Em TCC nota 10, estudante de Parauapebas defende direitos e políticas para pessoas idosas

“Parauapebas precisa se preparar. Em 2050, teremos aqui 37 mil pessoas idosas, que vão viver, em média, 83 anos”, alerta Juliana de Souza, concluinte do curso de Direito. Atualmente, número de pessoas idosas na Capital do Minério é maior que população inteira de mais de 3.500 cidades do país

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Um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) parou o curso de Direito da Faculdade para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Fadesa) em Parauapebas na noite da última terça-feira (3). E repercutiu bastante.

Trata-se da monografia da universitária Juliana Pereira Câmara de Souza, intitulada “Políticas públicas para o idoso e legislação local: o caso do município de Parauapebas”, que faz a maior radiografia já vista da situação demográfica, social, jurídica e legislativa da população com 60 anos ou mais da Capital do Minério. É uma pesquisa completa, orientada pela professora Fernanda Lopes de Freitas Rodrigues, advogada, especialista em Direito Internacional e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Em 36 páginas, Juliana adentrou numa seara cara para qualquer estudante de Direito com vistas a abordar as perspectivas do envelhecimento em Parauapebas: a de fazer contas para prever cenários sobre a população idosa local em 2050 e a expectativa de vida municipal, o que vai exigir do poder público local reinventar todas as suas políticas públicas a fim de preparar a cidade para acolher milhares de pessoas idosas.

Mas não foi só isso: a estudante mapeou todo o acabou legal criado em 36 anos do município que alcança a população anciã em alguma parte, observando de forma atenta a eficácia dos dispositivos legais e sua funcionalidade para o bem-estar desse estrato da população.

17 mil hoje, 37 mil em 2050

“Parauapebas precisa se preparar. Em 2050, teremos 37 mil pessoas idosas, que vão viver, em média, 83 anos”, destaca Juliana, que foi atrás de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde a época da primeira estimativa oficial da população, realizada em 1988, ano da emancipação do município.

Naquele ano, Parauapebas tinha 41,2 mil habitantes e apenas 825 cidadãos idosos. Em 2024, o município chegou a 298,9 mil residentes, entre os quais 17,2 mil pessoas idosas. Enquanto a população total aumentou 625% em 36 anos, o número de pessoas idosas parauapebenses deu um salto triplo carpado: 1.980%. Atualmente, só a população idosa de Parauapebas é maior que o número de moradores inteiro de mais de 3.500 cidades brasileiras, segundo dados do TCC e que o Blog do Zé Dudu comparou diretamente nas bases do IBGE e confirmou a informação.

“O município precisa de infraestrutura com acessibilidade adequada para as pessoas com mobilidade reduzida; um sistema de saúde eficiente com atenção geriátrica cada vez maior; equipamentos de assistência social mais diversificados para acolher a pessoa idosa; e repensar seu orçamento com foco nessa população”, explica a autora do TCC, que observa Parauapebas seguindo a tendência do resto do país: mais pessoas idosas no topo da pirâmide etária e cada vez menos nascimentos.

Em 2050, segundo dados do Blog do Zé Dudu, Parauapebas passará de 500 mil habitantes, mas a população de até 15 anos, que atualmente são 50 mil crianças e adolescentes, vai reduzir a 40 mil. A população da melhor idade vai empatar numericamente com os mirins por volta de 2055.

Orçamento e desafios

Em 2023, o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon divulgou o Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade (IDL), que leva em conta três eixos (Economia, Socioambiental e Saúde) contendo 23 indicadores para determinar a capacidade de os municípios proverem sua população idosa em suas necessidades básicas e garantirem a ela bem-estar. De um total de 326 municípios analisados, todos com mais de 100 mil habitantes, Parauapebas está na metade inferior, ou seja, entre os 150 piores.

No TCC, Juliana identificou que Parauapebas foi considerada a 4ª pior cidade no critério “óbitos por doenças do aparelho circulatório”; a 2ª pior nos indicadores “representatividade da população de idosos” e “longevidade esperada aos 60 anos”; e a pior de todas as cidades do Brasil no quesito “capacidade de consumo dos aposentados”. Além disso, está entre as 25 piores do Brasil no quesito mortes por causas externas (atropelamentos, por exemplo) e por vulnerabilidade.

