Em Niterói, juiz diz que faz “trabalho escravo” e quer receber por acúmulo de função

Continua depois da publicidade

juiz Rogério Tobias de Carvalho, da 1ª Vara Federal de Niterói, bateu o martelo contra o que classifica como “trabalho escravo”. Em decisão publicada em Diário Oficial da União, ele alegou que não vai trabalhar “forçado” por causa da falta de um substituto. Por trás do comportamento do juiz está uma disputa dos magistrados federais para receber pelo acúmulo de função — ou seja, verba extra, como recebem os procuradores da República. Carvalho alegou ainda que só julgará ações com final de número par.

No início de setembro, a Associação dos Juízes Federais do Brasil fez uma consulta com 1.800 magistrados: 1.034 votaram por não acumular funções sem receber o pagamento. “Há uma revolta por não estarmos sendo incluídos no orçamento da União. Mas, quero deixar claro que os juízes vão atuar quando os casos forem de urgência”, explicou o presidente da Ajufe Brasil, Antônio César Bochenek.

Em média, um juiz federal recebe em torno de R$ 14 mil. Mas para justificar a sua atuação apenas em processos pares — para ele, os ímpares deveriam ser julgados por juiz substituto —, Rogério Tobias de Carvalho declarou que “a União se enriquece ilicitamente com o labor deste magistrado há anos, enquanto acumula acervos de forma graciosa, sem nenhuma remuneração ou indenização”.

decisão

Juiz diz que faz trabalho escravo e quer receber por acmulo de funoNa decisão, o juiz defendeu que tem que receber verba extra quando trabalhar por dois. Carvalho entende que em questões urgentes, que envolvem risco à vida e à liberdade, o acúmulo é aceitável, mas justifica que o magistrado trabalhe sem receber por isso. “Nosso ordenamento jurídico, bem como tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, não admitem trabalho forçado, sendo tipificado como crime reduzir de alguém à condição análoga de escravo (artigo 149 do Código Penal)”.

Com 45 anos de profissão, o advogado Raimundo Januário tem causas paradas por conta da falta de um juiz substituto na 1ª Vara Federal de Niterói. Porém, mesmo com prejuízo para os seus clientes, ele diz que entende a atitude do magistrado Rogério Tobias de Carvalho.

“Foi um ímpeto, mas ele mostrou muita coragem. A função que exerce é de muita responsabilidade. Na maioria das vezes, o juiz federal acaba decidindo contra o governo. Toda esta demora da Justiça não é culpa dos magistrados, mas da falta de estrutura dos tribunais”, disse, Januário, acrescentando que a OAB deveria ser solidária ao juiz. Procurado por O DIA, Rogério de Carvalho não se pronunciou.

Associações querem veto a corte de orçamento de 2015

A Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho lutam no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o corte da presidenta Dilma Rousseff na proposta de orçamento do Poder Judiciário para 2015.

“Não podemos ficar em situação de desvantagem”, argumenta o presidente da Ajufe Brasil, Antônio César Bochenek. Em nota, o Ministério do Planejamento informou que tem o dever constitucional de encaminhar até dia 31 de agosto o Projeto de Lei Orçamentária Anual. Além da proposta orçamentária do conjunto dos poderes da União, também foi enviada a íntegra da proposta elaborada pelo Poder Judiciário.

O pagamento do acúmulo de função dos juízes federais foi vetado pela presidenta Dilma no artigo 17 da lei 13.024/2014 — que estendia à magistratura federal o pagamento da gratificação.

Procuradores da República já recebem por acúmulo de função

A insatisfação com o salário impulsionou o juiz federal Rogério Tobias de Carvalho a criticar o Ministério Público Federal (MPF). “Por outro lado, é insustentável haver dotação orçamentária para pagamento de função coadjuvante à prestação jurisdicional, enquanto que para o exercício próprio desta, não”, escreveu o magistrado em decisão processual, referindo-se ao MPF.

Ele ressaltou no documento que “em 26 de agosto foi publicada a Lei 13.024, a qual institui gratificação por exercício cumulativo de ofícios aos membros do Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional do Estado; mas que atua numa fração mínima das ações judiciais afetas a este magistrado, na imensa maioria dos casos em caráter opinativo”.

Depois da longa defesa pelo direito de receber salário melhor, o magistrado suspendeu o andamento do processo até a chegada de um juiz substituto. Pelas contas de magistrados que pediram para não serem identificados, cada juiz que trabalhasse dobrado receberia mais R$ 5 mil. (O DIA)