Brasília – Alegando surpresa e indignação, ainda avaliando as nefastas consequências para o desenvolvimento do Pará após a autorização na última quinta-feira (31) do Tribunal de Contas da União (TCU) que avalizou a antecipação da concessão da Estrada de Ferro Carajás (EFC) – com vencimento apenas em 2027 –, os senadores Zequinha Marinho (PSC) e Jader Barbalho (MDB) falam com exclusividade ao Blog do Zé Dudu sobre a polêmica decisão. O senador Paulo Rocha (PT), por meio de sua assessoria, disse que vai mandar uma nota sobre a decisão.
Os três senadores do Pará estudam meios legais e legislativos para não “deixar barato” a decisão, atribuindo uma manobra do ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas, que teria se rendido aos interesses da mineradora Vale S/A em detrimento dos direitos primordiais do Pará, onde a companhia explora minérios dos mais variados tipos e teores de pureza, considerados os de melhor qualidade do mercado.
Sob o porto de vista legislativo, estuda-se protocolar um Projeto de Decreto Legislativo que tenha o poder de impugnar a decisão. Nenhuma compensação real foi oferecida pelo governo federal, em clara descriminação ao Pará, assim como, o envio insuficiente de recursos para o combate à pandemia do novo coronavírus”, disse Jader Barbalho.
Por sua vez, o senador Zequinha Marinho manifestou, durante sessão do Senado Federal, seu repúdio ao ato do TCU. “A medida retira recursos que seriam do Pará e os direciona para a construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO). O senador Zequinha defende que se houver a antecipação da outorga, os recursos devem ser aplicados no desenvolvimento do Pará, na construção da Ferrovia Pará”, por exemplo, projeto que já tem, inclusive, autorização ambiental para a obra.
Almoxarifado do Brasil
Em longa explanação, o senador Jader Barbalho disse que o Pará foi mais uma vez tripudiado por decisões do governo federal que deixaram o Estado de fora da compensação financeira prevista na renovação do contrato de concessão da Estrada de Ferro Carajás. O novo contrato prevê investimento de R$ 9,8 bilhões na EFC. Mas não há nenhuma previsão para o projeto aprovado em julho de 2018 pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República, que prevê a construção do tramo Norte, trecho da ferrovia Norte Sul que liga Açailândia a Barcarena (Porto de Vila do Conde). Ao contrário, os novos contratos assinados pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, beneficiam o vizinho Estado do Mato Grosso, que foi contemplado com uma ferrovia que não tem nem estudo definido.
Não é a primeira vez que o Pará é deixado de lado nas grandes decisões nacionais. Em 2015, em pronunciamento histórico no Plenário do Senado o decano paraense, Jader Barbalho (MDB) revelou toda sua indignação ao retornar de à tribuna, após ficar afastado para tratamento de saúde e perceber que nenhum dos compromissos assumidos pela mineradora Vale haviam sido cumpridos no Estado. “Durante dois anos tenho insistido para obter informações sobre a implantação da Alpa (Alumínios Pará), no sul do Pará, e sobre as obras necessárias para viabilizar a navegação no rio Tocantins, como o derrocamento do Pedral do Lourenço, questões fundamentais para o desenvolvimento do nosso Estado que nunca, nunca são resolvidas”, discursou na época o senador.
Naquele ano Jader usou a mesma expressão que voltou a usar na última quarta-feira (29), ao tomar conhecimento de que o TCU havia decidido dar aval à renovação antecipada dos contratos de concessão de uso para a Vale S/A nas estradas de ferro de Carajás, no Pará, e na Vitória a Minas (EFVM), sem eu nenhum benefício chegue ao Pará ou à Minas Gerais, os dois estados maiores mineradores do Brasil.
“O Pará é um dos estados mais ricos da Federação brasileira, mas, em contrapartida, lamentavelmente, ao longo do tempo, tem servido apenas de almoxarifado para o Brasil”, disse o senador paraense.
“Temos lutado muito. O Pará é a maior província mineral do Brasil, um Estado estrategicamente situado com o porto mais próximo dos grandes mercados consumidores, sejam da Europa, dos Estados Unidos ou da Ásia. E agora, temos a surpresa de saber que não teremos mais a ligação da Ferrovia Norte Sul até o porto de Vila do Conde, ou seja, vamos continuar vendo o minério de ferro passar sobre nossas cabeças sem que o Pará tenha nenhum benefício”, protestou indignado.
Sem resposta
Foram vários pedidos de providências adotados por Jader Barbalho antes da decisão do TCU, entanto o que houve da parte do governo federal foi um obsequioso silêncio. Na última sexta, 31, por exemplo, o senador voltou a externar sua indignação ao encaminhar um requerimento de informações ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, pedindo explicações sore os critérios usados para excluir o processo de construção do trecho Açailândia/Barcarena, que já havia sido aprovado pelo Programa de Parceria de Investimentos da Presidência da República em 2018, e cujo projeto de viabilidade já estava em estágio avançado.
