Por Val-André Mutran – de Brasília
O presidente Jair Bolsonaro recebeu na manhã desta terça-feira (27), no Palácio do Planalto, os governadores dos estados que compõem a Amazônia Legal para discutir o combate às queimadas na região. Em duas horas e meia de discussões, o presidente não apresentou nenhum plano de trabalho para enfrentar a situação a e quem acabou “roubando a cena” foi o governador do Pará, Helder Barbalho, que questionou o que será feito para o enfrentamento permanente do problema, e qual será o destino do Fundo Amazônia.
Barbalho pediu uma posição mais clara do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre uso de recursos do Fundo Amazônia. Segundo ele, o ministro mostrou na conversa de hoje uma versão mais branda sobre o fundo do que vinha sendo propagada pelo governo, que defendia não usar mais os recursos.
“Se a lógica do ministério sobre o fundo é, por um lado, saber o que foi feito, por outro, rever o critério de prioridades, isso tudo é muito diferente do que dizer não queremos mais usar o recurso,” disse.
O governador do Pará cobrou que o governo federal deixe de lado o conflito com o presidente da França e se concentre na solução das queimadas na floresta e na preservação da imagem do Brasil no exterior. “Neste momento todos aqui estamos com único intuito de encontrarmos soluções e dividir responsabilidades. Primeiro, acho que nós estamos perdendo muito tempo com o Macron; acho que nós temos que cuidar do nosso país e tocar a vida”, afirmou ele.
“Acho que estamos dando muita importância para esse tipo de comentário — não desprezando a importância econômica que a França possa ter — mas acho que agora nós temos que cuidar dos nossos problemas e sinalizar para o mundo a diplomacia ambiental, que é fundamental para o agronegócio, porque se não nós vamos ter um prejuízo severo de imagem, que já tem causado preocupação para todos,” acrescentou.
Os governadores do Pará e do Maranhão, Helder Barbalho (MDB) e Flávio Dino (PC do B), fizeram as defesas mais firmes sobre aceitar recursos oferecidos pelo G-7. No mês passado, Dino esteve dentro de uma polêmica com Bolsonaro. Em conversa captada por microfones segundos antes de o presidente sentar-se à mesa com jornalistas de veículos estrangeiros no Palácio da Alvorada, Bolsonaro orientou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), a “não dar nada” a ele e disse que “daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão”. ‘Paraíba’ é um termo pejorativo, principalmente no Rio de Janeiro, para se referir a nordestinos.
Críticas ao presidente francês
No encontro com os governadores, o presidente Bolsonaro voltou a criticar Emmanuel Macron, presidente da França. As críticas tiveram início com a fala do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, acusando a França de deixar rastros de destruição e miséria por onde passou e afirmou que o presidente francês, Emmanuel Macron, age com “molecagem” ao opinar sobre o aumento dos incêndios na Amazônia.
“Essa posição colonialista do Macron além de ser lamentável, tem um passado triste. Noventa por cento das colônias francesas vivem em situação lamentável. Isso talvez fosse bom ser lembrado por algum jornalista que seja um pouco mais moderado e que tenha algum sentido patriótico, que a França não pode dar lição a ninguém nesse aspecto. Eu vivi o problema no Haiti, o Haiti é colônia francesa, uma delas,” afirmou.
O ministro, que é general do Exército da reserva, foi comandante das forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) para estabilização do Haiti.
“Onde eles [franceses] passaram deixaram rastro de destruição, de confusão, de miséria. Então eles não podem dar esse tipo de conselho a ninguém. Isso é molecagem,” disparou o ministro, durante reunião do presidente Jair Bolsonaro com governadores de Estados da Amazônia Legal.
O que disse Bolsonaro
Sob pressão por incêndios na Amazônia, Bolsonaro abriu a reunião defendendo a exploração de terras, a exploração econômica de terras indígenas e de áreas de preservação – algo que tem defendido desde a campanha eleitoral de 2018 –, além de criticar políticas ambientais de gestões anteriores.
