Numa quinta-feira, depois de praticamente duas horas de conversa num gabinete amplo e silencioso anexo ao Palácio do Planalto, o senhor atencioso aos interlocutores pediu mais um café ao garçom e, ao chefe de gabinete, que lhe trouxesse uma carta recém-recebida: uma crônica de uma procuradora aposentada de São Paulo, que contava quão era merecedor de bênçãos divinas por ser forte diante do câncer que o golpeia. Ele lia calmamente o documento para a dupla de jornalistas à sua frente, sem sobressaltos na pronúncia, quando tropeçou vítima da emoção. Àquela altura, seus olhos já marejavam. Ele retirou os óculos, perdeu a fala e chorou. Pediu a um dos repórteres que continuasse a leitura. E assim foi feito.
Foi uma surpresa ver o choro do vice-presidente da República – e presidente em exercício àquele momento – José Alencar Gomes da Silva. “Só peço a humildade. Tenho tido um apoio incomum, uma grande corrente de orações”, explicou, ao ser questionado, minutos depois, sobre o que faltava à sua vida de vitórias por suas lutas (desta vez, pela saúde).
Alencar está feliz, otimista quanto à cura de seu câncer, e isso não tem mudado sua rotina. “Eu? Não tenho férias”, brincou.
Nesta entrevista ao Jornal do Brasil, o vice-presidente mostra porque não foi só a sombra do poder do chefe-da-nação Luiz Inácio Lula da Silva. Os mais de 400 dias que já passou à frente do governo, como interino, deram-lhe destreza para lidar com situações delicadas a ponto de ganhar o respaldo do chefe – “Lula nunca perdeu uma noite de sono, porque sabia que eu estava aqui”, conta.
Alencar, ao melhor estilo dos mineiros, evita polêmicas. Desconversa sobre o melhor vice para Dilma Rousseff, a candidata do PT. Diz que o jeito durão da aliada é virtude, e a comparou a Margareth Thatcher. Revelou que Lula tem “verdadeiro pavor da inflação”, e por isso sabe conduzir bem a economia, embora a política monetária seja um “equívoco” – nesse contexto, voltou ao discurso que o consagrou: crítica ferrenha aos juros altos. A ponto de fazer uma comparação que soaria provocação de adversário em campanha: se o Brasil economizasse com a queda dos juros, ganharia no mínimo 10 PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Mas, para Alencar, que evidencia o respeito ao chefe em todas as decisões dele, Lula é incomparável. O vice também, diria um brasileiro que passasse alguns momentos com Alencar.
No Leia Mais a íntegra da entrevista.
JB – Entrando na reta final do governo Lula, o que mais marcou o senhor nesses sete anos de vice-presidência?
R- É aquela história: comigo aconteceu um fato interessante, porque muita gente não entendeu bem, na época, a aliança que foi feita com o Lula, isso em 2002. E não entendeu porque não podia admitir que uma liderança sindical representativa dos trabalhadores, como era o Lula, fizesse uma aliança com uma liderança, também sindical, porém, representativa dos empregadores. Porque, como vocês sabem, eu fui presidente do Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem, em Minas Gerais, e depois fui presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, que é uma entidade sindical. Sou presidente de honra dela, assim como sou presidente de honra da Associação Comercial de Minas e da Associação Comercial de Caratinga, na qual ingressei aos 18 anos de idade. Então, a minha liderança no campo das entidades representativas das classes produtoras é uma liderança longa, uma participação grande, antiga. Porém, a gente sempre, nas reuniões, e mesmo fora delas, em encontros informais, almoços, ou coisa que o valha, a conversa da gente sempre tinha uma predominância de consertar o Brasil. A gente sempre criticando, tem aquele espírito público. Então aquele espírito público está presente também nas entidades de classe representativa dos trabalhadores e dos empregadores. Então aquela aliança deu muito certo. Agora, se você me pergunta o que aconteceu durante esse período, posso dizer que praticamente tudo que eu esperava do Lula ele fez. Só uma coisa que ele me surpreendeu e surpreendeu o Brasil inteiro. Foi o fato de que ele vai passar para a história como o presidente que maior serviço prestou ao Brasil no campo dos negócios externos. Nunca na história republicana ou antes dela o Brasil fez um trabalho dessa magnitude nas relações internacionais. E o Lula não tinha, pelo menos aparentemente, perfil para isso.
JB – Esse foi o aspecto que mais o surpreendeu?
R – Exatamente, porque ele não tinha perfil para isso. Tanto que eu falava, por exemplo, eu tenho fábrica em Natal. Então falava em Natal nas reuniões, nos comícios, eu dizia: “O Lula vai ganhar a eleição”. Nós fizemos a campanha separados, quando eu estava no norte ele estava no sul e assim por diante. Pois bem, eu dizia: “O Lula vai ganhar a eleição e ele vai viajar muito. Não para o exterior. Ele vai viajar muito mas é para aqui no Brasil. Então eu não vou assumir nunca a Presidência da República. Eu gosto muito aqui de Natal, gosto das praias, gosto do povo, gosto da comida aqui de Natal, então já falei com minha mulher, nós vamos nos mudar para aqui. Não vou assumir mesmo…” Agora, há pouco tempo, uma senhora falou comigo: “Olha, teve um compromisso de campanha que o senhor não cumpriu. O senhor falou que ia mudar para Natal, as coisas subiram de preço lá e o senhor não mudou coisa nenhuma”. Aí eu disse: “Eu falei que o presidente Lula não ia viajar para o exterior, então eu não ia assumir nunca. Mas ele viaja muito, não é verdade?” Mas a grande novidade para mim é essa, e a novidade grata, porque isso tem feito um bem ao Brasil muito grande. Ninguém pode imaginar como a gente hoje é recebido em qualquer parte do mundo, mesmo no extremo Oriente. O Brasil hoje é conhecido como um país presente, sério. E é o Lula.
