Estão sendo apuradas, pela Corregedoria da ANM (Agência Nacional de Mineração), Polícia Federal e Controladoria Geral da União, denúncias de servidores, de uma suposta disputa entre dois diretores da autarquia, que envolve práticas suspeitas e até de corrupção. O assunto veio à tona há três semanas, com a ordem de apreensão de dois computadores usados para liberar ou barrar embarques de cargas de manganês para exportação da ordem de R$ 200 milhões, por ano, no Porto de Vila do Conde, em Barcarena, no estado do Pará, de onde sai 70% da produção do mineral do País.
A investigação de uma denúncia contra um diretor da agência, apadrinhado pelo ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), logo ganhou os escaninhos da análise e investigação da Polícia Federal e da CGU (Controladoria Geral da União).
Segundo a acusação feita por servidores, Caio Mário Trivellato Seabra Filho vinha decidindo — com base apenas na opinião pessoal — o que poderia ser embarcado pelo Porto de Vila do Conde. O nome do advogado, foi aprovado em votação no Plenário do Senado no dia 13 de dezembro de 2023, para uma diretoria da Agência Nacional de Mineração (ANM). Foram 48 votos favoráveis e 11 votos contrários.
Seabra Filho atualmente é diretor-substituto na ANM e já exerce o cargo desde a vacância ocasionada pelo término do mandato do antecessor, Ronaldo Jorge da Silva Lima. Ele também é superintendente de Ordenamento Mineral e Disponibilidade de Áreas na agência.
Por sua vez, ele se diz “vítima de retaliação” e levanta suspeitas de envolvimento do chefe da agência, Mauro Henrique Moreira Sousa, com esquema de corrupção.
Segundo Trivellato, o diretor-geral da ANM atuou para liberar no mesmo porto uma carga que seria ilegal, de 27 mil toneladas de manganês, avaliada em R$ 13,5 milhões. Ele relatou ter encaminhado o caso à PF e à CGU.
“É muito estranho o que aconteceu. Muito suspeito. Eu não gostaria nem de ter suspeita”, afirma Trivellato. Questionado se estava falando em propina, disse: “Por isso que a gente mandou para a CGU e PF para poder apurar”. “É uma especulação dele. Ele está tentando reverter a situação”, rebateu o diretor-geral.
Com a guerra deflagrada nos corredores climatizados na sede da ANM em Brasília, que sucedeu o malfadado Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), extinto após a criação da agência, a troca de acusações provocaram um racha na ANM, responsável pela gestão da atividade de mineração e dos recursos minerais brasileiros, que gerou faturamento de R$ 248 bilhões e recolheu R$ 85 bilhões em impostos no ano passado, mas que vem passando por um contínuo processo de sucateamento no quadro de pessoal, de equipamentos e softwares do tempo dos homens das cavernas.
Tiroteio verbal de acusações
Três diretores de um lado e dois de outro trocam acusações públicas de “interesses escusos” e “atitudes estranhas”. Nas reuniões, todas gravadas, um não deixa o outro falar, e a maioria diz publicamente não reconhecer a autoridade do diretor-geral.
Bandidos
Sob o argumento de que era preciso coibir a lavra ilegal de manganês, quarto mineral mais usado no mundo, Trivellato determinou que as empresas pedissem à ANM autorização para despachar a carga a partir do porto no Pará.
Com base na denúncia, o diretor-geral acusa Trivellato de responder a essas demandas apenas com “regular” ou “irregular” sem qualquer justificativa, análise, tratativa dos documentos apresentados ou identificação do funcionário público responsável pela decisão, o que fere todas as normas da administração pública.
Quando da identificação de carga irregular, não haveria, contudo, continuidade na fiscalização.
Segundo a denúncia, Trivellato teria justificado o método para subordinados com o argumento de que “os mineradores no Pará são bandidos e vão retaliar o servidor que assinar documentos”.
Não há, contudo, nenhum registro na ANM de que ameaça a seus subordinados ou de que se tenha pedido anonimato como proteção.
A legislação prevê que os atos de um processo público devem ser produzidos por escrito, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável. A identificação impede o abuso de poder por parte do servidor público e permite a responsabilização por eventuais atos ilegais.
Saliente-se que os valores das notas fiscais que necessitam de certidão para serem autorizativas de embarque variam de valores de R$ 2 milhões a 10 milhões de reais, indicando a situação temerária não somente de cunho ético, mas a possibilidade até de corrupção em valores expressivos.
Denúncia contra o diretor da ANM
Segundo o diretor-geral da ANM, o caso foi encaminhado à PF e à CGU em 19 de abril.
No documento, o chefe da ANM, Mauro Henrique Moreira Sousa, afirma que “não cabe à agência certificar a legalidade de uma transação comercial ou analisar e liberar ordem de embarque. A função da agência é fiscalizar o aproveitamento dos recursos minerais do país”.
Sousa questiona também por que o diretor resolveu fazer o procedimento apenas no porto de Barcarena (PA).
“A PF pode identificar se está em curso algum tipo de caracterização de caráter penal”, sugeriu ao ser questionado se interesses escusos envolvem o procedimento.
A regra foi criada na SOD (Superintendência de Ordenamento Mineral e Disponibilidade de Áreas) comandada por Trivellato antes de ele assumir uma diretoria na ANM. Mineiro como o ministro Alexandre Silveira, o advogado foi o primeiro nomeado para a recém-criada superintendência.
Trivellato admite ter respondido ele mesmo a “alguns dos e-mails” sem assinatura porque “a agência tem poucos funcionários”.
Sobre a falta de justificativa nos e-mails, o diretor alegou necessidade de agilizar os processos. Também disse que iria expandir o método —atualmente sob investigação — para outros minérios, mas suas atribuições mudaram quando ele se tornou diretor.
Cabo de guerra
Trivellato alega que a denúncia contra ele é uma retaliação do diretor-geral após queda de braço envolvendo uma carga de manganês.
Motivados por denúncia anônima informando que o minério foi extraído de uma área não autorizada no dia 3 de abril, Trivellato e os dois diretores do seu grupo (Guilherme Santana Lopes Gomes e Roger Romão Cabral) atuaram para impedir o embarque.
O diretor-geral assinou ofícios desautorizando a ordem dos colegas sob a justificativa, mais uma vez, de que essa não é uma atribuição da ANM. Segundo Sousa, a agência recebe inúmeras denúncias anônimas e é a primeira vez que diretores se mobilizam para apurar uma delas pessoalmente.
O diretor-geral se refere a um episódio ocorrido em 12 de abril, quando a crise na ANM chegou ao ápice.
O diretor Gomes, do grupo de Trivellato, foi ao porto de Barcarena para tentar impedir o embarque da carga em questão. A ação inusual, por ser essa atribuição dos fiscais, foi toda gravada em vídeo por um dos advogados da empresa Unalog, do ramo de logística e transporte, André Santos Ribeiro.
“Nós estamos aqui com seu Guilherme, que é fiscal da ANM”, diz o advogado. “Diretor da ANM”, corrige Guilherme fazendo joinha para o vídeo.
O advogado prossegue: “Muito empenhado, ele saiu de Brasília para vir em Barcarena para fazer uma fiscalização. A gente quer saber qual a motivação porque não é competência de um diretor fazer fiscalização”.
“Sou servidor de carreira, especialista em gestão mineral”, respondeu o diretor.
“Mas hoje o senhor atua como diretor”, advertiu o advogado. Ele se queixa que o diretor já chegou preenchendo um auto de apreensão antes mesmo de fazer a fiscalização. “Eu sou diretor, estou diretor. Se eu não tenho [competência]…”.
A carga continua apreendida diante da acusação do grupo dos três diretores de que a empresa apresentou uma nota fiscal falsa. O diretor-geral disse que mantém sua posição de que não cabe à agência essa atribuição.
“Os outros servidores estavam receosos para poder confrontar um ato totalmente maluco do diretor-geral. Até informação de dentro da agência saiu que ele (Gomes) iria para lá. A gente viu a situação ilegal. Fomos lá para poder apreender o manganês”, justificou Trivellato sobre a decisão do colega ir pessoalmente ao porto atuar como fiscal.
O advogado da Unalog, Jean Cleber Garcia, afirmou que a carga tem nota fiscal e que irá pedir a prisão do diretor Gomes, caso ele repita a “informação falsa”. Segundo Garcia, quase um mês depois da apreensão, a empresa não foi notificada.
Diante disso, a Unalog acusa o diretor de abuso de autoridade. Segundo o advogado, o prejuízo pela carga parada é de US$ 3 milhões (o equivalente a R$ 15,4 milhões), além da perda de valor e risco de dano ambiental.
“Ele pode pedir minha prisão à vontade. Pedir todo mundo pode pedir qualquer coisa. Quando eu era criança pedi uma bicicleta e não ganhei”, disse, com tom de deboche, o diretor. Segundo Gomes, quem disse que a nota é falsa é a Secretaria de Fazenda do Pará.
O Blog do Zé Dudu acompanha as providências que serão tomadas pelos membros da Bancada do Pará, com assento na Comissão de Minas e Energia (CME) da Câmara dos Deputados, e da recém criada Subcomissão de Mineração do colegiado.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.