Diante de 2 mil convidados, Moraes diz que TSE está preparado para garantir a lisura do voto de 156 milhões de eleitores

“Justiça Eleitoral será célere, firme e implacável contra ‘fake news’”, diz Moraes ao assumir tribunal eleitoral
Alexandre de Moraes assina termo de posse como presidente do TSE. Foto: Divulgação/TSE

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Brasília – Numa cerimônia grandiosa, para 2 mil convidados, num dos maiores eventos políticos dos últimos anos em Brasília, o ministro Alexandre de Moraes garantiu, na noite desta terça-feira (16), ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que a Justiça Eleitoral fará interferência “mínima” na liberdade de expressão de candidatos e eleitores, durante a campanha eleitoral deste ano. “A intervenção será mínima, porém célere, firme e implacável no sentido de coibir práticas abusivas, ou divulgação de notícias falsas ou fraudulentas, principalmente daquelas escondidas no covarde anonimato das redes sociais, as chamadas ‘fake news’”, disse, sob aplausos.

Em sua fala, Moraes disse que o discurso de ódio é inconcebível e, mesmo no estado de direito, tem limites. “Liberdade de expressão não é liberdade de agressão”, frase que já foi usada em diversas decisões nas quais ele determinou a remoção de conteúdos na internet com ofensas ou ameaças a autoridades.

“Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia, de destruição das instituições, de destruição da dignidade e da honra alheias. Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos de ódio e preconceituosos. A liberdade de expressão não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito, inclusive durante o período de propaganda eleitoral”, afirmou.

O ministro iniciou seu discurso traçando uma linha do tempo do papel do TSE, criado há 90 anos para garantir a lisura dos votos dos eleitores brasileiros. Ele enalteceu o papel da Justiça Eleitoral na realização das eleições, destacando o papel da urna eletrônica. “Somos a única democracia do mundo que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia, com agilidade, segurança, competência e transparência. Isso é motivo de orgulho nacional”, disse, sendo sucedido de uma longa salva de palmas. Bolsonaro, a primeira-dama Michele e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) não aplaudiram esse trecho e outros trechos do discurso.

Alexandre de Moraes afirmou que o aperfeiçoamento do sistema “sempre será constante” e que a Justiça Eleitoral existe para garantir o direito de eleitores periodicamente escolherem seus representantes. “Existe para garantir que o exercício da democracia seja realizado de maneira segura, confiável e transparente”, afirmou.

As declarações refletem a posição do ministro no contexto de crescentes questionamentos e críticas do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sistema de votação, que alimentou a desconfiança de parte do eleitorado em relação às urnas eletrônicas.

De ex-presidentes a governadores, a posse de Moraes contou com a presença de diversas autoridades

Lista de convidados gerou constrangimentos entre adversário

A cena seria impossível de acontecer, pelo menos até a terça (16). Lula ao lado de Temer, Sarney e Dilma diante do plenário do TSE, onde estavam Jair Bolsonaro (PL) e próximo de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).

Dilma Rousseff (PT) esteve sentada entre José Sarney (MDB) e seu antigo vice, Michel Temer (MDB), que assumiu seu lugar após ela alvo de impeachment presidencial, o segundo da história do país. Um poço de mágoas, a ex-presidente atribui ao vice a arquitetura do que chama de “golpe”, que a obrigou a se afastar do cargo.

O próprio presidente Jair Bolsonaro, estava sentado ao lado de Alexandre de Moraes, que preside inquéritos onde o presidente figura como investigado; tudo à mesa do Plenário na cerimônia, o que não impediu o presidente trocar alguns cochichos com Alexandre de Moares, ambos com as mãos na frente da boca, para tornar o diálogo mais um segredo de Estado.

Assentados na mesa estavam os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira; o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux; o procurador-geral da República, Augusto Aras; o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti; e os demais ministros do TSE: Ricardo Lewandowski, Mauro Campbell, Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Na primeira fileira da plateia, em frente a Moraes, sentaram-se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ladeado pelos ex-presidentes José Sarney e Michel Temer, e com a ex-presidente Dilma Rousseff na outra ponta, ao lado de Sarney. Estavam presentes ainda ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ministros de Estado e 22 governadores, como Helder Barbalho (PA), os três prefeitos de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, além de deputados, senadores, representantes de partidos políticos, embaixadores e mais uma penca de autoridades.

Lula e Dilma chegaram juntos ao TSE, acompanhados do ex-governador Geraldo Alckmin, candidato a vice-presidente na chapa petista, e da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Bolsonaro chegou à Corte ao lado da primeira-dama Michelle Bolsonaro e do filho Carlos.

