Brasília – Já era tarde da noite de domingo (27), quando o deputado federal Daniel Silveira (União-RJ), após 100 quilômetros rodados, refez seus planos. Constatou que a viagem de carro seria muito longa e decidiu voltar para o Rio de Janeiro. No dia seguinte, embarcou cedo num vôo para Brasília, saiu do aeroporto direto para a Câmara dos Deputados na segunda-feira (28). E começava ai o início de seu protesto contra a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que entre outras decisões, ordenou que a polícia instalasse uma tornozeleira eletrônica no deputado.
Na terça-feira (29), ele disse na tribuna da Câmara dos Deputados, durante a sessão, que não vai usar a tornozeleira eletrônica, como determinou o ministro. Silveira afirmou que, na sua avaliação, cabe aos parlamentares decidir sobre a restrição de liberdade dos parlamentares, no mesmo rito previsto em casos de prisão. Ele recebeu apoio de diversos deputados aliados, que foram à tribuna criticar a decisão de Alexandre de Moraes. Um dos apoiadores foi o deputado federal Delegado Éder Mauro (PL-PA), que na terça hipotecou total apoio ao protesto do colega.
“Aqui eu falo em tribuna: não será acatada a ordem do Alexandre de Moraes enquanto não for deliberada pela Casa. Quem decide isso são os deputados”, disse. Silveira destacou que a jurisprudência estabelece que não é possível impor medidas cautelares — no caso, a tornozeleira eletrônica — contra parlamentares. “O CPP [Código de Processo Penal] determina que prisão preventiva não se aplica em hipótese alguma — vejam bem, grifem — em hipótese alguma a parlamentares.”
Silveira foi preso em fevereiro de 2021 após divulgar um vídeo com críticas aos ministros do STF e ao inquérito que investiga fake news. À época, a Câmara decidiu manter a prisão do parlamentar.
Outro que se manifestou sobre o caso foi o deputado General Girão (PL-RN), primeiro parlamentar a comentar a decisão de Moraes, que afirmou ser “lamentável” e “arbitrária” a decisão do ministro. “Ele [Moraes] está usando como fundamento artigo do Código de Processo Penal que não pode ser aplicado contra um deputado, que tem imunidade parlamentar”, disse.
Para o deputado Luiz Lima (PL-RJ), a decisão do Plenário de manter Silveira preso em 2021 “apequenou o Parlamento”. “Esta Casa possui mecanismos de punir um deputado no Conselho de Ética. Nós podemos cassar o mandato de um colega, punir um colega, mas não podemos deixar que um ministro do Supremo Tribunal Federal interfira na nossa liberdade”, disse.
O deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) também criticou a medida e afirmou que o STF não poderia restringir a circulação de um parlamentar. “Trata-se de um deputado federal. E a sua base não é apenas a cidade de Petrópolis. Ele é um deputado cujo mandato pode ser exercido em todo o território nacional”, disse. Reinhold Stephanes Júnior (PSD-PR) disse que a decisão é “absurda” e “afronta a democracia”.
Deputado montou “acampamento” na Câmara
Desde fevereiro de 2021, Daniel Silveira reveza a prisão domiciliar com a detenção em sistema penitenciário. A confusão ocorreu, quando o parlamentar criticava a postura política de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiam sobre assuntos que interferiam em outros poderes.
Alexandre de Moraes, integrante da corte, se sentiu ofendido na época e determinou a prisão de Silveira sob a alegação de que ele ameaçava as instituições democráticas do país e os magistrados. De lá prá cá, a vida do deputado tem sido um inferno. Recentemente, ele até foi “solto”, mas seu martírio não havia terminado. É que Moraes decidiu lhe impor novamente a tornozeleira eletrônica.
Para evitar usar o objeto novamente, Daniel Silveira entrou no Plenário da Câmara ontem e não saiu mais. Ele tem dois objetivos em vista: o primeiro é que ele deseja que os seus pares na Casa se manifestem contra as decisões monocráticas de Moraes e suas prisões abusivas contra jornalistas, congressistas e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Em segundo lugar, ele quer constastar se o magistrado teria coragem de mandar prender um deputado dentro da própria Câmara. “O Plenário é inviolável! Quero saber até onde ele vai, já que um deputado é soberano no Plenário”, desafiou.
“Vocês fazem ideia do que está acontecendo? O ministro já desbordou todas as legalidades constitucionais, mas a mídia aplaude. Vocês não vão acordar? Vocês não estão vendo que é um ministro cometendo um bando de atrocidades jurídicas”, disse, em entrevista aos jornalistas.
Sobre as acusações de que teria ameaçado os ministros da Suprema Corte, Silveira argumentou que o Tribunal gasta R$ 80 milhões para pagar seguranças aos ministros e que, por isso mesmo, eles não têm o direito de se sentir em perigo.
“Ataque ao Supremo? Ataque foi em 1985, quando o Cartel de Medellín explodiu o Palácio da Justiça [da Colômbia]. Isso é ataque! Ele gasta, em quatro anos, R$ 80 milhões em segurança, não tem o direito de se sentir com medo”, comparou.
Carta aos colegas
Daniel Silveira encaminhou uma carta à Câmara, na segunda-feira (28), pedindo que a Casa se manifeste sobre a suspensão da pena a que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Ele insiste que a decisão é arbitrária e inconstitucional.
Ele lembrou aos colegas da Casa que os congressistas só podem ser presos em flagrante delito e que eles têm direito à imunidade parlamentar, para que estejam seguros de que podem defender os projetos para os quais foram votados pelo eleitor.
Explicando o contexto de seu caso, Silveira disse que: “O STF viola direitos fundamentais consagrados na Constituição e afronta os direitos políticos de um deputado em pleno exercício do mandato”. “Eu protocolei no Senado Federal, na segunda-feira (28), pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes. Alguns de seus próprios colegas no Tribunal estão constrangidos contra as decisões inconstitucionais do ministro. O meu pedido é o 39º que engrossa a fila no Senado”, disse.
O ministro Alexandre de Moraes comunicou “a autoridade policial e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) que procedam à fixação imediata do equipamento de monitoramento eletrônico” e que o procedimento poderia inclusive ser realizado “nas dependências da Câmara dos Deputados, em Brasília”.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ainda não se manifestou sobre o caso.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.