Ele perguntou, ao final da fala de cada governador, quanto do território do seu estado estava “inviabilizado” por terras protegidas. Segundo Bolsonaro, muitas das reservas indígenas “têm aspecto estratégico que alguém programou”. A reunião com os governadores que compõem o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal ainda expôs uma divisão entre os governadores da região: seis deles mais alinhados politicamente ao Palácio do Planalto, e outros três não.
“Índio não faz lobby e consegue ter 14% do território nacional demarcado,” declarou Bolsonaro. Os governadores do Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia e Tocantins concordaram com o presidente no sentido de que é preciso haver formas de estimular a produção nessas terras.
Conforme Bolsonaro, há pressão internacional para demarcar terras indígenas e quilombolas no Brasil. “Se eu demarcar agora, pode ter certeza que o fogo acaba em cinco minutos,” garantiu. Ele já havia insinuado que organizações não governamentais (ONGs) poderiam ser responsáveis pelo aumento de queimadas na Amazônia este ano, mas não apresentou provas.
Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Brasil tem 462 terras indígenas, sendo 54% delas na Região Norte, e cerca de 300 povos indígenas. Conforme Bolsonaro, há 498 novos pedidos de demarcação de terras indígenas no Ministério da Justiça. Ele afirmou que a ideia do governo é rejeitar as solicitações, mas que a decisão será feita em diálogo com os chefes dos Executivos estaduais.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), há 4.332 requerimentos para exploração do subsolo em cerca de um terço das áreas indígenas registradas na Agência Nacional de Mineração, incluindo os parques indígenas de Tumucumaque (AP e PA), Araguaia (TO) e Aripuanã (MT).
O problema fundiário
Outro tema central da reunião tratou da insegurança jurídica histórica ocasionada pela desordem fundiária que reina sobre a Amazônia desde a criação da República.
“É difícil fazer fiscalização sem saber quem é o verdadeiro dono da terra. Temos de fazer o ordenamento territorial do nosso estado e temos de aprender a separar os bons dos ruins. Hoje, o Ibama chega e multa todo mundo sem direito de defesa,” disse Antonio Denarium, governador de Roraima. O governador pediu ainda que a União ajude na formação de brigadistas locais.
Bolsonaro voltou à questão indígena e perguntou ao governador Denarium sobre os motivos que levaram às demarcações. “É fruto de uma política indigenista,” respondeu. “Roraima não é porção de terra mais rica do Brasil, mas do mundo. E as terras indígenas e as ONGs estão concentradas justamente nessas áreas,” afirmou.
O presidente disse que, até quinta-feira (29), o governo deve apresentar medidas em resposta aos pedidos dos governadores. Bolsonaro não deixou claro se a proposta seria apenas para combater incêndios ou se avançará sobre mudanças na legislação ambiental, incluindo exploração de terras indígenas.
O presidente explicou que a “indústria da demarcação de terras” ocorreu logo após o governo José Sarney (MDB), na década de 1990, e citou como principal ação da época o estabelecimento das terras dos ianomâmis pelo governo Fernando Collor. Elas ocupam hoje áreas do Amazonas e de Roraima.
“É um absurdo o que falam a nosso respeito. Até porque o Amazonas é o estado que tem menos focos [de incêndio], até pela umidade, condições climáticas. Tem mais em outros estados, onde o agronegócio e a pecuária chegaram sem transgredir. Perguntei ontem para quem trata desse assunto aqui que uma fogueira de São João é detectada pelo satélite como foco de incêndio,” disse, para, na sequência, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, explicar que os satélites identificam as fogueiras como foco de calor. “Isso, foco de calor. Então até isso usam. O que fazem não é contra eu (sic), é contra o Brasil,” disse.
Na conversa com os gestores estaduais, o presidente Bolsonaro ainda citou pedidos de demarcação de terras nas regiões e disse que, se concretizados, podem inviabilizar o desenvolvimento do local.
A ideia é que Lorenzoni faça reuniões separadas com governadores das alas leste e oeste da Amazônia Legal. A divisão seria por causa dos comandos militares que atuam na região (da Amazônia e o do Norte). Na reunião, o governador Helder Barbalho ainda pediu uma posição mais clara do ministro Salles sobre como o Ibama fará a fiscalização que lhe cabe.