Lideranças de povos tradicionais reivindicaram o reconhecimento do poder público durante o seminário realizado na Câmara Federal, atendendo a requerimento do deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL/PA), na quarta-feira (9), por intermédio da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra).
O objetivo do seminário foi debater as diretrizes para as políticas de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais. Na ocasião, deputados federais de vários estados assinaram o requerimento para a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais com Participação Popular, iniciativa de Edmilson junto aos colegas. Assinaram o requerimento de criação da frente os deputados Áurea Carolina (PSOL-MG), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Joenia Wapichama (Rede-RR), Erika Kokay (PT-DF), Valmir Assunção (PT-BA) e Nilto Tatto (PT-SP).
“Essa audiência pública se constituiu em uma grande oportunidade de reunir experiências que evidenciam a centralidade dos saberes tradicionais na construção de um novo modelo de desenvolvimento social e econômico baseado na riqueza e na complexidade que a ciência empírica que esses saberes acumulados têm a nos oferecer”, destacou Edmilson.
“Esse debate pretende também interferir com contribuições relacionadas à questão ambiental, à legalização das terras quilombolas, das terras tradicionais, à implantação de novas unidades de conservação. O Brasil terá muito mais chance de se modernizar científica e tecnologicamente respeitando as nossas comunidades tradicionais”, afirmou.
Quilombolas
Existem, no Brasil, mais de 6 mil comunidades quilombolas, segundo Coordenação Nacional de Quilombos, onde moram 16 milhões de brasileiros. Só em Mato Grosso do Sul há 23 comunidades, que produzem frutas, verduras e frango, vendidos em cidades como Campo Grande. No Pará, há quilombos como o do Abacatal, de 309 anos de existência, onde vive Vanuza da Conceição.
“A gente vive da agricultura familiar, dos derivados de mandioca, farinha, tucupi, goma, da criação de galinha caipira, porcos, produção de frutas regionais e a nossa produção é vendida em Ananindeua, que é o segundo município do estado do Pará e é assim que a gente pretende continuar”, conta ela.
Parque x Reserva
Em Minas Gerais vivem os apanhadores de sempre-viva, uma flor usada em artesanatos e decoração. Há pessoas que vivem desse trabalho em 15 municípios. Apesar de antigas, as comunidades se uniram apenas em 2010, com conflitos relativos à criação do Parque Nacional de Sempre-Vivas.
O parque foi criado em 2002 para preservar os recursos naturais e a diversidade biológica e proporcionar pesquisas, educação e turismo na região, o que diminuiu o território de acesso dos apanhadores. As comunidades lutam para serem mais ouvidas antes de quaisquer decisões sobre esse território e algumas pedem a recategorização da Unidade de Conservação, alterando-a para uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável.
A mil quilômetros a nordeste dali estão as catadoras de mangaba de Sergipe, que se dizem vítimas da especulação imobiliária. A representante do Movimento de Catadoras de Mangaba, Alícia Moraes, afirma que a produção vem diminuindo por causa da especulação imobiliária e do avanço das plantações de cana-de-açúcar e eucalipto. “No estado de Sergipe, baseado nos últimos dados, temos cinco mil famílias que sobrevivem da mangaba e da pesca”.
O grupo se uniu aos pescadores em 2007 para criar uma reserva extrativista no sul do estado, que até hoje não foi reconhecida. Nos últimos tempos, o grupo vem produzindo derivados da fruta, como licor, geleia, biscoito, o que aumentou a renda, apesar da diminuição da área.
Legislação
Em 2007, o Decreto 6.040/07 estabeleceu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com a finalidade de buscar reconhecimento e preservação de outras formas de organização social por parte do Estado.
Entre os participantes do evento estavam Vanuza da Conceição Cardoso, representante do Quilombo do Abacatal do Pará; Raimundo Kanmannanjy, da Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTYU); Claudia Sala de Pinho, da Rede Comunidades Tradicionais Pantaneira e Presidente do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT); João Bosco, da Rede Grupo de Trabalho Amazônico; Maria de Fátima Alves, que falou em nome das Apanhadoras de Sempre Viva; Alicia Moraes, do Movimento de Catadoras de Mangaba; Carmo Thum, do povo Pomerano, que vive no Sul do Brasil e Jhonny Martins, coordenador nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).
“Seguimos na articulação e na defesa de um novo modelo de desenvolvimento para o nosso país, que seja sustentável, justo, democrático, e possa oferecer novas formas de se viver em sociedade, inspirado e baseado nos saberes milenares dos povos indígenas, nas tradições dos povos de terreiro, dos povos ribeirinhos, das pescadoras, enfim, das comunidades e povos que usam os diversos territórios e recursos naturais do Brasil de forma sustentável, e que podem nos ensinar como podemos cuidar da natureza e do planeta em que vivemos”, finalizou Edmilson.
Crédito Vinicius Loures/ Câmara Federal
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília