Eleições das mesas diretoras do Congresso agitam recesso parlamentar

Polarização na Câmara. Mistério no Senado

Continua depois da publicidade

Brasília – Quem acredita em Papai Noel, Saci Pererê e Mula Sem Cabeça é porque não conhece os bastidores — reais, embora também folclóricos —, de uma eleição à Presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que agitam, em capítulos semanais, o recesso parlamentar do legislativo federal iniciado em dezembro.

O quadro é como uma novela da vida real, onde traições escancaradas viram sinônimo de algo mais brando, que alguns preferem chamar pelo elegante substantivo feminino “dissidência”.

A eleição é secreta, não há votação nominal que explique cada voto, o que serviria como teste da fidelidade da base aliada e também da própria oposição. Deputados e senadores da base do governo e oposicionistas comentam as dissidências em ambos os lados e dizem quais serão as conseqüências para os deputados que não votaram de acordo com a orientação partidária ou vontade do governo para eleger o candidato de seu grupo. Tudo, é claro, aos sussurros de pé de orelha. Como um namoro adolescente.

Jogo pesado

Há muito em jogo, e ele é pesado e já tem data marcada. As eleições no dia 1º de fevereiro, data da eleição, marcam a segunda metade do mandato de deputados. No Senado, um terço dos senadores finaliza o mandato em 2020, e, outro grupo, eleito em 2018, o equivalente aos outros dois terços, crava 25% de tempo de mandato.

Mas, não é só. O candidato que supostamente conta com o apoio do governo federal, negocia em segredo com os colegas eleitores, cargos na estrutura federal nos Estados e no Distrito Federal. Liberação de emendas para as bases dos parlamentares, e dependendo da liderança, uma vaga assegurada na Mesa Diretora. O opositor tem apenas a lábia, o que o enfraquece na disputa.

Composição

A Mesa Diretora é composta pela Presidência, integrada por um presidente e dois vice-presidentes, e pela Secretaria, que conta com quatro Secretários e quatro suplentes de Secretário. A competência de cada um de seus membros é definida em ato que deve ser publicado dentro de 30 sessões após a composição da Mesa, sendo que terão a competência da sessão legislativa anterior enquanto não for publicado tal ato.

A Mesa reúne-se ordinariamente de forma quinzenal, e, de forma extraordinária, sempre que for convocada pelo Presidente ou por quatro membros efetivos.

Presidente da Mesa

O presidente da Mesa, é o representante da Câmara quando esta se pronuncia coletivamente, além de ser o supervisor de seus trabalhos e de sua ordem.

Ele é o terceiro na linha sucessória do Presidente da República, vindo a ocupar o cargo na falta do Vice-Presidente, além de integrar o Conselho de Defesa Nacional e ser o chefe supremo da Polícia Câmara.

Polarização

A disputa está polarizada antes mesmo da escolha do candidato da preferência do ex-Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O deputado Baleia Rossi (MDB-SP) foi por Maia, para ser seu candidato na disputa pela sucessão na Casa.

Os principais partidos de oposição ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) divulgaram uma carta de apoio a Baleia Rossi (MDB-SP) na da segunda-feira (4). Mais cedo, os deputados do PT decidiram embarcar na candidatura do emedebista.

Assinam o documento, além do PT, PSB, PDT PC do B e Rede. As cúpulas dos partidos são antibolsonaristas e querem derrotar Arthur Lira (PP-AL), candidato favorito de Jair Bolsonaro no pleito. No entanto, há deputados insatisfeitos com a decisão dentro de várias dessas legendas. Portanto, está aberta a temporada de traições porque o voto é secreto.

Na carta, os partidos de oposição afirmam que Baleia Rossi se comprometeu com alguns temas caros a eles, de enfrentamento ao governo Bolsonaro. As legendas dizem que pretendem “utilizar todos os instrumentos constitucionais destinados a assegurar o respeito à Constituição, às leis e à democracia, como as CPIs, convocação de autoridades e decretos legislativos, inclusive a análise e resposta institucional sobre crimes, por ação ou omissão, que afetem a vida do povo, imputados a autoridades do Poder Executivo”.

Também cobram que sejam pautados projetos para promover acesso universal a alguma vacina contra o coronavírus e a criação de um programa de renda emergencial ou ampliação do Bolsa Família. Segundo as siglas, Baleia topou o compromisso.

O Psol, que também se opõe ao governo de Jair Bolsonaro, mas não assinou a carta. A sigla ainda discute lançar candidato próprio.

Estratégia

Os partidos de oposição são peça fundamental na estratégia de Baleia Rossi para tentar bater Lira. Se os integrantes dessas siglas não o apoiarem de forma sólida na eleição, suas chances contra o candidato do PP são quase nulas.

