Por Elisabeth Lewandowski Libertuci *
Publicado o acórdão do mensalão e analisados os recursos dos réus que agora chegam ao Supremo, uma bomba fiscal vai estourar nos cofres do Executivo. Algo em torno de R$ 100 bilhões (em valores nominais). Em termos estatísticos, uma dívida de cerca de R$ 500 que a União tem com cada brasileiro, gerada de forma discreta, quase de carona, por decisões recentes de nossa maior Corte judiciária.
Explico. As consequências do julgamento do mensalão pelo STF não se encerraram com a decisão sobre o destino de cada um dos réus.
Tendo condenado 25 pessoas por envolvimento num esquema de compra de apoio de parlamentares em votações de matérias do interesse do governo do então presidente Lula, os ministros do STF abriram espaço para o debate jurídico quanto ao entendimento de que questões decididas nessas votações são inconstitucionais, não pela matéria sobre a qual versam, mas por vício formal no processo legislativo.
Em outras palavras: se as medidas foram aprovadas no Legislativo em um processo que envolveu compra de votos de parlamentares, seu resultado deve ser anulado, ou, pior, considerado inexistente, como se a votação nem sequer tivesse acontecido. O que ocorreu foi tão somente uma “encenação de votação”, flagrantemente revelada no curso do processo de condenação dos “mensaleiros”.
Parece, portanto, decorrência lógica que a compra de votos de parlamentares que aprovaram a prorrogação da CPMF entre 2005 e 2007 fere princípios constitucionais.
Ao submeter sua aprovação à vantagem em dinheiro oferecida a parlamentares, não houve, na votação, a expressão da vontade do povo por meio de seus representantes que a Constituição exige.
Não tendo sido aprovada por votação constitucionalmente válida, a lei aprovada também não é valida. Pior: simplesmente jamais existiu, porquanto viciada a etapa mais importante do processo legislativo, que é a votação, momento em que o congressista não fala por si, mas tem a honra de manifestar a vontade daquele que o elegeu como porta-voz no Legislativo: o eleitor!
Provada a percepção de vantagem indevida de parlamentares, não se exteriorizou a vontade do povo naquela votação. Consequência: ela inexistiu. E o que foi pago indevidamente deve ser restituído espontaneamente pela União a cada um dos contribuintes, em atenção ao princípio da moralidade pública (art. 37 da Constituição).
O prazo de cinco anos para pedir essa restituição começou no dia 22 de abril deste ano (data da publicação do acórdão da ação penal 470), quando o STF reconheceu que houve crime na votação da emenda constitucional 42, que prorrogou a CPMF por três anos. Isso porque a decisão do STF pela constatação de compra de votos não tem mero efeito declaratório. O escândalo é tamanho que, neste caso, indubitavelmente, a decisão tem caráter constitutivo.
Afinal, sem a decisão do STF, jamais os contribuintes poderiam saber que foram enganados por seus representantes no Congresso, sendo irrelevante quantos deles faltaram com o decoro parlamentar. A votação é uma só –e se apenas um congressista faltou com sua função de representar quem o elegeu, não houve votação. E ponto final.
Excelentíssima presidenta Dilma: por dever cívico, nós, contribuintes, aguardamos com brevidade a solução para sermos reembolsados daquilo que pagamos indevidamente aos cofres públicos. O que o contribuinte/eleitor não pode imaginar é ter de recorrer ao Judiciário e esperar para ser ressarcido.
E, de novo, o recurso ao Judiciário, neste caso, não se trata unicamente de reembolso de ordem financeira. É dever cívico do contribuinte/eleitor/cidadão receber de volta o que lhe foi escandalosamente surrupiado e que tem nome e sobrenome: a CPMF paga em 2005, 2006 e 2007!
Texto publicado na “Folha de S. Paulo” de 17/5/13, página A3.
* Elisabeth Lewandowski Libertuci é advogada.