“É uma situação preocupante, caótica e dramática”, preocupa-se Juliana, que convidou os futuros secretários de Cultura (Jhônatas de Souza) e Assistência Social (Neil Armstrong) do governo do prefeito eleito Aurélio Goiano para assistir à defesa da monografia. Na visão da acadêmica, Parauapebas precisa urgentemente reservar orçamento — e principalmente utilizá-lo — para cuidar da pessoa idosa.

Em 2024, por exemplo, a Prefeitura de Parauapebas separou apenas R$ 1 milhão de dotação orçamentária para políticas públicas voltadas aos idosos, de uma receita líquida estimada em R$ 2,6 bilhões. Mas detalhe: gastou menos de R$ 4 mil com ações voltadas a eles, e ainda assim um gasto duvidoso. “Quase nada desse valor chega de fato à pessoa idosa, para proporcionar qualidade de vida, e é por isso que as pesquisas nacionais colocam Parauapebas lá embaixo, como um lugar ruim para esse público viver”, lamenta Juliana.

Desde que o Fundo Municipal da Pessoa Idosa passou a valer, em 2019, a Prefeitura de Parauapebas separou míseros R$ 6,6 milhões para políticas públicas voltadas à população idosa, mas efetivamente utilizou pouco mais de R$ 500 mil desse orçamento. É uma situação vexatória e totalmente despreocupada com a segmento populacional que mais cresce no município.

Para 2025, de um orçamento municipal previsto em R$ 2,393 bilhões, apenas R$ 4 milhões estão reservados aos cidadãos da melhor idade. Mas o secretário de Assistência Social se comprometeu a fazer diferente dos antecessores e, com o TCC em mãos, priorizar a população idosa, sobretudo os idosos de baixa renda, que Juliana identificou serem 10,7 mil, 62% do total.

Legislação municipal

Uma das etapas mais desafiadoras do TCC foi mapear o arcabouço legal produzido para a pessoa idosa de Parauapebas. E Juliana conseguiu: ela identificou 20 leis produzidas ao longo de três décadas, incluindo a Lei Orgânica do Município. As normas jurídicas vigentes versam sobre saúde, segurança, assistência social e atendimento, mas a maioria, por ser recente, não é amplamente conhecida e, sem que tenha sido regulamentada pelo Poder Executivo, sequer tem eficácia.

Um fato curioso é que 60% das normas atinentes à pessoa idosa já sancionadas foram produzidas nos últimos 4 anos, coincidindo com a atual legislatura da Câmara de Vereadores. Outra curiosidade é que metade das leis vigentes é de autoria de uma única parlamentar, a vereadora Eliene Soares, mencionada no TCC.

O problema é que, muito embora tenha havido relativo esforço da Câmara na atual legislatura em se preocupar com o tema, o gestor local, o prefeito Darci Lermen, que é pessoa idosa, não se preocupou em defender o segmento da população a que pertence. “É letra morta qualquer dessas leis que existem no papel, mas que não foram regulamentadas pelo prefeito e, portanto, padecem de eficácia para serem aplicáveis”, critica a universitária.

Aclamada com nota máxima (10) pela banca composta pelas professoras Nílvya Cidade de Souza (advogada criminalista e mestre em Direito) e Diana Brabo Demes Freitas (especialista em Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Previdenciário e Prática Trabalhista), Juliana teve seu trabalho citado ontem (4) durante entrevista de Neil Armstrong à Rádio Correio FM, quando o futuro secretário explanou sobre as condições de equipamentos, serviços e políticas públicas de assistência social no município e frisou a necessidade de cuidar das pessoas idosas, com base no que assistiu do TCC defendido.

A monografia de Juliana de Souza coroa seu esforço para realizar o sonho de tornar-se advogada, com vistas a reparar injustiças que sofreu no passado, ao ser detida pela Polícia Federal em 2015, quando era secretária de Educação, numa ação forjada e midiática, completamente sem sentido e cujo processo que deu origem ao ato arbitrário simplesmente desapareceu. Juliana já está aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e deve começar a advogar em breve.