“Venho externar minha profunda indignação com relação à renovação antecipada dos contratos de concessão da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e da Estrada de Ferro Carajás (EFC), ambas administradas pela Vale S/A. Me pergunto Senhor Ministro, e o Pará? Qual é a recompensa que meu Estado recebe pela renovação do contrato de concessão da ferrovia da Vale que atravessa o território paraense? Tratemo-nos com a necessária franqueza. É clara a usurpação de direitos históricos da população paraense”, escreveu indignado o senador da República.
“Tenho lutado há anos junto à União para inserir o trecho que liga o município de Açailândia ao Porto de Vila do Conde, em Barcarena, no Pará, no tramo norte da Ferrovia Norte-Sul como forma de compensação pelo uso do território paraense apenas como mero almoxarifado do Brasil”, escreveu.
“Depois de 12 anos, desde que foi assegurado pela Lei nº 1.297, de 09 de maio de 2006, da Presidência da República, que incorporou o trecho mais ao norte ao projeto do traçado inicialmente projetado para a Ferrovia Norte Sul, foi a primeira vez que ficou determinada a elaboração do projeto de engenharia do trecho Açailândia/Barcarena, com vistas à inclusão no programa de concessão de ferrovias do governo de federal. O Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) desse trecho, contratado pela VALEC, foi finalizado em maio de 2012”, ressaltou o senador no ofício encaminhado junto ao requerimento de informações.
Esbulho
Noutro documento, Barbalho diz: “Senhor Ministro, o Estado do Pará vem sofrendo esbulho há anos por parte da Mineradora Vale, que retira as riquezas minerais de nosso solo, através de suas nove minas, com enormes impactos ambientais para o Estado sem as devidas compensações em investimentos de infraestrutura local, como é o caso em tela. É uma lástima que o atual governo tenha decidido ‘negociar’ um projeto oficial, pronto, aprovado pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), aprovado por Lei Federal, com todos os estudos de viabilidade já elaborados e sob a responsabilidade da empresa VALEC, que é o trecho da ferrovia Norte Sul que liga Açailândia a Barcarena, por uma tal ferrovia imaginária (Fico), sem nenhum planejamento estratégico, sem nenhum projeto aprovado”, protestou de forma veemente o senador Jader Barbalho.
Como se não bastasse o fato de não investir na infraestrutura que poderia beneficiar o desenvolvimento do Pará, ampliando o sistema modal a partir do porto de Vila do Conde em Barcarena, a Vale S/A anunciou que vai investir nela mesma nos próximos meses. O projeto, denominado “Programa 240 Mtpa” (referência a 240 milhões de toneladas por ano de capacidade prevista), tem por objeto “a realização de melhoria e crescimento da capacidade integrada do Sistema Norte, trazendo assim, maior eficiência na movimentação de carga e, consequentemente, um ganho de capacidade de aproximadamente 10 Mtpa, totalizando ao final dos investimentos, uma capacidade de 240 Mtpa no Sistema Norte”. Esses são sistemas da própria Vale, já instalados, ou seja, vai explorar mais minério em Canaã dos Carajás e Parauapebas para transportar pela EFC direto para Itaqui, no Maranhão.
No projeto, está incluída a implantação do Pátio 1, que consiste na construção de um pátio de cruzamento ferroviário, com extensão total de 4,01 km de ferrovia para seu uso próprio. E melhorias no Ramal Ferroviário Sudeste do Pará (RFSP), interligação da Estrada de Ferro Carajás (EFC) com a Mina S11D.
“O programa inclui ainda a expansão da Pera Ferroviária, com a construção de aproximadamente 9 km de linhas férreas na Pera do RFSP, sendo 6,5 km de duas linhas novas pelo pátio de recepção, 1,8 km do complemento da linha 3 pelo pátio de formação e 0,7 km do prolongamento do desvio de carga geral” tudo isso acordado com o Ministério de Infraestrutura, comandado pelo ministro Tarcísio Gomes de Freitas.
Vale Vai Investir Us$590mi No Maranhão
A Vale S/A também aproveitou para anunciar que, a partir de 2024, vai investir no corredor logístico que, no Maranhão, “totalizam aproximadamente US$ 590 milhões, entre adequações na ferrovia e no porto de Itaqui”. “Na ferrovia, são previstos investimentos de US$ 132 milhões em melhorias de oficinas de vagões e locomotivas, além da aquisição de material rodante. No porto, são previstos investimentos de US$ 454 milhões destinados à expansão dos pátios de estocagem e aquisição de silo de embarque e recuperadora adicional”.
“Outro investimento da Vale será concretizado a partir da renovação antecipada da concessão da Estrada de Ferro Carajás, com plano de investimentos voltado ao desempenho operacional da ferrovia, como locomotivas, vagões, trilhos, dormentes e ainda para sua transposição segura, como viadutos e passarelas”, anunciou a mineradora, após conseguir a renovação da concessão, comemorada nas redes sociais pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e pela bancada do Estado do Mato Grosso, que “ganhou” a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), que vai ligar os municípios de Mara Rosa (GO) e Água Boa (MT). A nova ferrovia irá escoar a produção de grãos (soja e milho) do Vale do Araguaia, uma das maiores produtoras de soja do Brasil, até a Ferrovia Norte-Sul, criando acesso aos principais portos do país, com exceção do Porto de Vila do Conde, em Barcarena, tripudiado e esquecido pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.
Por Val-André Mutran – de Brasília