Epidemia de bets está deixando os pobres mais pobres. Congresso e STF reagem

CNC exige a revogação da lei que regulamentou as apostas, mas o governo não quer abrir mão da arrecadação
O ministro Luiz Fux, relator da ação movida pela CNC, convocou audiência pública no Supremo Tribunal Federal para o dia 11 de novembro para discutir a lei que regulamenta as apostas esportivas online

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Uma autêntica Força-Tarefa não convocada, mas agindo na mesma direção, está articulando nos Três Poderes da República uma ampla discussão com a sociedade sobre os efeitos devastadores que começam a aparecer após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sancionar a Lei nº 14.790 de 2023, de autoria do próprio governo, mas que teve trechos modificados ao tramitar no Congresso Nacional, resultando em vetos do presidente ao sancioná-la.

Conforme o Blog do Zé Dudu publicou (aqui), os efeitos práticos da lei que regulamenta as apostas esportivas online, conhecidas como “bets” são apontados por estudos divulgados nessa semana pelo Banco Central do Brasil (BC) e Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), como “devastadores” para muitas famílias brasileiras.

O BC (veja os detalhes aqui) demonstrou que pelo menos 17% dos beneficiários do programa Bolsa Família preferiram apostar – e perder – que comprar comida e outros itens de necessidade.

No estudo, o BC estima que o volume mensal de transferências via Pix de pessoas físicas para empresas de apostas online variou entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões de janeiro a agosto. O número não considera pagamento por meio de outras modalidades, como cartões de crédito, débito, ou transferências via TED.

Entrando no mérito da questão, autoridades dos Três Poderes observam os efeitos não previstos como a ludopatia (vício em jogos), inadimplência crescente no comércio, desequilíbrio do orçamento e da saúde mental de muitas famílias e abalo não esperado na Economia nacional.

Em agosto, por exemplo, foram transferidos via Pix R$ 21,1 bilhões para as empresas de jogos de azar e apostas, enquanto as loterias tradicionais da Caixa arrecadaram R$ 1,9 bilhão.

“É uma epidemia de apostas”, alertou o deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE). O colegiado misto, composto por senadores e deputados, coordenado por Passarinho, deve discutir o tema logo após o final das eleições em suas reuniões semanais.

Supremo

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), sorteado relator da ADI nº 7721, movida pela CNC, convocou audiência pública para o dia 11 de novembro para discutir a lei que regulamenta as apostas esportivas online, conhecidas como “bets”. A audiência será realizada no âmbito de ação proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) que pede a declaração de inconstitucionalidade da “Lei das Bets”, sancionada no final do ano passado.

“Diante da complexidade e da natureza interdisciplinar do tema, que envolve aspectos de neurociência, econômicos e sociais, considera-se valiosa e necessária a realização de audiência pública na presente ação direta, de sorte que esta Corte possa ser municiada de informações imprescindíveis para o deslinde do feito”, afirmou Fux no despacho, publicado nesta quinta-feira (26).

Fux convidou a participar da audiência os presidentes do Banco Central, Roberto Campos Neto, do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outras autoridades.

A CNC pediu a suspensão imediata da lei sob o argumento de que “está causando graves impactos sociais e econômicos”. Fux, contudo, decidiu não analisar o pedido de liminar e remeteu o caso para julgamento no plenário. Ele abriu prazo de cinco dias para autoridades prestarem informações. Depois a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República terão cinco dias para se manifestar.

Especialistas, entidades reguladoras, órgãos governamentais e representantes da sociedade civil podem se inscrever para participar da audiência até as 19h de 18 de outubro. Os requerimentos devem ser encaminhados para o endereço de e-mail: adi7721@stf.jus.br.

A CNC ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF na terça-feira (24), pedindo o fim da operação dos cassinos online no País. No mesmo dia, a CNC também encaminhou um ofício ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que manifesta “grande preocupação com o crescimento descontrolado” das apostas online no Brasil, em especial dos cassinos virtuais. O documento foi entregue ainda aos ministérios da Fazenda, da Justiça e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, além dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados.

Na ação no STF, a CNC argumenta que “a disseminação desenfreada das apostas online estaria criando um ciclo de dependência, principalmente entre os mais vulneráveis, o que tem levado à redução do consumo de bens essenciais e afetado diretamente o comércio”.

A CNC divulgou na última sexta-feira (20), um estudo mostrando que mais de 1,3 milhão de brasileiros teriam ficado inadimplentes no primeiro semestre de 2024 devido a apostas em cassinos online. A entidade afirma que os apostadores têm usado “sem controle” cartão de crédito nessas plataformas de jogos, o que contribui para um aumento das contas em atraso.

Projeto propõe proibir beneficiário do Bolsa Família de apostar

O deputado Tião Medeiros (PP-PR) e o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), protocolaram na quarta-feira (25), três projetos de lei que proíbem beneficiários de programas sociais como o Bolsa Família de gastar dinheiro em bets e que prevê a perda do benefício de quem descumprir a regra.

A proposta foi protocolada após uma análise do Banco Central mostrar que beneficiários do Bolsa Família que fazem apostas esportivas online gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix em agosto.

Segundo o levantamento da autoridade monetária, dos 20 milhões de beneficiários, 5 milhões fizeram apostas no mês passado. A mediana de valor gasto por pessoa foi de R$ 100.

O projeto muda a lei que autoriza as apostas esportivas para condicionar a manutenção do recebimento do benefício social do governo federal à não-participação em apostas virtuais.

Além disso, inclui beneficiários de programa social do governo federal, o cônjuge e seus dependentes no artigo que trata dos impedidos de apostar. Nesse mesmo dispositivo, inclui parágrafo para prever que o descumprimento da proibição provocará a perda do benefício social do titular.

Em outro dispositivo, obriga as empresas que atuam no mercado de bets a enviar mensalmente relatório ao Ministério da Fazenda com a identificação dos apostadores e os valores apostados, consolidados por CPF.

Na justificativa, o deputado Medeiros diz estar preocupado com o envolvimento de pessoas de baixa renda com as apostas online. “Tanto pelo fato de que existe a forte possibilidade de endividamento excessivo dessa parcela da população mais vulnerável, quanto pelo fato de que esteja havendo uma maciça transferência de recursos públicos para as bets, por intermédio de apostadores beneficiários de programas sociais”, adverte o parlamentar.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.