A delegada projeta ampliar as ações de combate à violência doméstica; ampliar a divulgação entre as mulheres sobre a Lei Maria da Penha; firmar parcerias para fazer a qualificação profissional das mulheres vitimizadas, para que possam ser inseridas no mercado de trabalho; assim como construir parcerias com empresas para ajudar no combate à violência contra a mulher.
Há seis anos como titular da Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (Deam), de Parauapebas, a delegada Ana Carolina Carneiro, de 35 anos, em entrevista exclusiva ao Blog, lembra dos desafios enfrentados nesse período e fala, principalmente, da luta para que a especializada tivesse um ambiente mais acolhedor para receber às vítimas de violência doméstica e familiar. Agora, em novo espaço, no prédio da Fundação ParáPaz, a Deam, destaca a delegada, finalmente tem um ambiente muito mais digno e estruturado para receber as mulheres vitimizadas.
Delegada especializada na área de violência contra a mulher, Ana Carolina completa seis anos de carreira policial e todos eles à frente da Deam de Parauapebas. “Durante a academia de polícia eu estudei muito para obter a nota que me dava à opção de escolher atuar na Delegacia da Mulher. Quando fui para ser lotada escolhi a delegacia de Parauapebas, onde estou até hoje, e espero ir daqui para outra Deam e me aposentar nessa área”, espera a delegada.
Quando chegou a Parauapebas, lembra Ana Carolina, a Deam funcionava em duas salas no prédio da 20ª Seccional Urbana. O local não tinha qualquer estrutura para receber as vítimas, sem contar que era mofado e escuro.
“O local não tinha o devido acolhimento e tratamento humanizado para a mulher vitimizada, que ficava misturada com as vítimas de outros tipos de violência. Muitas vezes junto com os próprios agressores, que estavam lá para sem intimados”, recorda a delegada.
Com a mudança de direção, e com a Seccional ganhando o status de superintendência, houve a mudança para um prédio provisório, no Bairro Beira Rio. A mudança foi para a reforma do prédio da Seccional, que passaria a ser uma superintendência, coisa que não se concretizou posteriormente.
“O novo diretor, delegado Thiago Carneiro, que estava com o status de superintendente, tinha um olhar mais sensível para a demanda da mulher. Continuamos com duas salas, mas um pouco mais humanizada. Com a conclusão da reforma da Seccional, nos cederam um prédio anexo, onde finalmente tivemos maior estrutura e espaço adequando para atender as vítimas, que passaram a ser ouvidas de forma individualizada. Um ponto muito positivo, porque muitas vítimas têm vergonha de ser expor e falar o que realmente estão passando, principalmente se houver outras pessoas próximas, como ocorria antes”, observa Ana Carolina.
Ele ressalta que, desde que assumiu a delegacia, sempre pleiteou melhorias, expondo a importância da Delegacia da Mulher. “Eu me recordo que, no início, a gente, que atuava nessa área da mulher, sofria até preconceito. Nos diziam que nem polícia nós éramos, pela nossa temática. Vale lembrar que, muitas das nossas mazelas sociais são desencadeadas por um falta de estrutura familiar. Então, eu sempre digo que a violência e desestrutura familiar desencadeiam uma série de crimes. Um ambiente violento torna as pessoas violentas, porque elas tendem a reproduzir a violência vivida”, exemplifica.
Por isso, frisa a delegada, foi com muita luta, se impondo e cobrando dos seus superiores um olhar mais sensível para a Deam, que as conquistas vieram. “Com muita luta, conseguimos uma psicóloga para a delegacia, cedida pelo estado, o que nos propiciou fazer um acolhimento melhor das vítimas. Eu costumo dizer que a delegacia é a porta de entrada para as mulheres vitimizadas serem socorridas. É por ela, após o atendimento com a autoridade policial e o psicólogo, que os outros processos são encaminhados”, frisa Ana Carolina.
Ela ainda acrescenta que, a Delegacia da Mulher é tão importante dentro da rede protetiva à mulher, porque é o único órgão onde a mulher é recebida por uma autoridade, que é o delegado. “Se a mulher for ao Ministério Público, ela não vai ter acesso imediato ao promotor, da mesma forma se ela for ao judiciário. Neste último, ela só vai saber quem é o juiz que vai julgar o seu caso dois ou mais anos depois de sofrer a violência. Então, o único lugar que está de portas abertas 24 horas e os sete dias da semana para receber essas vítimas é a delegacia”, pontua a delegada, mais uma vez ressaltando que, daí a importância das delegacias especializadas terem um espaço adequando para acolher essas mulheres, para não sejam revitimizadas e sofram caladas para sempre.
