No ano em que a Capital do Minério se aventurou em tomar empréstimo de 70 milhões de dólares junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para implementar o Programa de Saneamento Ambiental de Parauapebas (Prosap), a situação financeira local era uma e a cotação da moeda americana frente ao real brasileiro era outra.
A Prefeitura de Parauapebas, mesmo durante os meses mais duros da pandemia de coronavírus, viu dinheiro em caixa como nunca. Tanto é que sua receita líquida saltou de R$ 1,952 bilhão em 2020 para R$ 2,798 bilhões em 2021 sem grande esforço — apenas ancorada no “boom” do preço do minério de ferro lá fora, o que despejou nos cofres do município uma tonelada bilionária de royalties de mineração nunca antes vista.
Mesmo com recursos próprios suficientes para fazer dez obras de saneamento ambiental do porte do Prosap e deixar a área urbana com asfalto banhado a ouro, o município editou lei complementar em setembro de 2019 para tomar os 70 milhões de dólares emprestados, com a moeda americana naquele momento cotada a R$ 4,3128 para transações comerciais. Inicialmente, a prefeitura teria R$ 301,89 milhões a pagar, mas tudo foi mudando ao longo do processo.
Quando o contrato foi, enfim, assinado em outubro de 2020, no auge da pandemia, o dólar já estava custando R$ 5,9618, e o Prosap — poucos sabiam naquele embalo de emoções — já estava quase R$ 117 milhões mais caro que o previsto inicialmente.
No final de janeiro, com a moeda americana valendo R$ 6,2729 no giro bancário, aqueles 70 milhões de dólares do Prosap já custavam R$ 439 milhões e, não demorará, baterá meio bilhão de reais. O grande problema é que a dívida sequer começou a ser paga. As informações foram levantadas pelo Blog do Zé Dudu no Sistema de Análise da Dívida Pública, Operações de Crédito e Garantias da União, Estados e Municípios (Sadipem), que detalha minuciosamente toda a contratação do empréstimo por Parauapebas para bancar o programa.
DÓLAR X PROSAP: RELEMBRE OS EVENTOS
- 27 de setembro de 2019
Publicação da Lei Complementar nº 18, autorizadora da contratação de empréstimo junto ao BID.
1 dólar valia R$ 4,3128 | 70 milhões de dólares equivaliam a R$ 301,89 milhões
- 29 de outubro de 2020
Assinatura do contrato do Prosap entre a Prefeitura de Parauapebas e o BID.
1 dólar valia R$ 5,9618 | 70 milhões de dólares equivaliam a R$ 417,33 milhões
- 24 de janeiro de 2025
Posição da dívida estimada do Prosap nesta data
1 dólar valia R$ 6,2729 | 70 milhões de dólares equivaliam a R$ 439,1 milhões
Pagamento de juros
E tem mais. A Prefeitura de Parauapebas sequer começou a pagar o principal da dívida do Prosap ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, mas desde 2021 já se vê obrigada a quitar juros sobre a dívida do empréstimo e outros encargos sobre a contratação. O Blog do Zé Dudu levantou no portal da transparência os valores já desembolsados pela Capital do Minério, a saber:
2021 — R$ 2.166.168,46
2022 — R$ 3.569.622,24
2023 — R$ 9.320.527,25
2024 — R$ 17.930.096,44
São realizados quatro pagamentos por ano, sendo dois em abril (de juros e de encargos) e outros dois em outubro (de, também, juros e encargos). Nesse período, o BID já comeu de Parauapebas R$ 32.986.414,39, o dinheiro “mais fácil do mundo” de se ganhar, apenas com juros e encargos de um contrato cujo principal só começará a ser pago a partir do ano que vem, com duração até 2044. Só o que o BID já embolsou em quatro anos daqui de Parauapebas é maior que o orçamento deste ano da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), de R$ 31 milhões.
Uma coisa é certa: se Parauapebas não se organizar para começar a liquidar a dívida do Prosap, que só cresce a cada espirro do dólar, o débito pode se tornar impagável porque os juros decorrentes de atrasos não perdoam e não são baratos. Comprometida financeiramente até sua quinta geração, a Capital do Minério só se livrará da alma penada do Prosap mais ou menos no mesmo período em que a mineradora Vale prevê exaurir as minas do município. São tristes — para não dizer temerosas e terríveis — coincidências.