Protestos, xingamentos e pressão total nas redes sociais de eleitores de todos os campos ideológicos, que revoltados apelidaram a proposta de emenda à Constituição que trata de uma anistia a partidos que não cumprem a Lei Eleitoral, de “PEC do Esculacho”, nada demoveu os deputados que deram de ombros e votarão, nesta quarta-feira (20), na comissão especial criada para analisar a matéria — que deve ser aprovada com folga — e de lá seguir para votação em primeiro turno no Plenário da Câmara dos Deputados, em total dissonância com a opinião pública.
A matéria é considerada um estímulo à desobediência às leis que é formulada na própria Casa onde é criada, votada e aprovada. Um verdadeiro esculacho, na opinião dos críticos.
O relator da proposta, deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), propôs na terça-feira (19) a criação de cotas de vagas para mulheres no Legislativo. Se a proposta for aprovada, 15% das cadeiras de vereadores terão de ser ocupadas por mulheres já na eleição de 2024. A partir de 2026, haverá reserva de 20% das vagas para mulheres na Câmara dos Deputados e assembleias legislativas.
O texto ainda pode ser alterado até a votação. A cota que existe atualmente é apenas de candidaturas. Hoje as chapas para o Legislativo precisam ter pelo menos 30% de candidatas mulheres, que precisam receber recursos do fundo eleitoral proporcionais à quantidade de candidatas. A nova cota seria de eleitas.
A reserva de cadeiras será levemente superior ao atual percentual de deputadas federais (18%), mas deverá levar a percentual maior do que os 20% da cota porque cada Estado fará a contabilidade de forma separada e hoje há unidades da federação que não possuem representantes mulheres. Além disso, em 948 municípios não foram eleitas vereadoras em 2020.
Paralelamente, o relator flexibilizou a cota de candidatas mulheres. Os partidos terão que reservar 30% das vagas da chapa para elas, mas não serão punidos se não as preencherem. Também proíbe a cassação dos eleitos por chapas que descumpriram essa regra na eleição passada.
Por outro lado, a PEC estabelece anistia aos partidos políticos e os livra de qualquer punição, inclusive criminal, por irregularidades no uso do dinheiro público ou de doações privadas, quando isso era permitido. As únicas punições possíveis ocorrerão caso fique comprovado que o uso de recursos público “em benefício de dirigentes partidários”.
O relatório veio a público nesta terça-feira (19) e gerou uma onda de protestos em todo o Brasil nas redes sociais. Continua a reduzir a destinação de recursos para candidaturas de pardos e negros. Hoje, por decisão do Judiciário, os recursos devem ser equivalentes ao número de candidatos — regra que não foi respeitada por nenhum partido na eleição passada. A PEC estabelece que 20% do fundo eleitoral será reservado a esses candidatos. “É a Casa da Mãe Joana”, gritou um deputado que a reportagem do Blog do Zé Dudu não conseguiu identificar no tumulto formado.
Desde o início da semana, circulou na Câmara a notícia de que o clima seria ameno e a pauta direcionada para a votação de projetos de autoria dos deputados e tratados internacionais, sem grandes polêmicas, afirmaram líderes partidários após a reunião para decidir a agenda de plenário da semana.
Com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), fora do país para acompanhar a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), coube ao vice-presidente, Marcos Pereira (Republicanos-SP), conduzir a reunião do Colégio de Líderes e decidir a pauta.
Pereira colheu sugestões dos partidos sobre o que deveria ser votado e afirmou que iria elaborar a lista de projetos que pretende colocar em votação. O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), disse que a intenção é que sejam analisados apenas requerimentos de urgência e projetos dos deputados que não envolvam polêmicas.
Lira havia orientado que a proposta de emenda constitucional (PEC) da anistia dos partidos fosse votada nesta quarta-feira (20/9), mas a maioria dos partidos pediu o adiamento por divergências na bancada feminina da Câmara. “A priori, pela posição da maioria dos líderes, não [será votada esta semana]”, afirmou Pereira. “Mas até a noite, pode mudar, estamos conversando”, disse, na terça-feira.
Parte dos líderes pediu a Pereira que converse com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a disposição para votar a minirreforma eleitoral, após os senadores não garantirem a votação dentro do prazo necessário para que as alterações aprovadas na Câmara na semana passada possam valer para as eleições municipais de 2024. O entendimento é de que os deputados não devem ficar com o desgaste de votar as questões eleitorais se não houver compromisso dos senadores de que serão também aprovadas na Casa revisora.
Há, também, divergências com a bancada feminina. A PEC da anistia livra os partidos de punição por descumprimento das cotas de gênero nas eleições passadas, mas a bancada feminina cobra, como contrapartida, a criação de uma cota obrigatória de preenchimento das vagas por mulheres (a que existe hoje é de um mínimo de 30% de candidaturas). Não houve consenso, contudo, para inclusão dessa proposta dentro da PEC da anistia até agora.
Pereira só definiu, por enquanto, a pauta de quinta-feira (21/9): serão votados dois tratados internacionais no âmbito do Mercosul, para garantir a validade de certificados de assinatura digital nos países signatários e para acabar com a cobrança de roaming (taxa adicional de telefonia por estar em áreas fora da zona de cobertura da operadora) entre países do bloco.
O Blog do Zé Dudu está acompanhando os bastidores do assunto e vai atualizar o desdobramento dos fatos no decorrer desta quarta-feira.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.