10 comentários em “Em TCC nota 10, estudante de Parauapebas defende direitos e políticas para pessoas idosas

  1. Juliana Câmara Responder

    Sou filha de pais idosos, gosto de cuidar deles, zelar pelos seus direitos. Mas vivemos diariamente enfrentando todas as barreiras com a ausência de políticas públicas que efetivamente possa atender essa população, desde a dificuldade de mobilidade, passando pela saúde, a interação social, o respeito e a valorização. Observando, pesquisando e pensando: hoje são eles! Amanhã seremos todos nós.
    Estou muito grata a todas pelas palavras de carinho, respeito e atenção.
    Aqueles que solicitaram cópia em breve enviaremos.
    Att. Juliana Câmara

  2. Raimundo Flamel Responder

    Foi noticiado que a pessoa pode ocupar um cargo na próxima administração municipal aí um importante veículo de comunicação se presta a fazer um tipo de matéria dessa. Não tirando os brios e méritos da concluinte, todos os nossos parabéns. Mais gente defesa de TCC tem todos os dias nas Instituições de Ensino Superior desse país, é um ritual acadêmico mais comum do que se imagina. E bons trabalhos se tem aos montes nas plataformas em que são depositados e disponibilizados na internet. Procurem conhecer a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – IBCTI e o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. Busquem, é só dá um Google, e encontrarão lá facilmente centenas de trabalho como esse ou até mesmo muito mais aprimorados e melhores.

    • Eugismara Responder

      larga de ser despeitado!! mostre um tcc ou tese de doutorado sobre este assunto q ela abordou com a mesma relevancia no contexto de parauapebas!! o trabalho é inedito, mas o seu despeito parece q é coisa antiga… mostre aí algum trabalho seu relevante pra parauapebas, não precisa ser no mesmo tema!! não tente ofuscar o brilho dos outros com sua escuridão!!

    • Daniel Responder

      Quanto despeito, “senhor” Raimundo Flamel!
      Pelo que diz a matéria, de forma clara e brilhante, a monografia é excelente e cheia de dados valiosos para o município.
      Você deve ser mais um que vai ser desmamado a partir de 2025.
      Cruz, credo!

  3. figueiredoacyr1962@gmail.com Responder

    Sou professor aposentado pela Universidade Federal do Maranhão, a UFMA, e lembro-me nos idos tempos de academia que havia um prêmio para as melhores monografias do curso em determinado ano.
    Se este TCC fosse, então, na UFMA, certamente a talentosa aluna arremataria o prêmio de destaque devido à relevância do tema e à forma como parece ter sido abordado, de acordo com o relato da reportagem.
    Os dados são valiosos e o prognóstico é uma verdadeira ferramenta para o Poder Público de Paraupebas começar a pensar o desenvolvimento local com outros olhos.
    Aconselho transformar a monografia em um artigo científico e enviar para alguma revista como a outra pessoa disse. Este seu trabalho será aceito até em eventos de medicina, enfermagem e serviço social, na área de geriatria.
    Parabéns à autora, pelo primoroso trabalho em um rico conteúdo voltado para uma importante minoria que está virando maioria, e ao site, pela excelente divulgação científica com uma escrita impecável!

  4. CARLOS EDUARDO DE SOUSA DO NASCIMEN Responder

    Parabéns Professora Juliana, belíssimo trabalho. como sempre vc dar Show!!! Nota 1000!!!

  5. Joana Darc Sousa Maués Responder

    Trabalho extremamente importante em um contexto de envelhecimento da população nas próximas décadas. Tema transversal, que irriga não só o Direito, mas também o Serviço Social, a Enfermagem, a Medicina, a Engenharia Civil e, claro, a minha área, a Fisioterapia. Excelente texto científico, cheio de dados relevantes e preciosos, além de elegante e bem escrito.
    Preciso desse material: joanndarcfisiobel@gmail.com

  6. Maria do Carmo Pontes Lavareda Responder

    Que pesquisa interessante!!! Quantos dados valiosos!!! Precisam ser publicados em anais e revistas científicas sobre o tema!!! A geriatria, seja em qualquer área, rende muita pesquisa acadêmica e muitos prêmios por inovação!!! Acredito que nem o poder público de Parauapebas tenha dados tão relevantes e consistentes!!! Parabéns!!!

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