Divergência de visões marca audiência sobre liberação de garimpo em área reservada à pesquisa

De acordo com o texto do projeto em apreciação, a lavra garimpeira só pode ser concedida caso o minério a ser extraído seja diferente daquele objeto da pesquisa
Mesa do debate, da esquerda para a direita: consultor Tributário do município de Parauapebas (PA), Carlos Alberto Pereira; o diretor de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME), José Ubaldino de Lima; o presidente eventual da CI, senador Zequinha Marinho (Podemos-PA); assessor da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Mineração (ANM), Luís Mauro Gomes Ferreira; diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Rinaldo Mancin

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A partir da premissa apresentada no texto do projeto de lei (PL n° 2.973/2023) que sustenta a tese a qual “a lavra garimpeira só pode ser concedida se o minério a ser extraído for diferente daquele objeto da pesquisa”, o que predominou na audiência pública que debateu sobre liberação de garimpo em área reservada à pesquisa, dividiu opiniões na audiência de debates na Comissão de Infraestrutura do Senado, na terça-feira (12).

Os convidados ao debate discutiram o projeto de autoria do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que presidiu a audiência pública. De acordo com o texto, a lavra garimpeira só pode ser concedida se o minério a ser extraído for diferente daquele objeto da pesquisa. O prazo de permissão é de três anos, renovável por igual período. A área liberada para o garimpo não pode ultrapassar 25% da área reservada à pesquisa.

Marinho salientou que: “O Congresso Nacional não pode cruzar os braços ou lavar as mãos diante da situação dos mais de 600 mil garimpeiros espalhados pela Amazônia”. Segundo o parlamentar, o PL 2.973/2023 libera para o pequeno minerador, áreas bloqueadas por requerimentos de pesquisa concedidos a grandes empresas.

“Enormes áreas continuam indisponíveis para o pequeno minerador. Não faz sentido impedir a exploração de minerais destinados à construção civil, como areia e saibro, só porque uma área é onerada por autorização de pesquisa para outro mineral. Ali não pode, congelou. Tem que haver uma forma de se trabalhar isso. O tema é chato? É complicado? Fazer o quê? Aqui é lugar de usar a massa cinzenta e tentar encontrar uma saída”, afirmou.

O assessor da Agência Nacional de Mineração (ANM) Luís Mauro Gomes Ferreira defendeu o aperfeiçoamento do PL 2.973/2023. Ele alertou para riscos ao chamado direito de prioridade, previsto na legislação brasileira desde a década de 1930. O conceito assegura preferência de extração para as empresas que promovem a pesquisa mineral.

“O direito de prioridade garante que aquele que investe em pesquisa e descobre uma ocorrência mineral tenha prioridade para extrair e comercializar aquele bem. Na pesquisa, não há ganho econômico. Isso só ocorre após a concessão de lavra, quando se extrai o bem mineral”, destacou.

O diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro da Mineração (Ibram), Rinaldo Mancin, também demonstrou preocupação com uma eventual ameaça ao direito de prioridade.

“Há um risco de insegurança jurídica no projeto de lei ao permitir a concessão de um pedaço que seja da área requerida para pesquisa. É uma interpretação ambígua da lei. A gente vai ter, em um mesmo território, duas realidades diferentes: a empresa grande e a atividade garimpeira. Como a gente vai fazer a lei funcionar para os dois?”, questionou.

Opiniões

Para Márcio Eustáquio Bello, assessor que representou o deputado federal José Priante (MDB-PA) no debate, garantiu que o projeto de lei não fere o direito de prioridade. Segundo ele, o texto só libera para o garimpo áreas onde a pesquisa não esteja sendo realizada.

“O PL está tratando de uma área onerada para pesquisa que não está sendo utilizada, onde não está sendo feita a pesquisa. Queremos regularizar o que está irregular. Já está acontecendo, já existe. Nas áreas oneradas já existem essas explorações. Deixam de recolher impostos, deixam de atender os municípios, que têm direito a 60% do imposto”, lembrou.

Representantes de municípios mineradores também defenderam a aprovação do projeto. Carlos Alberto Pereira, consultor tributário de Parauapebas (PA), disse que o PL 2.973/2023 pode tirar garimpeiros da ilegalidade e elevar a arrecadação das prefeituras.

“Parauapebas detém a maior mina de ferro do mundo em atividade. São aproximadamente 750 processos minerários registrados na ANM, mas somente cinco estão em atividade. Ora, tudo o que é explorado em Parauapebas que não seja ferro e granito é roubo. De Parauapebas, Curionópolis (PA) e Marabá (PA) saem por dia 300 carretas carregadas de minério em direção a Barcarena (PA) com nota fiscal fria de Rondônia e Roraima. O que os municípios estão vendo disso? Nada, zero”, denunciou.

O diretor de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME), José Ubaldino de Lima, reconheceu que o PL 2.973/2023 tem aspectos positivos, como a simplificação do processo de outorga e a legalização de atividades extrativas. Mas alertou para pontos que classificou como “controversos” ou “negativos”. Ele criticou, por exemplo, a possibilidade de que o cobre e o manganês sejam explorados pelo regime de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG).

“O projeto fortalece a forma de extração via individual, que tem tempo limitado e prescinde de pesquisa. Mas o regime de PLG não foi criado para esse tipo de substância. Existe um regime próprio para aproveitamento, que não deve ser a PLG. Esse não é o caminho para legalização ou formalização da atividade ilegal”, mencionou.

De acordo com o MME, as autorizações de pesquisa respondem por metade das áreas outorgadas em processos minerários no Brasil. São mais de 92 mil processos, relativos a 103 milhões de hectares. As 3 mil lavras garimpeiras representam apenas 0,66% dos processos e se referem a 1,3 milhão de hectares.

A audiência pública foi sugerida pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), presidente da CI e relator do 2.973/2023. O congressista opinou pela aprovação do projeto, que aguarda deliberação do colegiado.

Confira a apresentação de José Ubaldino de Lima, Diretor de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME) [íntegra aqui].

Veja como foi a apresentação de Luís Mauro Gomes Ferreira, Assessor da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Mineração (ANM) [íntegra aqui].

Assista a íntegra da audiência transmitida pela TV Senado.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.