JB – Tem alguma conquista da política externa que o senhor destacaria?
R – Eu destaco justamente esse fato de fazer crescer o prestígio do Brasil no conceito das nações. Isso é uma coisa importante. Hoje o Brasil se assenta à mesa. Essa luta para entrar como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU… Isso vai acontecer porque respeitabilidade conquistada pelo Brasil é muito grande. Não tem mais sentido, também, uma reunião de que não participe o Brasil, e por força da liderança do Brasil imposta pelo Lula, outros países, também, que precisam participar e vão participar. Como é o caso, por exemplo, da África do Sul.
JB – O senhor fala das conquistas do país, no mercado exterior, inclusive. A balança comercial não foi boa em 2009.
R – Aí já é um problema da economia, porque você sabe que nós estamos convivendo com uma política monetária, na minha opinião, equivocada. Toda essa força da economia brasileira, hoje, advém, apesar da política monetária. Não estou falando da política econômica como um todo, estou falando da política monetária. Estou me referindo à taxa de juros, ao custo a que nos leva à rubrica representativa dos juros com que nós rolamos nossa dívida. Nós vamos gastar, em oito anos, coisa parecida como R$ 1,3 trilhão de juros, quando nós podíamos gastar a metade, e teríamos economizado R$ 600 bilhões. Se considerar a parcela do governo federal do PAC, que é de R$ 60 bilhões, seriam 10 PACs. Então isso é um absurdo e desnecessariamente, porque se fosse a metade a taxa nominal durante esse período, e que nos desse essa economia de R$ 600 bilhões, porque foi a metade, ela, ainda assim, do ponto de vista real, seria várias vezes superior à taxa básica média real do mundo. Isso é um absurdo.
JB – Então a taxa de juros custou ao Brasil 10 PACs?
R – Se considerar a parcela do governo central, porque o PAC tem até empresas privadas que participam dos investimentos do PAC. A Petrobras, por exemplo, participa com três vezes o que a União participa.
JB – O senhor foi também, nesses sete anos, um crítico persistente da política de juros do governo, juntamente com outros setores do governo. Por que não foi possível criar uma articulação, um movimento dentro do governo para redirecionar essa diretriz da política de juros?
R – Eu atribuo, não posso afirmar, eu imagino, porque o Lula tem o estilo dele, mas a responsabilidade maior é dele, porque ele é que é o presidente. E o Lula tem um modo de ser que eu até respeito. Ele, por exemplo, é muito bem orientado pela equipe de assessores que ele tem, que são os ministros de Estado e outros auxiliares de primeiro escalão, assessores até de fora do governo, conselheiros, mas ele não procura um médico se ele precisar de fazer uma estrada. Ele procura um médico se ele estiver com dor de barriga. Mas ele tiver com dor de barriga ele não procura um engenheiro, não, ele procura um médico. Então ele sabe que o José Alencar não é economista. Então ele tem que ouvir os economistas. Ele também não é, então ele tem que se valer da orientação daqueles que estão em condições do ponto de vista acadêmico, do ponto de vista de conhecimento teórico ou mesmo prático da economia. Não é o caso do José Alencar. Então o que estou falando é que aceito contestação, mas é preciso que tenha contestação capaz de me convencer e por enquanto não houve. Eu não posso, de forma alguma, adotar uma medida de taxa de juros nessa proporção para combater uma inflação cujo diagnóstico eu discordo. Por que eu discordo desse diagnóstico? Porque a inflação de demanda pressupõe excesso de demanda. Então é preciso que haja uma taxa de juro alta para que? Para inibir o consumo. Mas o Brasil ainda é um país de subconsumo. É claro que nós consumimos tudo que precisamos, mas tem muita gente que não consome nem o essencial. Então você não pode achatar o consumo de quem não consome. O economista pode contestar: “Mas é a demanda agregada e como um todo há uma demanda. E essa demanda crescente precisa ser diminuída para combater a inflação”. Eu discordo, mesmo porque o presidente Lula, especialmente o ano passado, com esse problema da crise, pedindo às pessoas para não parar de comprar, para gerar emprego, pedindo às empresas para fazer investimento. Pois bem: a taxa de juros alta inibe também os investimentos, porque você não vai investir numa atividade produtiva, se essa atividade não remunera o custo de capital. O capital é apenas um dos fatores de produção. Então eu vejo o Lula dizendo: “Vamos comprar, vamos gerar emprego, vamos investir”. E a política monetária agindo diametralmente de forma oposta.