“Como a Deam só funcionamos de segunda a sexta, eu sempre falo para meus colegas da Seccional, que a mulher vítima de violência doméstica precisa ser bem atendida, porque, caso contrário, ela dificilmente vai voltar”, diz a delegada, destacando que boa parte dos casos de violência acontece justamente nos fins de semana, devido ao período de maior convivência familiar e também devido ao consumo de bebida alcoólica.
Novo espaço: Para a delegada Ana Carolina, a mudança da Deam para o novo espaço foi uma grande conquista. Ela agradece aos seus superiores, que foram solícitos para que a delegacia se instalasse em um local mais adequado.
“Foi um avanço extraordinário, porque nos tirou do mesmo ambiente físico da Seccional, onde havia o trânsito de outras pessoas, e nos colocou em um ambiente mais leve e adequado para as mulheres. Agora, do momento que ela chega, tem todo o acompanhamento necessário”, pontua a delegada.
Ela observa que, se mulher precisar de atendimento psicológico e de assistência social, é encaminhada para a rede ParáPaz, que fica no mesmo prédio. Caso ela precisar fazer de divórcio, pedir pensão alimentícia ou a guarda dos filhos ela será encaminhada para o Centro de Assistência Jurídica (Ceaju), da Secretaria da Mulher. Nós, da Deam, somos a porta de entrada para todas essas demandas”, enfatiza.
Segundo a delegada, agora a rede de atendimento a mulher está completa. Ela lembra, que já chegou a ficar um ano e oito meses sem investigador. Quando necessitava investigar ou fazer qualquer procedimento, precisava pedir à Seccional.
Agora, comemora Ana Carolina, há toda estrutura para trabalhar e atender as vítimas. No total, agora a Deam conta com dois investigadores, uma psicóloga, uma escrivã de carreira e outra cedida pela Prefeitura de Parauapebas e ela como delegada.
Ela observa ainda que, também é titular da Delegacia de Atendimento a Criança e Adolescente (Deaca), que funciona junto com a Deam. “Eu espero que no próximo concurso da Polícia Civil seja formada outra equipe para atender a Deaca, desmembrando-a da Deam. Enquanto isso, vamos atuando nessas duas especializadas”, ressalta, dizendo que estar no novo espaço e ter a equipe do ParáPaz junto a Polícia Civil foi um ganho enorme.
“U até brinco que quero que esse ParáPaz de Parauapebas seja referência para o estado e, quem sabe, para o país, porque quero que todas as mulheres que procurem essa rede de apoio, sejam imediatamente atendidas”, espera a delegada.
Inserção da mulher vitimizada ao mercado de trabalho
Após a conquista do novo espaço físico, agora a delegada Ana Carolina vai focar em projetos que visem melhorar a autoestima da mulher vitimizada e capacitá-la para serem inseridas no mercado de trabalho. Ela adianta que está fazendo uma pesquisa para mapear as áreas de maior ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher em Parauapebas.
O objetivo, adianta, é diagnosticar o motivo de muitas mulheres não romperem os laços com os seus agressores. Os dados já mostraram, detalha a delegada, que uma dessas causas é a falta de independência financeira.
Ela observa que Parauapebas é uma cidade de mineração, onde predominantemente os postos de trabalho são ocupados por pessoas do sexo masculino. “O que já observamos é que muitas mulheres chegam a Parauapebas acompanhadas dos seus parceiros, que vêm trabalhar. Muitas abandonam seus empregos ou, como não têm família aqui, ficam completamente dependentes financeiramente de seus parceiros. Quando ocorre a violência, essas mulheres relutam em denunciar o agressor devido à dependência econômica”, aponta a delegada.
Ana Carolina enfatiza que essa é uma das principais alegações das mulheres, para justificar permanecer com os seus agressores. Essa dependência, também é usada pelos homens para manter a mulher sobre seu domínio, mesmo ela sendo agredida.
“Muitas vítimas alegam que são ameaçadas pelos agressores, principalmente de perder a guarda dos filhos, porque não têm emprego e nem renda para mantê-los”, diz a delegada, observando que boa parte dos homens não quer pagar pensão alimentícia e, em 90% dos casos, é preciso entrar com ação judicial de alimento.
Por isso, ela destaca a importância de fazer a capacitação dessas mulheres, para que possam trabalhar e sair da dependência financeira dos agressores. “Esse é um projeto urgente, que o poder público precisa abraçar. Isso pode ser feito em parceria com grandes empresas, para que destinem um número de vagas para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, assim como estimular as empresas a empregar mais mulheres”, sugere Ana Carolina.
Ela exemplifica que há cursos rápidos, como para cabelereira, manicure e outras áreas estéticas, assim como corte e costura. “Parauapebas tem uma rede de estética muito grande e há espaço para essas mulheres, da mesma forma que na área de corte e costura”, observa a delegada, dizendo que outra proposta é criar cooperativas e fazer uma parceria para que as lojas possam dar preferência aos trabalhos dessas mulheres.
