Brasília – Na primeira audiência pública da pública na Comissão Especial do Projeto de Emenda Constitucional (PEC nº 7/2020), que trata de uma nova proposta de reforma tributária, nesta quarta-feira (22), economistas convidados para o debate divergiram sobre alguns pontos da proposta em tramitação na Câmara dos Deputados que prevê ampla autonomia para União, estados e municípios cobrarem, ao mesmo tempo, impostos sobre renda, consumo e patrimônio.
É justamente no modelo proposto de imposto sobre o consumo que a divergência de opiniões teve maior destaque.
A PEC foi inspirada no modelo norte-americano e é de autoria do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), que tem no currículo passagem por grande grupos financeiros e viveu durante alguns anos na América do Norte.
O projeto redesenha a forma como os tributos são cobrados atualmente no país. Estados e municípios ficam autorizado a criar impostos sobre renda e patrimônio na forma de um adicional do imposto federal, delegando a cobrança ao fisco federal.
Já o imposto sobre o consumo, para evitar o “efeito cascata”, seria cobrado apenas na etapa de venda ao consumidor final da mercadoria.
Ao analisar o modelo o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcos Cintra, primeiro secretário da Receita Federal do governo Bolsonaro, a PEC cria uma federação perfeita, com absoluta descentralização de tributos e plena autonomia para os entes federados.
Cintra elogiou a proposta principalmente por não prever impostos ao longo da cadeia produtiva, como Imposto sobre Valor Agregado.
“Esse projeto desonera por completo a produção, ou seja, as empresas produtoras não serão tributadas nem na compra nem na venda de insumos. Os bens de consumo serão tributados na ponta”, explicou Cintra.
“O IVA é um imposto que está perdendo eficácia no mundo digital, está ficando cada vez mais oneroso, cada vez mais burocratizado afim de que sua implantação atenda às características de absoluta neutralidade e não cumulatividade” , acrescentou.
Autonomia inviável
Cintra, no entanto, entende que o excesso de autonomia aos entes federados pode inviabilizar a manutenção da estrutura de diversos municípios, principalmente os pequenos. “Cada nível de governo vai ter que viver segundo suas próprias condições, suas receitas, suas bases tributárias e não haverá transferência de recursos orçamentários. Setenta por cento [dos municípios] não terão condições de sobreviver com recursos próprios”, advertiu.
Segundo a PEC, estados e municípios ficam autorizados a criar impostos sobre renda e patrimônio na forma de um adicional do imposto federal, delegando a cobrança ao fisco federal. Já o imposto sobre o consumo, para evitar o “efeito cascata”, seria cobrado apenas na etapa de venda ao consumidor final da mercadoria, o chamado Sales Tax, usado nos EUA.
Hoje, a União tributa majoritariamente a renda das pessoas físicas e jurídicas. Os estados tributam a circulação de mercadorias e os municípios, os serviços.
Mentor de outra proposta de reforma tributária, a PEC nº45/2019, que está pronta para pauta do Plenário da Câmara, Bernad Appy também destacou que a descentralização plena pode sufocar pequenos municípios.
“Um pequeno município do Maranhão não tem a menor possibilidade de se financiar tributando apenas renda, consumo, que é limitado porque a população é pobre, e patrimônio, que tem pouco valor. Esse é o tipo de município que vive hoje basicamente com recursos do FPM [Fundo de Participação dos Municípios]”, observou Appy, que, entre 2003 e 2008, comandou a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula. “Na forma como está, é inviável politicamente o avanço dessa proposta [PEC 7/20]”, avaliou.
Custo de produção
Em relação aos benefícios de um imposto sobre a venda no varejo, ou IVV, como previsto na PEC 7/2020, em comparação com o IVA, previsto na PEC 45/2019, Appy discordou de Cintra. Na avaliação dele, o IVA não enfrenta dificuldades para se ajustar à economia digital e também não onera a cadeira produtiva.
“O IVA não onera a produção porque em cada venda no meio da cadeia produtiva o débito do vendedor corresponde ao crédito do comprador e, efetivamente, não existe tributação de fato nessa operação. Tributação só existe de fato na venda para o consumidor final, ainda que o imposto seja recolhido ao longo da cadeia”, defendeu.
Sonegação
Appy, por fim, criticou a PEC 7/2020 na parte que retira a tributação sobre o consumo entre pessoas jurídicas. “Ao desonerar a produção de empresas, muitas pessoas que são sócios de empresas vão jogar seu consumo pessoal para dentro da empresa para não pagar imposto”, observou.
Relatora da proposta na comissão especial, a deputada Bia Kicis (PL-DF) afirmou que alguns pontos da PEC são inegociáveis, como a desoneração da cadeira produtiva e a simplificação tributária.
“Eu escutei com muita atenção as exposições e acho que todas podem contribuir. Algumas realmente se afastam muito da proposta [PEC 7/2020], como a que é baseada no IVA, que vai de encontro a essa PEC”, disse.
Além da PEC 7/2020, outras duas propostas de reforma tributária ainda tramitam no Congresso Nacional: a PEC 45/2019, que está pronta para pauta do Plenário da Câmara, e a PEC 110/2019, que está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
O debate foi proposto pelos deputados Mauro Benevides Filho (PDT-CE), Alexis Fonteyne (Novo-SP), Kim Kataguiri (União-SP) e Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente do colegiado.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.