JB – Ele teve de fazer desoneração de IPI…
R – Aí já são medidas pontuais. Eu não gosto muito dessas medidas porque elas acabam levando a uma dose de subjetividade. Você pega, por exemplo, e diz: “Vamos reduzir o IPI da indústria automobilística”. Então vem o outro e diz: “Vamos reduzir também da indústria de bicicleta”. Eu falei, porque lá em Ubá tem 300 fábricas de móveis. Nós estamos dando redução de IPI para linha branca, porque não damos para a linha marrom, que são os móveis, uma coisa fantástica, não há um desemprego graças a essa indústria. Então demos.
JB – E vai durar até quando?
R – Acho que precisamos é de uma reforma tributária capaz de corrigir todas essas discrepâncias que prejudicam alguma coisa da economia.
JB – O senhor atribui, então, a lentidão na redução da taxa de juros a uma confiança do presidente Lula na diretriz do Henrique Meirelles?
R – O Brasil conviveu, durante muitos anos, com uma inflação muito alta. Houve determinados governos em que a inflação chegou a coisa de 80% ao mês. Isso é uma coisa despropositada, uma coisa terrível. Então, o Lula é muito sensível à questão de orçamento, especialmente do pessoal menos favorecido, o pessoal de salário fixo. E ele sabe, porque ele viveu isso, que uma inflação, a primeira camada da sociedade que sofre com o efeito da inflação é quem tem salário fixo. Porque inflação, quando é muito alta, ela destrói o salário, na primeira semana o dinheiro já está desvalorizado. Então ele tem verdadeiro pavor de inflação. Isso é uma qualidade extraordinária. Então ele disse: “Vamos trabalhar com um sistema de metas de inflação”. Ou então combina politicamente qual é a meta. A meta é 4%, então o centro da meta é esse. E aquilo tem uma equação para que os técnicos acompanhem para ver o que precisa ser feito dentro daquela coisa das metas de inflação. Eu não entendo disso porque não sou técnico. Acho que a inflação brasileira, esse saldo de inflação que tem aí, tem duas razões básicas, na minha opinião. A primeira delas é a força inercial de uma inflação por longo tempo no Brasil. Então isso criou um certo clima favorável a conviver com alguma inflação. O outro fator é que aquela inflação trouxe a chamada correção monetária, que foi um desastre, porque ainda que ela corrigisse, ela nos ensinou a conviver com inflação e nós convivemos uma vida com inflação que foi danosa para a economia brasileira graças à correção monetária. Mas, com a criação do Real, devia ter acabado a correção monetária. O Real veio para ficar como uma moeda igual a qualquer uma outra moeda forte do mundo onde não tem correção monetária. Mas o que eles fizeram? E aí no governo passado. Eles começaram a privatizar, especialmente determinadas atividades monopolísticas, porque são concessionárias de serviço público. Por exemplo, você produz energia e distribui energia numa determinada região do país. Você é o único. Então existe um contrato de concessão, você é concessionário daquele serviço. Nesse contrato de concessão eles adotaram uma cláusula de correção monetária baseada no IGP-DI ou IGPM. E todo mundo sabe que naquele momento o IPCA, que mede a inflação, foi muito inferior ao IGP-DI e ao IGPM. Então os preços de energia subiram mais e pressionaram um pouco a inflação, por causa da correção monetária que nunca deveria existir naqueles contratos. Por que? Porque as agências reguladoras, que têm que verificar periodicamente como estão as contas para ver se precisa realmente de subir 0,2% ou não.
JB – O senhor diria que a política de privatização do governo FHC foi acertada, desse ponto de vista?
R – Não. A política de privatização, na minha opinião, foi um desastre. Você que eles venderam trinta e poucos pontos percentuais do capital votante da Petrobras desnecessariamente e contra a minha posição, porque eu era senador na época. Falei com o presidente Fernando Henrique, ele mandou o Parente ir ao meu gabinete no dia seguinte, o Parente foi, eu falei, e eles na corrida eles passaram a venda das ações da Petrobras. O Brasil tinha coisa parecida com 85% do capital votante da Petrobras, passou a controlar a Petrobras com cinquenta e poucos porque trinta e poucos foram vendidos naquele pacote. E o pior é que as ações ordinárias, com direito a voto, valiam menos do que as ações preferenciais em bolsa. Então a Petrobras, se precisasse de dinheiro, poderia ter lançado um aumento de capital em preferenciais sem perder um ponto percentual do controle que estava em oitenta e poucos por cento.
JB – Hoje 62% dos dividendos são pagos na Bolsa de Nova York. Está gerando riqueza lá fora…
R – Não só gerando riqueza lá fora, como também o controle exercido mais estreito, como está sendo, de 51, 52%, não sei… Sou muito a favor… Você tem que ver a história da Petrobras. No início dos anos 50, em 1954, foi criada a Petrobras pelo Getúlio, no período constitucional dele.Antes um pouco veio ao Brasil um técnico que fez um relatório afirmando que no Brasil não havia petróleo. Nenhum grupo privado faria a Petrobras. Então tem hora que o Estado tem que entrar. Nós temos que prestigiar o Estado em determinadas ações estratégicas e essa é uma delas. Todo mundo aqui fica elogiando a China. Vamos elogiar a China, sim. Mas não pense que a China fez a abertura da economia nas áreas estratégicas, não. Isso ela não fez. E nem a política, porque a política lá é hermeticamente fechada. Quero ver o dia que a China abrir uma fresta de luz para a liberdade, para ver o que pode acontecer lá. Porque nós acreditamos na democracia. É claro que é mais difícil, como o Wilson Churchill, “a democracia é um péssimo regime”. Só que não há outro melhor.