Setores das siglas, porém, têm entusiasmo muito menor com Baleia Rossi do que os caciques das legendas. Lira negociou apoios no varejo e, por ser próximo do governo, tem o poder de influenciar na liberação de verbas para obras nas bases eleitorais dos deputados. Esse tipo de recurso é fundamental para a sobrevivência política da maior parte dos deputados.

Também é comum que congressistas apoiem o candidato mais forte, que no momento é Lira, porque o presidente da Câmara é quem define, por exemplo, os relatores de projetos de lei.

Ser relator de propostas importantes dá visibilidade para o político. Quem fica contra o candidato vencedor costuma ter menos acesso a esses postos.

No caso do PT, ainda pesa a proximidade de Baleia Rossi com Michel Temer, a quem os militantes da sigla atribuem a autoria de um golpe de Estado para retirar Dilma Rousseff da presidência da República e tomar conta do Palácio do Planalto em 2016.

Na votação em que decidiram apoiar Baleia Rossi, só 27 dos 52 deputados petistas votaram pela adesão à candidatura do emedebista. Outros 23 queriam um candidato próprio.

Antes, em dezembro, 18 deputados do PSB manifestaram em reunião simpatia pela candidatura de Arthur Lira. Somando os 2 casos, são 41 deputados que já se mostraram pouco propensos a apoiar o candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara até o dia 1º de fevereiro. No total, as siglas que assinam o documento têm 119 integrantes na Casa.

Maia é o principal articulador da candidatura de Baleia. Quando da reunião do PSB, a candidatura do emedebista ainda não havia sido definida. O que se sabia era que haveria um candidato de Rodrigo Maia.

Os articuladores da campanha de Lira julgam que poderão receber votos também de deputados do PDT. No entorno do candidato fala-se em algo de 270 a 280 votos pró-Lira. Se todos os 513 deputados votarem, são necessários 257 apoios para se eleger presidente da Câmara.

A votação para presidente da Câmara é secreta. Isso significa que as cúpulas dos partidos não têm como saber quem votou em quem e, assim, punir os filiados que descumprirem sua recomendação.

Presidente é quem define pauta

Quem vencer a eleição será em 1º de fevereiro ficará à frente da Casa por dois anos. Para o governo é importante ter um aliado à frente da Câmara porque é o presidente da Casa quem define quais projetos os deputados analisarão.

Se o Planalto quiser afrouxar as leis sobre armas, por exemplo, a proposta só sai do papel se os presidentes da Câmara e do Senado colocarem em votação.

Campanhas

O deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato a presidente da Câmara, está há meses em campanha. Na terça-feira (5), participou de uma série de reuniões com governadores da região Norte em busca de apoio na eleição da Casa.

Os dois primeiros governadores com os quais ele se reuniu são de partidos que estão no bloco de Baleia Rossi (MDB-SP), seu adversário na disputa pela presidência da Câmara.

Lira se reuniu pela manhã com Waldez Góes (PDT), governador do Amapá, em Macapá. Depois, foi a Belém (PA) conversar com Helder Barbalho (MDB), pela parte da tarde.

Ele também teve contato com deputados dos respectivos Estados. Governadores são procurados por candidatos a presidente da Câmara porque têm influência sobre as bancadas estaduais. Também costumam ser poderosos dentro de seus próprios partidos.

Nesta quarta-feira (6), Arthur Lira está em a Boa Vista (RR) e Manaus (AM). Na quinta-feira (7), será a vez de Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO). Também deverá se encontrar com os governadores e deputados dos Estados. Os mandatários desses Estados são:

Roraima – Antonio Denarium (sem partido);

Amazonas – Wilson Lima (PSC);

Acre – Gladson Cameli (PP);

Rondônia – Marcos Rocha (sem partido).


Lira é o candidato mais forte à presidência da Casa e o favorito de Jair Bolsonaro para o cargo.

Baleia Rossi está em início de campanha. Ele também deverá viajar aos Estados antes da eleição, mas optou por não divulgar a sua agenda, pelo menos por enquanto. Na segunda-feira (4), Baleia Rossi recebeu apoio do PT depois de uma votação acirrada na bancada da sigla.

Palácio do Planalto

O processo eleitoral é acompanhado de perto pelo Palácio do Planalto. É do interesse do governo ter um aliado como presidente da Câmara porque quem ocupa o cargo define quais projetos os deputados analisarão.

O governo foca na Casa Baixa porque teve diversos atritos com Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Casa. Baleia é o candidato de Maia.

Davi Alcolumbre (DEM-RJ), presidente do Senado, causou problemas menores ao Palácio do Planalto.

Se os 513 deputados votarem, serão necessários 257 votos para se eleger presidente da Câmara. No Senado, são necessários 41 dos 81, se todos votarem.

Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília