Enxurrada de pedidos da defesa de Lula no STF pode ser premiada com elegibilidade do petista

Decisão do ministro Ricardo Lewandowski que obriga o compartilhamento com defesa de Lula de mensagens roubadas por hackers, pode significar a reversão da inegibilidade do condenado
Brasília- DF- Brasil- 18/12/2014- O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva participa da solenidade comemorativa dos 10 anos da reforma do Judiciário. Na foto, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. (José Cruz/Agência Brasil)

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Brasília – O mundo jurídico, em especial o criminal, assiste de camarote, sucessivas decisões de alguns membros do Supremo Tribunal Federal (STF) que podem reverter as condenações do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT). Os advogados de Lula patrocinaram uma enxurrada de pedidos à Suprema Corte, em todas as direções para reverter, inclusive decisões de colegiados judiciais em 2ª instância. Na semana passada, um capítulo decisivo dessa novela começa a tomar forma. Decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que concedeu acesso aos advogados de Lula às provas da operação Spoofing que pode significar a reversão da inelegibilidade do petista.

Na segunda-feira (28), o ministro determinou a disponibilização aos advogados do ex-presidente, do conteúdo, com menções diretas ou indiretas de mensagens roubadas ilegalmente de procuradores e do ex-juiz Sergio Moro, que se referem ao ex-presidente, apreendido na investigação do grupo de hackers que invadiu celulares das autoridades da Lava Jato de Curitiba. A Lei tipifica como inservíveis provas obtidas por meio de interceptação ilegal, ou seja, sem a prévia autorização da justiça.

Lula responde a mais uma série de ações judiciais; e já foi condenado em dois processos e absolvido em um. O petista ainda responde a sete ações judiciais, além de aguardar o recebimento ou a rejeição de uma denúncia.

Ministro do STF Ricardo Lewandowski

Lewandowski também determinou que conversas sobre processos e investigações contra o petista sejam entregues à defesa, no prazo de dez dias pela Justiça do Distrito Federal, onde correm o inquérito dos hackers que invadiram os celulares de membros da equipe da força-tarefa da Lava Jato. As mensagens foram trocadas entre procuradores da operação Lava Jato em Curitiba e o ex-juiz federal Sergio Moro, que conduzia os casos na Justiça Federal do Paraná. Parte do material foi publicado pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa.

Operação Spoofing

A Polícia Federal (PF) prendeu, em julho de 2019, o hacker Walter Delgatti Neto, acusado de invadir o celular dos procuradores e de outras autoridades. Sua prisão foi relaxada e ele já está solto. Delgatti Neto e outros comparsas suspeitos foram presos na operação Spoofing. Segundo a PF, mais de mil números de telefone foram alvos da ação do grupo de hackers. Na casa de um dos presos, a PF encontrou R$ 100 mil.

Decisão mostra que mensagens são autênticas?

A decisão de Lewandowski na segunda-feira (28) traz um componente novo ao episódio do vazamento das mensagens na imprensa. Segundo o ministro, a PF constatou, através de uma perícia no material, que o conteúdo não sofreu alterações.

Uma das linhas de discurso dos procuradores e de Moro ao se referir ao episódio era alegar que o conteúdo poderia ter sido editado pelo hacker antes de entregar as mensagens aos jornalistas que a publicaram com grande repercussão. Moro e os procuradores afirmavam que não reconheciam a autenticidade das conversas divulgadas.

Segundo Lewandowski, porém, a PF concluiu que não houve alterações. O ministro destacou em sua decisão trechos de relatórios da PF sobre o tema.

“Todos os dispositivos arrecadados foram submetidos a exames pelo Serviço de Perícias em Informática do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que objetivaram a extração e análise do conteúdo do material, com a elaboração de Laudo Pericial de Informática específico para cada item aprendido”, diz um dos trechos destacados.

“Dessa forma, qualquer alteração do conteúdo em anexo aos Laudos (remoção, acréscimo, alteração de arquivos ou parte de arquivos), bem como sua substituição por outro com teor diferente, pode ser detectada”, diz outro trecho.

A advogada Juliana Bertholdi, pós-graduada em Direito Público com ênfase em Direito Penal e Processual Penal, porém, faz um alerta sobre a possível autenticidade das mensagens.

“Da decisão proferida, pode-se depreender que todo o material que consta da Ação Penal 1015706-59.2019.4.01.3400 (Operação Spoofing) foi devidamente periciado. Não consta, no entanto, qualquer comparação expressa com o material que veio à tona na mídia. Assim, a decisão é insuficiente para concluir sobre a autenticidade da integralidade do material disponibilizado nas reportagens realizadas até o momento, ou mesmo para negar-lhes veracidade”, explica.

Na decisão, Lewandowski também ressalta a necessidade de manter em sigilo o conteúdo que não diz respeito a Lula. “Considerando que os arquivos arrecadados compreendem cerca de 7 TB de memória, envolvendo inclusive terceiras pessoas, advirto que os dados e informações concernentes a estas deverão permanecer sob rigoroso sigilo”, escreveu o ministro.

Então ministro da Justiça, Moro chegou a dizer que as provas da Operação Spoofing seriam apagadas para não expor as conversas de autoridades hackeadas. O STF proibiu a destruição de provas.