JB – O senhor falou da importância de uma reforma tributária no pais. Entrando no campo da reforma política, tanto se prometeu, foi governo FHC, e o do presidente Lula já chega ao fim e nada foi feito. O que faltou?
R – Essa é a primeira que precisa ser feita. Veja bem, é aquela história, no regime democrático as coisas demoram um pouco porque você sabe que nós temos três poderes independentes. Isso aí vem de Montesquieu. Não adianta, tem que ser através do Legislativo. Então a reforma tributária é feita através de emendas, até constitucional, assim como a reforma política. Então depende do Congresso Nacional, mesmo que não seja objeto de emenda constitucional, pode ser de leis menores, mas não importa.
JB – Mas leis menores já estão sendo aprovadas, inclusive são consideradas paliativas.
R – É a tal mitigação, começa a discussão e as pessoas começam a transigir. Daí a pouco perde aquela força inicial que a proposta nasceu. Às vezes a proposta nasce muito mais forte do que depois é aprovada.
JB – Há uma proposta de uma PEC já em tramitação avançada para a realização de plebiscito para realização de uma Assembleia Nacional Constituinte, de 180 parlamentares, exclusiva para a reforma política, inclusive a pedido do presidente Lula. O senhor acredita que ela passa?
R – Sou favorável, sim, ela é absolutamente essencial para o Brasil. A reforma política é a reforma das reformas.
JB – E o senhor acredita que ela só tem como ser feita dessa maneira, com Assembleia Constituinte exclusiva? Porque ela muda as regras para eleger deputados e senadores que estão lá, ou seja, eles estão sendo, em alguma medida, beneficiados…
R – Quando se trata de um assunto dessa magnitude, de interesse maior para o país, justifica uma decisão dessa, de convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva, sem nenhum desapresso ao Congresso.
JB – Dois pontos dentro desse contexto: O senhor é a favor da reeleição e a favor do suplente virar senador sem um voto?
R – Isso aí também faz parte de itens que podem ser tratados numa reforma política. A gente não pode falar isoladamente sobre isso. Mesmo a Vice-Presidência da República, porque houve uma modificação, a Constituição de 1946 elegia o vice-presidente diretamente e hoje, não. Eu, por exemplo, sou vice-presidente graças à eleição do Lula, porque ninguém vota no vice, vota no titular. Agora no caso do Senado ainda é pior, porque no caso do Senado não há nem mesmo a figura do suplente, o seu suplente vai automaticamente.
JB – Nesse caso o senhor é a favor do fim do suplente?
R – Eu sou a favor, desde que haja necessidade de suplência, se há, porque trata-se uma eleição majoritária, que seja um, e que seja eleito, assim como era a Constituição de 1946 para a Vice-Presidência.
JB – E reeleição?
R – Não sou contra a reeleição. Mas é aquela história: cada país tem a sua cultura. Nós experimentamos também na Constituição de 1946 os cinco anos sem reeleição. E os cinco anos sem reeleição deram ao Juscelino tempo para fazer um excelente governo, um governo de grandes realizações. Então talvez um governo de cinco anos sem reeleição fosse melhor do que com reeleição. Porque de qualquer maneira o primeiro mandato fica na expectativa do segundo e isso perturba muito. O Lula tem procurado evitar que isso faça qualquer perturbação na vida administrativa da nação, mas de qualquer maneira isso não é bom. Talvez o ideal fosse cinco anos sem reeleição. Mas isso tem que ser muito debatido, as leis não se fazem, assim, pela vontade de um. Por isso as leis têm que ser feitas pelo Congresso, não adianta.
JB – O grande representante dessa política monetária que foi tão criticada pelo senhor nesses sete anos é o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Especula-se que o presidente Lula poderia ter uma preferência pelo nome do Meirelles como o vice de Dilma. O senhor veria com resistência a indicação do Henrique Meirelles para formar uma chapa com a Dilma?
R – O meu partido é o Partido Republicano Brasileiro (PRB). Tem aquela história da não-intervenção e autodeterminação em relação aos povos. Vou adotar esse mesmo critério em relação aos partidos. Acho que isso é questão de autodeterminação partidária e eu não pertenço ao PT.
JB – O senhor imagina quem seria o vice ideal para a Dilma?
R – Só ela, porque o candidato titular é que tem a maior credencial para indicar o vice ideal porque isso depende de uma convivência, uma confiança. Você sabe, eu já assumi a Presidência por mais de 400 dias e o Lula faz questão de dizer que nunca perdeu nenhum minuto de sono – ele fala – enquanto está viajando, porque sabe que estou aqui, e nunca precisou combinar nada comigo. E é verdade. Então o vice tem que ser uma pessoa da estrita confiança do titular.
