Deputados decidem que mulher grávida por estupro não pode abortar

Em votação relâmpago, eles aprovaram também o Projeto de Lei Antidelação Premiada
Na foto, da esquerda para a direita, dep. Eli Borges (PL-TO), dep. Dr. Zacharias Calil (UNIÃO-GO), dep. Bia Kicis (PL-DF) e dep. Maurício Marcon (PODE-RS). O deputado Dr. Zacharias Calil é médico e explicou como se dá o método da chamada assistência fetal

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Como um raio, em apenas 30 segundos, os deputados federais aprovaram o regime de urgência para o Projeto de Lei n° 1.904/2024, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 33 parlamentares, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio.

Na mesma sessão na quarta-feira (12), após desarquivarem um projeto esquecido há oito anos, igualmente polêmico, entrou na roda e também teve sua urgência aprovada à jato o PL n° 4.372 de 2016, que proíbe a delação de presos, seja de réus ou de condenados que já estiverem presos.

O primeiro projeto também considera homicídio o aborto praticado para salvar a vida da mulher e em caso de estupro. Em maio, o Conselho Federal de Medicina proibiu os médicos de realizarem aborto em fetos acima de 22 semanas, resolução que foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.

Acima dessa idade, o método utilizado é a chamada assistolia fetal, uma injeção de produtos químicos no feto. Esse método foi usado para justificar a necessidade da proibição, como disse o deputado Eli Borges (PL-TO), autor do requerimento de urgência.

“Eu sou autor da urgência do projeto da cistolia, que foi aprovado por unanimidade dessa casa. A minha gratidão à compreensão dos parlamentares sobre esse procedimento que vai de encontro ao que propõe o Conselho Federal de Medicina”, explicou o autor do requerimento.

O regime de urgência foi aprovado de maneira simbólica, contra os votos do PSol, do PT e do PCdoB. Para a deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP), o projeto prevê punição para a vítima do estupro maior que a pena do estuprador.

“Carregar uma gestação nessas condições é tortura. Porque não basta ter sido estuprada. Não basta ter ficado grávida depois de ter sido estuprada. O que os deputados propõem é que esta menina, caso ela diga basta, chega, não terei um filho de um estuprador, ela deve ficar presa por 20 anos, enquanto o estuprador ficará preso oito anos.”

Os projetos com urgência podem ser votados diretamente no Plenário, sem passar antes pelas comissões da Câmara. O autor do requerimento de urgência e coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO), defendeu a aprovação do PL 1.904/2024. Em um dos argumentos ele disse:  “Basta buscar a Organização Mundial da Saúde (OMS), [a partir de 22 semanas] é assassinato de criança literalmente, porque esse feto está em plenas condições de viver fora do útero da mãe”.

Para revolta de muitas mulheres e homens no Plenário, uma das vozes de protesto veio da deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP), que criticou a aprovação que, segundo ela, criminaliza crianças e adolescentes vítimas de estupro. Ela afirmou que mais de 60% das vítimas de violência sexual têm menos de 14 anos. “Criança não é mãe, e estuprador não é pai”, bradou.

Segundo Sâmia Bomfim, uma menina estuprada ficaria presa por 20 anos enquanto o estuprador ficaria atrás das grades por 8 anos. “As baterias dos parlamentares estão voltadas para essa menina, retirá-la da condição de vítima para colocá-la no banco dos réus”, falou em tom de revolta.

Feitiço contra o feiticeiro?

O PL n° 4.372/2016 proíbe a delação de presos, seja de réus ou de condenados. Trata-se de uma reação da Câmara à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que determinou a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) em março, com base na delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa —e de carona, pode beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), enrolado até o pescoço com a Justiça.

É que, se aprovada a proposta, a delação premiada de seu ex-chefe de Ordens, tenente-coronel do Exército, Mauro Cid pode cair, dificultando a validade de provas que a Polícia Federal reúne na suspeita da prática de vários ilícitos dos quais os ex-presidente é acusado de ter praticado em pleno exercício do cargo máximo do país.

De autoria do advogado, ex-deputado federal (PT-RJ), Wadih Damousderrotado nas urnas em 2022, mas nomeado pelo atual governo Secretário Nacional do Consumidor, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal, Wadih Damous, o projeto foi apresentado com destinatário certo: o então ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que em 2016, estava cumprindo pena pela condenação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da operação Lava-Jato.

Na lógica política de Brasília, o projeto foi resgatado das calendas burocráticas do Congresso Nacional, supostamente para beneficiar o também ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), num típico “feitiço se virando contra o feiticeiro”.

Críticas à condução da votação

Os sempre combativos psolistas, fizeram o barulho que lhes é peculiar. A deputada Fernanda Melchionna (PSol-RS) criticou o fato de a votação ter sido feita simbolicamente, sem pronunciamento dos partidos. “Achamos que esse regime de urgência precisava ficar registrado, porque é um ataque muito grande às meninas brasileiras”, num protesto na linha da colega Sâmia Bonfim.

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) afirmou que os projetos a serem votados precisam ser anunciados com antecedência. “Fui ali atrás, quando voltei fui informado que um projeto foi deliberado em sua urgência sem que quase ninguém percebesse”, criticou.

Segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira, a votação simbólica foi acertada mais cedo, por todos os líderes partidários durante reunião na quarta-feira. “Nós chamamos por três vezes o Pastor Henrique Vieira [vice-líder do PSol] para orientação”, afirmou.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.