O ano era 2015. Meia década atrás, quando o projeto da mineradora multinacional Vale localizado na Serra Leste de Carajás começou a pagar royalties à Prefeitura de Curionópolis pela extração de minério de ferro na mina de SL1, a administração local fechou o ano com arrecadação de R$ 50,03 milhões, sendo que R$ 1,75 milhão foi contribuição da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem).
Até então, o impacto dos royalties sobre a arrecadação era baixo: 3,5%. Curionópolis sobrevivia de rendas transferidas de outros entes, como o Governo do Estado e a União, mas sua economia começava a deslanchar para o melhor período de sua história. O município que vinha sendo maltratado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que jogava a população para baixo, por meio das estimativas anuais, passou a atrair migrantes, em sua maioria trabalhadores que foram lotados na Serra Leste.
Com o avanço da produção física, a capacidade nominal da mina, de 6 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, precisaria ser ampliada para 10 milhões de toneladas ou, do contrário, SL1 pararia. Mas a expansão seria atropelada por várias cavernas de interesse ecológico, pouco conhecidas da ciência, embora a Vale já fosse sabedora delas desde a década passada.
Em agosto de 2006, a mineradora apresentou o projeto Serra Leste com desenvolvimento em duas etapas. A etapa 1 visava à exploração de 29 milhões de toneladas de hematita dura e a etapa 2 pretendia explorar 29 milhões de toneladas do mesmo material, mas cuja lavra estaria condicionada a estudos biológicos e espeleológicos associados às cavidades naturais nas áreas de influência do empreendimento. Naquela época, teriam sido identificadas 96 cavernas, as quais são protegidas por legislação especial.
Em 2009, um parecer técnico do Ministério Público estadual revelou que no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Serra Leste não havia levantamento que descrevesse com conhecimento científico o potencial das cavidades e que a opção da Vale em dividir o projeto em etapas seria para dar tempo de estudar as cavernas, o que foi considerado pelo órgão, à época, “vazio de lógica”.
Acabou o dinheiro, acabou o amor
O impasse entre a Vale, o município de Curionópolis e as cavernas seguiu paralelo à exploração da jazida de minério de ferro, até o “amor” acabar no final do ano passado. Em 2019, a receita da prefeitura local com royalties chegou a R$ 22,89 milhões — e só não atingiu R$ 25 milhões por causa da paralisação da mina de SL1, em outubro, que apequenou a compensação do município em dezembro.
Ao longo do ano passado, quando a receita corrente do governo de Adonei Aguiar ultrapassou pela primeira vez a centena de milhão e cravou R$ 106,1 milhões, os royalties já representavam 21,6%, seis vezes mais que no início de tudo. Se o cálculo for feito em cima da receita líquida de R$ 93,5 milhões, que foi a arrecadação enxuta que o prefeito teve para trabalhar, o impacto dos royalties sobe a 24,5%.
A bem da verdade, não é apenas a Vale quem paga compensação por atividade mineral à Prefeitura de Curionópolis. A mineradora multinacional Avanco, que lavra cobre no projeto Antas, também contribui. Mas a diferença é abissal entre ambas, quanto à contribuição de cada uma. O que a Vale vinha pagando por mês aos cofres administrados por Adonei é o que a Avanco demora atualmente um ano para conseguir fazê-lo.
No auge da bonança, em junho do ano passado, a Agência Nacional de Mineração (ANM) chegou a repassar à prefeitura R$ 6,7 milhões em royalties, grande parte dos quais por valores reconhecidamente devidos pela Vale e acordados para evitar batalha judicial. Mas todo auge tem desfecho, e o de Curionópolis está sendo trágico.
Muito minério, mas pouco royalty
Ainda há muito recurso a ser explorado. No complexo de Serra Leste, a Vale acredita haver 258,1 milhões de toneladas de minério de ferro, que, saindo a um ritmo de 10 milhões de toneladas por ano, tem fôlego para até 26 anos. O que não há, entretanto, é data para que a exploração se reinicie.
Enquanto isso, a Prefeitura de Curionópolis vai ter de se contentar este mês com R$ 3.571,40. É o menor valor já recebido pela administração municipal e demonstra o fundo do poço a que se chegou. Acostumado com algo entre R$ 1,5 milhão e R$ 3 milhões mensais, agora o que vai receber de “salário” não dá para pagar sequer um funcionário da Vale lotado no município, que ganha, com todas as bonificações, em torno de R$ 4.567,43, segundo dados o Ministério da Economia.
E tem mais: o valor desse minirroyalty de março é oriundo de resquícios de minério de ferro da Vale. A Avanco não apresentou lavra com incidência de royalty este mês. Isso implica dizer que o que está ruim em Curionópolis tende a piorar, já que não é todo mês que a empresa de cobre efetua lavra com fato gerador de compensação financeira. Então, não é impossível que daqui para frente, a qualquer momento, o município seja contemplado com “zero” royalty. A fonte está secando.
Para piorar, o município não tem outro discurso financeiro que não seja o da atividade mineral. Nos últimos cinco anos, Curionópolis embolsou quase R$ 53,5 milhões em Cfem, mas também ganhou muito no embalo da extração mineral com Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto Sobre Serviços (ISS). O ICMS é, inclusive, o principal ganha-pão das contas públicas locais, sendo turbinado pelas operações da Vale. Ele só ainda não sentiu os efeitos deletérios da paralisação da mina de Serra Leste porque as cotas são calculadas a partir de uma base de dois anos anteriores ao do ano da distribuição. Isso implica dizer que, a continuar paralisado em 2020, Serra Leste levará à diminuição fatal do ICMS de Curionópolis em 2022. É um prognóstico muito ruim e, se confirmado, toda a população perde.
Finanças frágeis, viciadas e acuadas
Heroína ou vilã, é certo que hoje, sem a força das operações da Vale, Curionópolis está no fundo do poço. Os ganhos decorrentes de Serra Leste com ICMS, Cfem e ISS causaram um ciclo vicioso e de dependência no município que proporcionaram a elevação exacerbada com despesa com pessoal, que chegou a incríveis R$ 43,23 milhões no ano passado. No primeiro quadrimestre da gestão atual, o pagamento do funcionalismo totalizou R$ 20,69 milhões e de lá para cá mais que dobrou. Mesmo não alcançando a linha de corte da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a folha estava visivelmente inchada, uma vez que a receita local caminhava extremamente dependente dos negócios da Vale em nível local
Com Serra Leste paralisado, a Prefeitura de Curionópolis perderá este ano cerca de R$ 20 milhões apenas com royalties. Daí, a receita corrente poderá afundar — quando o normal e ideal seria crescer. Sem margem financeira para segurar uma folha que não parava de crescer entre 2017 e 2019, a saída é demitir servidores temporários. A folha de pagamento de 2019 era praticamente a receita líquida de 2015, um verdadeiro absurdo e um delírio de confiança em algo tão perene, quanto royalties de mineração.
Resta saber se, em meio a tantas lições didáticas amostradas pela situação atual de Curionópolis, municípios como Parauapebas e Canaã dos Carajás, que estão entre os mais dependentes de receitas advindas da mineração no Brasil, vão aprender o beabá e tratar, urgentemente, de investir em alternativas econômica que promovam o desenvolvimento social, gerem autonomia financeira e bem-estar para a sobrevivência das próximas gerações.
1 comentário em “De R$ 6 milhões a R$ 3 mil: como Curionópolis ficou estragado por queda no “salário””
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