Para quem assiste ao trem passar pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), com seus vagões entupidos de minério de ferro rumo ao desconhecido além-mar, a imagem do mostrengo e a zoada de seu apito são apenas elementos comuns, de mais um dia normal em Canaã dos Carajás e Parauapebas.
Nesses dois municípios interioranos, considerados suprassumos da riqueza na Região Norte, o trem é o vizinho mais inconveniente de comunidades pobres, marcadas por exclusão social e por ausência de serviços sociais básicos, como saneamento. São 30 mil pessoas em situação de pobreza extrema em Parauapebas e outras 13,5 mil em Canaã dos Carajás, de acordo com a atualização de abril deste ano do Cadastro Único, do Governo Federal.
Mas o trem, que atravessa os pobres, carregou cerca de 10,5 bilhões de dólares em riquezas produzidas nesses dois municípios durante o primeiro semestre deste ano e tornaram Parauapebas e Canaã, sem querer querendo, 3º e 4º principais do Brasil para sustentar as contas de uma nação de 212 milhões de habitantes regada a graves injustiças e desigualdades, como frágeis serviços públicos de saúde e educação.
De Parauapebas, o 3º, foram embarcados 5,954 bilhões de dólares, enquanto de Canaã, o 4º, partiram 4,586 bilhões. Só os municípios de Duque de Caxias (8,332 bilhões) e Rio de Janeiro (6,041 bilhões) exportaram mais. Até a cidade de São Paulo (2,428 bilhões) sucumbiu à força que vem do Pará. Os dados da balança comercial por município foram liberados nesta quarta-feira (7) pelo Ministério da Economia, e o Blog do Zé Dudu fez a comparação.
2º e 3º em lucro comercial
Muito mais que excelentes exportadores, Parauapebas e Canaã têm consigo a cereja do bolo para as contas do país: lucro. Eles, como nenhuma outra localidade do país, são os lugares que mais dão resultado para o Brasil, com performance progressivamente melhor que os fluminenses Duque de Caxias e Rio de Janeiro. A razão é simples de entender: exportam muito e importam quase nada.
Essa situação faz com que apresentem superávit comercial magnífico — que é o que realmente importa para as contas nacionais. Parauapebas garantiu o 2º maior lucro do país, de 5,808 bilhões de dólares, enquanto Canaã rendeu 4,554 bilhões. Eles, neste recorte, só ficaram atrás de Duque de Caxias, que rendeu 7,161 bilhões de dólares. A diferença é que Duque importou ao longo do semestre 1,171 bilhão de dólares em commodities, enquanto Parauapebas importou apenas 146,3 milhões e Canaã, menos ainda: apenas 32,2 milhões.
Todo esse resultado magistral, importante para o Brasil, está apenas nas estatísticas e muito distante da realidade das populações das localidades produtoras dos bens exportados. Parauapebas e Canaã dos Carajás são líderes globais da produção de minério de ferro de alto grau de pureza e sua commodity é, na realidade, desconhecida da população — 95% da população dos dois municípios nunca viram o minério de ferro ao vivo e a cores.
Uma considerável parcela da população que dorme e acorda aos pés dos bilhões de dólares movimentados na região jamais terá a dimensão do que é riqueza de fato, e com o trem carregado ou não, nada vai mudar. Porque ser importante para o Brasil não é necessariamente o mesmo que mudar a vida de quem vive à margem da riqueza.