Outro projeto, acrescenta Ana Carolina, é criar o selo de parceria com as empresas locais. Ou seja, destacar as empresas que não aceitem em seus quadros funcionais agressores se mulheres.
A delegada salienta que o que mantém o empoderamento masculino é a detenção do poder econômico. Ela explica que durante os atendimentos, o que cessa, em muitos casos, o ímpeto do agressor em não perseguir mais a vítima e cumprir as medidas protetivas é a ameaça de que o caso será informado à empresa onde ele trabalha.
“O homem não tem medo de ser preso ou quando age com impulso é capaz até de matar, mas uma coisa que eu observo é que ele tem medo de perder o emprego, porque isso tira o empoderamento dele”, frisa.
O objetivo do selo de parceria é fazer com que as empresas assinem um termo compromisso com a Deam, para que sejam realizadas palestras educativas periódicas, assim como elas não pactuem de forma alguma com a violência doméstica e familiar, até demitindo o agressor, se for o caso.
“Só com esse tipo de parceria é que vamos conseguir desconstruir essa sociedade machista e patriarcal. Se não for através do conhecimento e da evolução, que seja então através do medo de perder o emprego”, aposta a delegada.
Para Ana Carolina, outra arma importante é o conhecimento das mulheres sobre seus direitos assegurados na Lei Maria da Penha. Ela observa que 99% da população tem conhecimento da lei, mas poucos sabem sobre suas penalidades.
“A Lei Maria da Penha é uma das leis mais protetiva do mundo. Eu estive na Europa e sempre perguntava se nos locais onde passei havia delegacia e lei exclusivas para mulher. Em boa parte, não há. Então, nesse ponto, estamos avançados, mas precisamos que as pessoas conheçam de fato a lei e que ela tenha uma aplicabilidade efetiva”, pontua, dizendo que é importante haver a capacitação de toda rede de atendimento.
Delegacia Itinerante: Outro projeto que Ana Carolina pretende colocar em prática já neste segundo semestre de 2020 é a Delegacia Itinerante. Ela explica que uma vez por mês vai ser feito o atendimento itinerante da Deam nas comunidades da zona rural, onde serão realizados todos os procedimentos, como inquérito policial, para que as pessoas não precisem vir até a cidade.
“A gente sabe da dificuldade, muitas vezes de deslocamento dessa vítima até a cidade, por isso criamos esse projeto e vamos começar a realiza-lo já neste segundo semestre”, adianta.
Tortura, estupro e morte de bebê foi um dos casos mais chocou a delegada
Em seus seis anos de carreira policial, Ana Carolina diz que muitos casos a deixam chocada, como estupros de crianças e adolescentes no ambiente familiar. No entanto, um dos casos que mais a deixou impressionada foi o estupro, tortura e morte da bebê de um ano e oito meses.
O crime bárbaro aconteceu no dia 7 de janeiro deste ano e causou grande repercussão. A bebê, Carla Emanuelly Miranda Correia, foi cruelmente morta, após viver uma rotina de terror, sendo espancada diariamente e também estuprada pelo padrasto, Deyvyd Renato Oliveira Brito, com o consentimento da mãe, Irislene da Silva Miranda.
“Esse realmente foi um caso chocante, porque a criança sofreu toda uma rotina de tortura, com a conivência da mãe. A gente lida diariamente com a pior face do ser humano”, frisa a delegada, lembrando que já foram muitos os casos que ela acompanhou e que a deixaram também impressionada.
Um deles, lembra, a mulher teve o nariz arrancado a dentada pelo companheiro. “São coisas que, realmente, ainda nos deixa perplexos”, descreve Ana Carolina.
Delegada agradece família e Polícia Civil pelo sucesso na carreira
Em reconhecimento por ser delegada, atuar na área que gosta e ter sucesso na carreira, Ana Carolina agradece primeiramente a seus pais, que lhe deram todo apoio para estudar e fazer o concurso da Polícia Civil, e depois a própria instituição, que confiou nela e a manteve durante todo esse tempo à frente da Deam.
Ela diz que, sem querer entrar em mérito político, também tem agradecimento especial a atual gestão da Polícia Civil, que vem dando um olhar diferenciado às delegacias da Mulher. “Os avanços que tivemos são visíveis nessa atual gestão, não só na parte de estrutura, mas também de pessoal e de entender a seriedade do nosso trabalho”, elogia Ana Carolina, dizendo que todos os projetos que tem pensado, tem recebido carta branca dos seus superiores para colocar e prática.
Em celebração aos seus anos de carreira, a delegada vai realizar um café da manhã, reunido a imprensa e amigos.
(Tina Santos)