JB – O senhor acredita que o Michel Temer é de estrita confiança da Dilma?
R – Isso é uma pergunta que eu não tenho como responder, porque isso é uma coisa muito pessoal. Só ela pode dizer. Eu tenho pelo presidente da Câmara, deputado Michel Temer, o maior apreço. Eu já pertenci ao PMDB. Quando ele assumiu a presidência do PMDB, daquela primeira vez, ele me convidou para aceitar a vice-presidência nacional do partido. Eu aceitei, fui vice-presidente dele. Então nós nos damos muito bem, eu gosto muito dele, tenho maior apreço por ele, o maior respeito por ele. Agora, isso não é um assunto que me cabe, de forma alguma.
JB – Agora falando em termos de políticas de aliança. Em 2002 o senhor representou, de certa maneira, a adesão de parte do empresariado nacional à candidatura do presidente Lula. O senhor acredita que a indicação do Henrique Meirelles para vice poderia estar também fazendo um papel semelhante de representar a adesão de parte do empresariado nacional, desta vez, mais ligado à área financeira à candidatura da Dilma, à candidatura do PT?
R – Naturalmente que isso vai envolver também a questão partidária, porque isso pressupõe um acordo partidário. Gosto muito do PMDB, fui membro do PMDB, tenho grandes amigos dentro do PMDB, mas eu não posso entrar nisso. Isso é um assunto que não me cabe.
JB – O senhor vai se candidatar ao Senado?
R – Se Deus me curar, eu posso ser candidato a alguma coisa este ano. O que eu não posso fazer e não farei é levar o meu nome se eu não estiver em condições de exercer o mandato. Você pode dizer que um jovem de 20 anos pode morrer amanhã. Pode, perfeitamente. Mas eu tenho que estar curado do câncer. E nós estamos curando o câncer. Nós estamos num processo de cura que graças a Deus está indo muito bem e vamos vencer. Mas é preciso que haja, primeiro, essa vitória.
JB – O senhor falou uma coisa interessante sobre o estilo dos mineiros, que eles não brigam, eles conversam. “Eu serei candidato a alguma coisa”. Então quer dizer que os mineiros nunca se atropelam. O senhor sabe que tem o Itamar, tem o Aécio que podem vir para o Senado. O senhor vai conversar com eles?
R – Veja bem, eu só poderei ser candidato se o meu partido me der a legenda. E se eu sentir também que as lideranças e as pessoas querem que eu seja candidato. Isso aí eu posso aceitar. Mas eu sou desprendido. Por exemplo, uma das coisas que nós queremos que aconteça é uma unidade em Minas.
JB – Como seria essa unidade?
R – Seria uma aliança dos partidos na base, em Minas Gerais.
JB – Contra o Aécio?
R – Contra ninguém. Não dou um passo contra o Aécio, ele é meu amigo, por que vou ser contra ele? Sou amigo dele antes de ele nascer, porque eu era amigo do deputado Tristão da Cunha, que é o avô paterno dele, e o presidente Tancredo Neves, que é o avô materno dele. Então, antes de nascer, eu já gostava do Aécio.
JB – Mas numa aliança da base em Minas deduz-se que o PSDB não comporia a chapa.
R – O PSDB é o partido principal da oposição, não é da base de apoio. A base de apoio que eu falo são os partidos como o meu, por exemplo, o PRB, o PT, PMDB, o PC do B, o PTB, e vai por aí.
JB – O senhor ainda sonha ser governador de Minas?
R – Agora eu prefiro um cargo para o Legislativo, sinceramente. Outra coisa, se por ventura, para obter essa unidade em Minas, para que haja um palanque que o povo entenda e aplauda aquele palanque, que não embaralhe a cabeça do eleitor, um palanque limpo, eu abro mão de qualquer candidatura. Se me disserem: você não pode ser candidato ao Senado porque nós precisamos do lugar. Eu abro mão. Então me deixa ser candidato a deputado federal? Não pode. Então eu abro mão. Deputado estadual? Também não pode. Eu abro mão.
JB – Suponhamos que as candidaturas ao senado seriam o Aécio e o Itamar. Isso seria um palanque limpo para Minas?
R – Quando eu falo do palanque limpo eu falo o seguinte: há determinadas alianças que não entram na cabeça do eleitor, porque o eleitor não compreende. Como é que pode essa aliança? Então tem que ser uma aliança que entre na cabeça do eleitor. Por exemplo, é natural que haja uma aliança do PT com o PMDB, são partidos que têm história de esquerda, de centro-esquerda, história de partidos que levaram ideias muito semelhantes no campo político. O PCdoB, a mesma coisa, o PDT, a mesma coisa, PTB, a mesma coisa. O meu partido, que é republicano, a mesma coisa. Para entender melhor, se você pegar, por exemplo, e fizer, naquele tempo, uma aliança, num determinado município, entre líderes da UDN com o PSD, o eleitor não entende. O eleitor está acostumado com o seguinte: “Aqui, nós somos PSD”. O eleitor é radical, se a pessoa é da UDN ele nem cumprimenta. E daí a pouco, quando ele vê o palanque, ele diz assim: “Esses dois não valem nada”. É isso que estou dizendo. Tem que ser um palanque inteligível, um palanque que as pessoas entendam.
JB – Isso é importante, que vem ao encontro ao que o presidente Lula disse recentemente, que o PT de São Paulo precisa procurar novos aliados, porque sempre que fecha na esquerda é zero com zero. Ele até ilustrou com uma frase: “O PT precisa de um Alencar em São Paulo”. Como é que o senhor interpreta essa frase?
R – Eu não ouvi essa frase do Lula.
Ele falou no café com os jornalistas recentemente. Seria o caso de o PT procurar novas alianças?
R – Eu acho que tem que haver desprendimento. Não pode o sujeito chegar e dizer: “Eu imponho a minha candidatura”. Está errado. Isso já aconteceu na minha vida, eu tenho experiência disso. Eu disputei uma convenção dentro do PMDB em 1994, ganhei a convenção, fui o candidato do partido, mas o partido saiu dividido e eu perdi a eleição. Em 1998 eles foram me buscar, quiseram que eu fosse candidato ao Senado, porque quiseram, e não me abriam mão de jeito nenhum. E eu não podia ser porque era um suicídio, porque era nada menos que Hélio Garcia, senador Murilo Badaró, senadora Júnia Marise, e o vereador Mohamad. O Mohamad tinha muito voto em Belo Horizonte, ele desequilibrava, tanto que ele ficou em terceiro lugar. Ele ganhou do senador Murilo Badaró. E eu ganhei a eleição, uma eleição dificílima, mas não cheguei impondo, eu fui levado para ser candidato. Então estou dizendo que tem que haver desprendimento, porque o cargo que você vai exercer é um cargo para prestar um serviço. A primeira preocupação de prestar esse serviço, hoje, se você quiser consultar a vontade nacional, hoje, é um governo que garanta a continuidade desse trabalho do Lula. A inclusão que houve nesse tempo é uma coisa… Você pega o salário mínimo no Brasil, ele é, pelo menos, três vezes em dólar. Hoje o salário mínimo é R$ 510, que é igual a 300 dólares. O salário era 70 dólares, ou seja, é quatro vezes, em dólar. O salário no governo Lula subiu quatro vezes, multiplicou por quatro, em dólar. Isso é inclusão. Isso é mercado interno, é isso que está acontecendo no Brasil, dessa saída da crise com o mercado interno forte, com muitos investimentos, como está acontecendo hoje, graças a isso, também. E não é só salário mínimo. É a oportunidade que foi dada, por exemplo, através do Bolsa Família, através, também, do Minha Casa, Minha Vida, do Luz para Todos, através de vários programas sociais, que são programas que incluíram pessoas.
JB – O que o senhor imagina que uma eventual vitória do PSDB, do José Serra, poderia descontinuar essa política?
R – Eu tenho o maior respeito pelos candidatos. Sou muito amigo do governador José Serra, tenho por ele muito boa referência, sempre, porque ele é um homem público de muito valor. Assim como a senadora Marina Silva, que também é candidata. Ela foi minha colega no Senado e sempre trabalhávamos juntos, em questão de várias propostas dela que mereciam o meu apreço e vice-versa, ela também, propostas minhas que ela sempre deu apoio. Gosto de mais dela. Hoje, nós temos o Ciro Gomes, que é outro bom candidato. Ele pode ter o temperamento dele, que é bravo, mas é um camarada de valor e é um brasileiro muito correto, muito bom, e tem muita experiência também no Executivo, que ele foi governador de um estado importante, que é o Ceará. Da mesma forma, eu diria em relação à Dilma, que é uma mulher rara. Muita gente fala: “Ah, a Dilma é muito durona”. Todo mundo sabe que a Margareth Thatcher se consagrou pelo fato de ser a Dama de Ferro, mas a Dilma é brava, mas é muito dedicada e muito correta e ela não abre mão de participar das coisas. As decisões que ela toma são absolutamente estudadas, é de uma responsabilidade incomum. Então pode estar certo, essa braveza dela é valor, que acrescenta a todos os outros valores que ela tem. Então nós temos, hoje, candidatos que poderão levar o Brasil a muito bom termo. Agora, um candidato que tem, obviamente, um maior compromisso de continuidade é o candidato apoiado pelo presidente.
JB – O senhor consegue apontar algum elemento deste governo que te preocupa no sentido de que se o PSDB vencer as eleições poderia descontinuar?
R – Não, não é que poderia descontinuar. É inevitável que cada presidente ou cada homem público tem o seu modo de ser, de agir. Então isso é natural, porque as pessoas não são iguais, são semelhantes. Cada um tem seu temperamento, seu modo de ser, seus princípios.
JB – Uma chapa puro sangue do PSDB assusta?
R – Isso também é outra coisa que é economia doméstica do PSDB.
JB – O senhor acredita que hoje o empresariado brasileiro, que teve uma certa aversão ao governo Lula, hoje sabe reconhecer o mérito dessas conquistas, alguns desses avanços, sabe atribuir a algumas políticas do governo…
R – Isso eu posso trazer para você como informação. Eu digo que o prestígio do presidente Lula junto às classes produtores sérias do Brasil é muito grande. Eu digo que eles hoje são intransigentes a favor do Lula.
JB – O senhor acredita que eles inclusive preferem o governo do PT a um eventual governo do José Serra, do PSDB?
R – Eu acredito que sim, porque se eles querem a continuidade do trabalho feito pelo presidente Lula, é natural que eles deem força ao candidato apoiado por ele.
JB – O que o senhor acha que foi decisivo para que houvesse essa inversão? Porque o PSDB, até um tempo atrás e até hoje, é considerado como o partido do empresariado, das elites nacionais?
R – Você coloca a questão de certa forma meio ideológica. E é aquela história, depois que o Den Xiaoping pronunciou aquela metáfora importante, que acabou criando um regime na China, suigeneris. O que ele disse foi o seguinte: “Não importa a cor do gato, o que importa é que ele cace o rato”. Então os cientistas políticos, a começar da própria China, traduziram o que ele queria dizer: “Não importa a coloração ideológica, o que importa é o bem comum”. Então a coloração ideológica tem sido posta como imagem do passado, mas ela está presente no coração de cada um. Porém, aquela resistência que antes poderia haver nas classes produtoras em relação ao Lula, considerando que ele era um líder sindical dos trabalhadores e não dos empregadores, isso acabou, porque você sabe hoje que ele prestigia quem trabalha e quem produz. Dificilmente teremos um governo que prestigie tanto quem produz como o Lula tem feito.
JB – O senhor vai participar da coordenação da campanha da Dilma?
R – Eu tenho lado: o meu candidato é o candidato indicado pelo presidente Lula, porque sou vice-presidente da República graças à eleição dele. Na Constituição de 1988, ninguém vota no vice, vota no titular.
JB – O senhor vai dar palpites, vai participar da coordenação, se engajar na campanha?
R – Só posso participar de um trabalho a convite. Então isso não é hora ainda, está longe, nem tem candidato por enquanto. Há possíveis candidatos.
JB – O senhor tem uma trajetória política empresarial fabulosa. A ministra Dilma já pediu ao senhor algumas orientações?
R – Ela ainda não é candidata.
JB – Independentemente de ser candidata.
R – Nós temos reuniões constantes do governo, das quais ela participa, como eu participo. Então a gente conversa muito.
JB – O senhor imagina qual possa ser o ponto mais vulnerável da Dilma na campanha? De repente falta de experiência em campanhas…
R – Ela tem muita acuidade, muita sensibilidade, um senso muito agudo de política. Ainda que ela não tenha disputado, conhece muito de política.
JB – O senhor recentemente disse que não tem medo da morte e sim da desonra. Isso marcou muito os brasileiros. O senhor e o presidente Lula, pela trajetória política que os senhores têm, pelo exemplo de currículo que os senhores têm, o senhores conseguiram se dissociar do governo, porque o governo tem muitas virtudes, mas também teve defeitos, como a crise do mensalão, alguns ministros caíram. Não houve desonra do governo nessa crise?
R – Não. O que ocorre é o seguinte: essa frase a que você se referiu, de fato eu falei e falo. Eu não tenho medo da morte, tenho medo da desonra. Mas ela não é minha, ela é de um grande filósofo grego, que não me lembro agora se foi Sócrates ou se foi Péricles, mas é um deles, que falou isso no Senado da Grécia. Ele estava ameaçado de morte e perguntou o que era a morte e ninguém respondeu. Então ele disse: “Assim como vocês não sabem o que é a morte, eu também não sei. Então eu não tenho medo da morte, tenho medo da desonra”. E falou o que tinha que falar e todo mundo ouviu e ninguém o matou. Então é aquela história. Eu falei isso num momento em que as pessoas às vezes me procuravam e sabiam que o quadro era aterrador. E pensaram que eu estava desesperado. Mas meu pai sempre nos ensinava, desde criança: “O desespero não ajuda”. Eu fui escoteiro, o Baden Powell ensinava: “O escoteiro sorri nas dificuldades”. Essas coisas que a gente aprende quando criança. Quando saí de casa, com 14 anos de idade, me despedindo do papai e da mamãe, indo para a cidade trabalhar como empregado, o papai disse assim: “Meu filho, não se esqueça, o importante na vida é poder voltar”. O que ele queria dizer era uma pessoa voltar a uma família, voltar a uma casa, voltar a uma cidade, voltar a uma instituição, enfim, poder voltar de cabeça erguida. Então se você procede de modo a poder voltar, você terá feito alguma coisa já para não morrer. Porque o homem honrado não morre. E o homem que perde a credibilidade, ele morre em vida, porque os próprios parentes não falam que o são.
JB – Qual a sua opinião sobre esse polêmico decreto do Programa Nacional de Direitos Humanos que causou essa crise, o senhor que já foi ministro da Defesa e conhece bem os militares, e a comissão da anistia, do Vannuchi. Isso o presidente Lula vai contornar, ele já conversou com o senhor sobre isso?
R – Não, não conversamos sobre isso e ele também sabe a minha posição. A minha posição é a seguinte: em 1979 tem a Lei de Anistia, que foi promulgada em 1979 pelo presidente de então, que era o general Figueiredo. Essa anistia foi considerada ampla e irrestrita e prevalecendo para todos os lados. E eu sou da roça, lá na roça, os antigos quando havia um caso assim, parecido, naturalmente respeitada as proporções, eles falavam assim: “Vamos deixar os defuntos em paz, não vamos desenterrar os defuntos”.
JB – Então o senhor acha que essa Comissão da Verdade proposta…
R – Acho que os arquivos devem ser postos – como estão – à disposição. Agora, a modificação da Lei de Anistia, eu sou contra. Acho que ela foi muito bem lançada na época e ela pôs termo àquele período.
Seria essa Comissão da Verdade proposta para investigar possíveis torturadores que estariam envolvidos…
A investigação é sempre boa. Quando há uma denúncia, deve haver uma investigação rigorosa. É claro que o investigado no processo tem direito de defesa. Isso é para todos.
JB – Mas a anistia não teria justamente anistiado…
R – Depende, porque eu não tenho, assim, uma condição de falar com absoluta precisão em relação ao que a anistia alcançaria em relação a essa investigação, de um determinado fato isolado.
JB – … vai ser decidido pelo STF…
R – Isso tem que ver como é que é, porque se pode haver a verificação de caso a caso, sou a favor, sem problema nenhum. Agora, tem os dois lados, porque quando vem o processo, vem também o direito de defesa daquele que está sendo acusado e ele poderá acusar o outro que o está acusando. Não é brincadeira. Você vê, de 1979 para hoje são 30 anos. O tempo também vai embora. Mas sou muito a favor em que se construa um país que não jogue fora as suas memórias, porque é preciso que nos utilizemos delas para construir a nossa história. A nossa história depende disso, mas isso não significa derrubar a Lei de Anistia. Acho que não há razão para isso.
JB – O que o senhor acha da política do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que todo domingo escreve um artigo em O Globo e às vezes toca nesse assunto de que o país precisa de uma nova política antidrogas.
R – O Brasil precisa de acabar com a impunidade, porque a impunidade encoraja o crime. Então há muitas leis mas não são observadas, porque o país ganhou uma cultura da impunidade. As pessoas dão um jeito e fogem da lei. E fora da lei não há salvação. Então tem que acabar com a impunidade no Brasil, claro, sem tirar o direito de defesa. Isso não é nada de forma discrionária, não. Isso é dentro da lei e dentro da democracia. Mas tem que haver punição para as coisas erradas, não pode continuar assim, não. Esse negócio de liberação de droga, eu me lembro, por exemplo, quando houve a liberação na Suíça. Eu me lembro. Eu digo para você que foi um inferno, eles voltaram atrás. Eu me lembro como ficaram as praças.
JB – Não vai dar certo?
R – Não, isso aí tem que haver um trabalho coercitivo e um trabalho educativo, paralelamente, porque nós temos também que procurar educar os filhos.
JB – O presidente Lula, desde que se tornou presidente, assopra e morde. Ele costuma elogiar um pouco a imprensa, mas critica mais. A imprensa ajudou muito ele a se tornar presidente, mas hoje ele critica mais a imprensa. O senhor concorda com ele, a imprensa às vezes exagera?
R – A imprensa tem que ser livre. A liberdade de imprensa é um dos instrumentos mais importantes para o fortalecimento da democracia. Não pode haver democracia sem a imprensa livre. Você não pode cercear o direito à liberdade de imprensa.
JB – A imprensa erra no Brasil?
R – A imprensa pode errar aqui e em toda a parte. Mas o fato de cometer um erro não significa que vamos exercer uma coerção na liberdade de imprensa. Pode acontecer, errar é humano. Mas isso não significa razão para tolher a liberdade de imprensa, de forma alguma. Às vezes acontece alguma coisa que você fica triste. Falar alguma coisa de você que está errada, você fica triste. Mas isso não significa que você tem o direito de cercear a liberdade de imprensa.
JB – O senhor não enxerga uma má vontade deliberada, direcionada da imprensa em relação ao governo, principalmente ao presidente Lula?
R – Não. Por exemplo, há uma coisa que a gente não pode associar. Às vezes há determinadas posições governamentais que são objeto de crítica de um jornal que amanhã está elogiando outras posições. Isso faz parte própria democracia. Você pega, por exemplo, a China. É um país que tem um problema sério a vencer. E esse problema é no campo da liberdade.
JB – No Irã, também…
R – O Irã é diferente. Ali naquela região há o radicalismo, porque são todos muçulmanos. A China não é muçulmana, é o problema político. A china optou por um partido único e um regime ditatorial e pronto.
JB – O senhor acha que aquilo ali tem jeito?
R – É uma ditadura de esquerda.
JB – O senhor falou que falta a China abrir um pouquinho…
R – Se a China abrir uma fresta de luz, por menor que seja, aí nós vamos começar a aplaudir o nascimento de uma grande nação. Enquanto isso não podemos considerar, porque a China não é uma economia de mercado.
Por Leandro Mazzini e Raphael Bruno, de Brasília