Lula quer reverter condenações da Lava Jato

Com o material em mãos, a defesa de Lula pode usar as mensagens para reforçar argumentos de que os processos contra o petista foram conduzidos de forma ilegal pela força-tarefa da Lava Jato e por Moro.

“Quanto à destinação do material, caberá aos defensores delinear a estratégia de sua utilização, a depender do conteúdo que for encontrado. Seu uso em favor da Defesa é lícito em qualquer processo respondido pelo ex-presidente”, explica Bertholdi.

Lula foi condenado em segunda instância em dois processos da Lava Jato. O primeiro foi o caso do tríplex no Guarujá. Ele já está sendo analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o ex-presidente já cumpriu parte da pena preso em Curitiba.

O segundo caso é o do sítio em Atibaia, que não chegou ao STJ para ser analisado e ainda aguarda o fim da tramitação em segunda instância.

Por causa da condenação concluída em segunda instância, a do tríplex, Lula foi impedido de concorrer à eleição de 2018, por ser considerado ficha suja. Uma anulação da sentença mudaria o quadro. “Caso as condenações que hoje obstam sua candidatura pela Lei da Ficha Limpa sejam revertidas por atuação dos defensores do ex-presidente, Lula poderá concorrer em 2022”, explica Bertholdi.

Suspeição de Moro

A principal aposta da defesa de Lula para reverter a condenação está em um habeas corpus no STF. O documento pede que Moro seja considerado parcial ao julgar o ex-presidente. A alegação da defesa é de que Moro agiu politicamente ao condenar o petista.

Mesmo os casos já sentenciados podem ser revistos a partir da apresentação de novas provas, segundo Bertholdi. “Caso seja comprovado que havia de fato atuação imparcial do julgador e auxílios prestados ao Ministério Público, impactando na paridade de armas com a Defesa, deve-se inclusive reconhecer a nulidade absoluta do processo, que pode ser arguida e reconhecida a qualquer tempo”, explica a advogada.

As mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil já haviam sido anexadas ao pedido em 2019. O caso está parado na Segunda Turma após um pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do ministro Gilmar Mendes.

Nesse processo, os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia já votaram contra o pedido de Lula. Faltam os votos de Gilmar Mendes e Lewandowski, que são críticos ferrenhos da Lava Jato e devem aderir à tese da defesa, e do novo ministro do STF, Kassio Nunes Marques, indicado recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A defesa também aguarda no STF o julgamento de um pedido de suspeição dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato. O caso ainda não tem previsão para ser analisado pelos ministros da Segunda Turma.

A defesa do ex-presidente Lula afirmou que não vai se manifestar sobre a decisão de Lewandowski.

De onde veio a decisão de Lewandowski a favor de Lula

Lula tentou ter acesso aos dados apreendidos na operação Spoofing diversas vezes. Em julho, a defesa já havia entrado com um habeas corpus pedindo acesso às conversas. O caso foi enviado por Edson Fachin para análise do Plenário e ainda não foi julgado.

O pedido atendido por Lewandowski nesta semana foi feito no âmbito de uma reclamação envolvendo o acordo de leniência da Odebrecht. O HC chegou ao STF depois que a Lava Jato de Curitiba afirmou não ter documentação referente às comunicações feitas com autoridades dos Estados Unidos sobre a leniência da empreiteira.

Uma reportagem da Agência Pública, porém, mostrou que o MPF e autoridades norte-americanas mantiveram conversas sobre o acordo de leniência. A matéria se baseia em mensagens trocadas entre procuradores.

“As informações prestadas pela força-tarefa da ‘lava jato’ são incompatíveis com a lógica, com outros elementos existentes nos autos originários e, ainda, com a densidade normativa contida nos acordos firmados pelo Brasil com os Estados Unidos e com a Suíça em matéria de cooperação penal internacional”, disse a defesa de Lula na peça encaminhada ao STF.

Lewandowski já havia determinado que a Lava Jato desse acesso à Lula ao material do acordo de leniência, o que acabou paralisando uma ação penal contra o petista no Paraná, que teve parte dos crimes prescrita em dezembro, por causa da demora no julgamento.

O juiz Luiz Antônio Bonat assumiu os processos da Lava Jato no lugar de Sergio Moro

Lentidão

O juiz Luiz Antônio Bonat que completou no último dia 6 de dezembro um ano e nove meses à frente dos processos da Lava Jato no Paraná, imprime um ritmo mais lento do que seu antecessor, Sergio Moro. O magistrado apresentou sua primeira sentença em uma ação da operação apenas em fevereiro desse ano. O ritmo de Bonat é diferente do de Moro. Durante os quatro anos e meio em que comandou as ações, Moro registrou uma média de dez sentenças por ano. No total, foram 46 em 54 meses, de acordo com dados da Justiça Federal do Paraná.

Em seu primeiro ano à frente dos processos da Lava Jato, o atual ministro da Justiça proferiu três sentenças. Hoje, Bonat possui ao menos 20 processos já prontos para receber sua sentença.

É no mínimo estranho a lentidão de Bonat, o que só beneficia o réu, uma vez que os prazos de prescrição dos crimes correm à revelia do excesso de zelo do magistrado em Curitiba.

Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília