Reclamamos do esgoto a céu aberto mas entupimos com nosso lixo as tubulações. Reclamamos da falta de políticas públicas para a saúde, educação, segurança… mas voltamos a votar nos mesmos políticos eleição após eleição.

Lembrando  Alexis de Tocqueville, do início deste artigo, eu vos pergunto: temos mesmo o direito de nos revoltarmos? Até quando continuaremos a ser massa de manobra de políticos profissionais? Até quando faremos as cobranças erradas para o político errado?

3 comentários em “De quem é a culpa?

  1. Maria Edna Dores de Moraes Responder

    comentário interessante só esqueceu de mencionar que corrupção não é algo exclusivo da polícia. Ela está instalada em praticamente todos os setores da sociedade inclusive na imprensa.

  2. Sena Responder

    Zé Dudu, o questionamento é extraordinário para reflexão.
    Normalmente, por ser nossa a “culpa” colocamo-la em quem queremos, assim, assistimos gerações após gerações construindo uma cultura da (des)culpa. Como ninguém está comprometido com nada, tudo o que acontece de ruim encontramos uma desculpa que queremos, geralmente, convincente.
    Padre Antônio Vieira, sob o patrocínio do servilismo e da escravidão a nós imposta pelos colonizadores, disse que os brasileiros – os do início do período colonial (?!) – “recebem tudo o que lhes ensinam, com grande docilidade e facilidade, sem argumentar, sem replicar, sem duvidar, sem resistir…”. Mas chamou atenção para uma coisa, se não houver compromisso não há ensino, não há aprendizagem.
    Porém, o brasileiro apreendeu dos colonizadores de além mar o caráter que cultivamos berço, quem sabe, do “jeitinho brasileiro”, do “rouba mas faz”, do “levar vantagem em tudo”, evoluindo, talvez, para o “pequenas igrejas, grandes negócios” (o que dizer da nossa religiosidade – que não seja o que disse Marx: o ópio do povo) e tantas outras estratégias, nas quais misturamos a esperteza colonizadora com a exploração capitalista, ainda, selvagem.
    Essa “culpa” ninguém tira de nós… Um povo dócil que aceita as verdades sem duvidar e sem argumentar, “deitado eternamente em berço esplêndido”.
    Que tal começarmos a refletir sobre o que disse Sartre, outro filósofo francês: “não importa o que fizeram de nós, importa o que vamos fazer do que fizeram de nós…”, nem que seja indo às ruas para fazer valer uma nova índole, de povo ordeiro, não, nunca, cordeiro…

  3. Evaldo de Sousa Lima Responder

    O mais triste disso tudo é saber que já se tornou uma cultura nossa. Como posso eu cobrar algo de útil para minha rua, se meu vínculo com os “patrões” foi quebrado quando vendi a ele meu voto? A falta de gentileza nos inibe quando temos que fazê-la pela primeira vez. Achamos que isso seja cafonice. Temos vergonha sermos educados.

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