Durante a cerimônia, o presidente da República cumprimentou Moraes mais de uma vez e chegou a trocar algumas palavras ao pé do ouvido antes do discurso do novo presidente do TSE. Mas Bolsonaro evitou aplausos quando Moraes se referiu à confiabilidade do sistema eleitoral e da urna eletrônica, sendo seguido por seus ministros que estavam presentes na plateia.

Moraes prometeu firmeza à frente do comando do TSE

Como deixou claro em seu discurso, Alexandre de Moraes promete firmeza no combate à desinformação, especialmente ligada à integridade do sistema de votação eletrônica, mas também em relação às “fake news” espalhadas na internet e nas redes sociais que possam manchar a imagem de candidatos, caso o conteúdo das postagens seja “sabidamente inverídico”.

O termo consta numa resolução recente do TSE que permite à Justiça Eleitoral não apenas remover de sites e plataformas acusações de fraude sem provas contra as urnas, mas também processar seus responsáveis por crime eleitoral e, no caso de candidatos, torná-los alvos de ações que podem levar à cassação da candidatura, do diploma ou do mandato.

Já em relação a ataques entre os próprios candidatos com mentiras, uma recente mudança no Código Eleitoral pune com até um ano e meio de detenção o ato de “divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”.

Uma demonstração de que Moraes agirá com rigor nesse sentido foi sua recente decisão em que ele, a pedido do PT, determinou a retirada da internet de postagens e vídeos que associavam o partido e o ex-presidente Lula à facção criminosa PCC.

Para coibir mentiras sobre as urnas, o precedente para cassação e inelegibilidade foi construído em 2021, quando o plenário do TSE, por unanimidade, condenou o deputado estadual Fernando Francischini (União-PR), em razão de uma transmissão ao vivo, no dia da eleição de 2018, na qual ele disse que algumas urnas no Paraná estavam “fraudadas” para impedir votos em Bolsonaro.

Ademais, a linha dura na repressão a “ataques” — como ofensas ou supostas ameaças a autoridades — foi demonstrada fartamente nos inquéritos que conduz pessoalmente no STF — como o das “fake news” e o das “milícias digitais”.

É possível que o conhecimento e as provas reunidas pelo ministro nessas investigações possa alimentar ações eleitorais no TSE que apontem uso das redes para disseminação de mentiras sobre o sistema eleitoral e sobre candidatos.

Embora Moraes seja apenas um entre os sete ministros titulares que compõem o TSE, seu voto tem influência sobre os demais.

E sua postura institucional de defesa do tribunal, especialmente num momento em que a Corte é alvo de questionamentos e críticas por parte de Bolsonaro e muitos de seus apoiadores, tende a ganhar amplo apoio entre os colegas.

No campo institucional, um dos grandes desafios é pacificar a relação com as Forças Armadas, que, desde o ano passado e por influência de Bolsonaro, propõem mudanças na fiscalização da apuração e totalização dos votos.

Dentro do governo, há a expectativa de que Moraes atenda a alguns dos pedidos dos militares negados pelo então Edson Fachin, mas ele até o momento não deu qualquer sinal disso. Alterações acarretariam complicações de ordem logística e burocráticas que enfrentam grande resistência por parte de servidores e técnicos do TSE.

Moraes terá como vice-presidente o ministro Ricardo Lewandowski, que já presidiu o TSE, e é conhecido pelo comportamento cordial e conciliador. Apesar de indicado por Lula para o STF, de manter uma linha progressista nas decisões e frequentemente oposta a interesses do governo, é bem visto por Bolsonaro, porque não faz provocações nem passa recados políticos em eventos públicos, como outros ministros considerados desafetos — caso de Edson Fachin, de Luís Roberto Barroso, seu antecessor no TSE.

Ainda no campo institucional, Moraes poderá contar para a interlocução com os demais poderes e instituições o ex-advogado-geral da União José Melo do Amaral Junior, que defendeu o governo entre 2020 e 2021. Ele será o secretário-geral do TSE e tem como atribuição costurar e negociar acordos, conversas e tratativas de interesse de Moraes junto a outros órgãos e atores políticos.

Nas eleições, Moraes também terá como colegas no TSE a ministra Cármen Lúcia, do STF, os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves, que assumirá a função de corregedor, e Raul Araújo, além dos juristas Sérgio Banhos e Carlos Horbach. Caberá a todos eles julgar, após as eleições, eventuais ações por abuso de poder político ou econômico que venham a ser ajuizadas, não apenas contra candidatos à Presidência, mas também a outros cargos, em grau recursal, como governador, senador e deputado federal ou estadual.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.