Um estudo inédito da Confederação Nacional de Municípios (CNM) ajuda a entender por que o Brasil tem um dos piores índices do mundo em exames que medem o aprendizado dos alunos da rede pública. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), em 2022, o mínimo da Educação foi calculado em R$ 63 bilhões, e a União aplicou R$ 84 bilhões especificamente em despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino, resultando em excedente de R$ 21 bilhões em relação ao que estabelece a Constituição. Então, o que está ocorrendo?
Segundo especialistas, os entes federativos aplicam mal os recursos, os controles são frouxos e o péssimo sistema de controle e aferição vigente condena as próximas gerações de brasileiros a um futuro medíocre, cujo resultado da conta será atraso, paralisação e prejuízo para toda a sociedade.
O levantamento da CNM expõe outra praga brasileira: a incapacidade dos governos de executarem obras cujos prazos e orçamentos estão planejados. Caso contrário, não existiriam 9.693 obras públicas paradas no Brasil desde 2007, 4.989 delas na área da Educação – o que representa 51% das construções paralisadas no país. Segundo o estudo, as obras pela metade na Educação estão em 2.234 municípios, totalizando 40% do total dos 5.568 municípios brasileiros.
A especialista em direito empresarial, Larissa Vargas, elenca impactos da paralisação dessas obras, com prejuízos aos cofres públicos e à confiança nos gestores: “A paralisação de obras na área da educação tem realmente sérias implicações para os cofres públicos e podem resultar na perda de recursos investidos por desperdício de investimento e deterioração de estruturas inacabadas”.
“Podem resultar também em custos adicionais de retomada, impactar a economia local de forma imediata na geração de empregos, além de ter efeito sobre a gestão pública, quanto a credibilidade e confiança dos gestores, o que, obviamente, afasta investidores,” afirma.
Ela explica que, quando uma obra é paralisada, diferentes impactos e desafios relacionados aos recursos surgem, independente da área. “Esses impactos podem ser financeiros, materiais, humanos e administrativos. A deterioração de materiais, a desmobilização de equipes e os desafios administrativos são alguns dos principais impactos. Além disso, há necessidade de ajuste nos cronogramas,” explica.
Nesse cenário, há ainda o aumento no orçamento e no custo de conclusão da obra. “A paralisação não resulta apenas em perdas imediatas, mas também cria dificuldades adicionais para a retomada e conclusão desses projetos,” completa a advogada.
Implicações na educação
O coordenador do Colégio Militar em Brasília e mestre em História Social pela Universidade de Brasília (UnB), Isaac Marra, destaca que a paralisação de obras da educação, além de impactar as comunidades ao redor, também prejudica indicadores como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e, inclusive, os resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
“Com certeza tem algumas implicações profundas, tanto nas comunidades locais, nos municípios, na dinâmica dos estados, quanto na educação do âmbito nacional, pensando em termos de Ideb e também, no fim da linha, no próprio Exame Nacional do Ensino Médio, na qualificação e na qualidade da educação e da instrução que está sendo ali ofertada,” salienta.
Ele pontua ainda que a interrupção afeta o acesso à educação: “Além disso, essa interrupção também, carrega outro aspecto, é que limita o acesso efetivo, pleno à educação, especialmente nas regiões mais sensíveis, regiões rurais, regiões mais periféricas, até mesmo os grandes centros, mas que em muitos casos se assemelham à uma infraestrutura do interior, de fato”.
Para o estudioso, os reflexos da falta de acesso aos ambientes educacionais adequados corroboram para impactos não apenas na atual geração, mas nas futuras. “A ausência de bibliotecas, de laboratórios, de áreas de recreação, acabam limitando essas oportunidades de aprendizado efetivo, prático e a dinâmica extracurricular, que são as propostas da educação básica no Brasil,” resume, lembrando que um ambiente escolar sem atrativos resulta na explosão dos índices de evasão escolar. Os alunos desistem de estudar em idade que varia dos 12 aos 16 anos.
“Os professores também acabam enfrentando algumas dificuldades adicionais, como falta de materiais, equipamentos adequados, uma condução plena, eficaz,” conclui Isaac Marra.
Retomada de obras na área da Educação
O levantamento da CNM também mostra que o prazo para que estados e municípios manifestassem interesse na retomada de obras paralisadas e inacabadas na área da Educação terminou em 22 de dezembro de 2023. Os dados apontam que 1.564 (28,1%) municípios manifestaram interesse para retomar 3.388 obras. A previsão é que sejam repassados cerca de R$ 3,5 bilhões (corrigidos INCC) pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Já 997 Municípios (17,9%) não tiveram interesse em retomar 1.601 obras paradas. Essas obras serão canceladas e os entes municipais terão de devolver ao Tesouro Nacional cerca de R$ 2,5 bilhões (corrigidos pela Selic). Mas, quando?
Confira alguns estados que solicitaram interesse na repactuação:
- Maranhão (689 em 177 localidades);
- Pará (422 em 104 localidades);
- Bahia (392 em 209 localidades).
A soma dos três estados resulta na repactuação de 1.503 obras, o que equivale a 44% do total. Não por acaso, eles estão no final da fila nos índices do Ideb.
O estado com o maior número de obras que não manifestaram interesse na retomada é a Bahia (193 em 115 localidades), seguido de Minas Gerais (177 em 144 localidades) e Pernambuco (120 em 65 localidades). Os municípios mineiros são os que têm o maior volume de dinheiro a devolver, R$ 336,6 milhões, seguidos dos municípios baianos, com R$ 302,7 milhões, e cearenses, com R$ 201,7 milhões, embora o Ceará seja o número um nos índices do Ideb, o que infere numa das inúmeras contradições que se perpetuam no Brasil.
TCU
O último levantamento do TCU, em janeiro de 2023, mostrou que as regiões Nordeste e Norte do país concentravam 73,9% das obras paralisadas no país na área de educação, e o cenário piorou em junho de 2024.
Ao todo, há um ano e meio, o Brasil tinha 3.993 obras paralisadas na área, em contraste com os números atualizados pela CNM, revelados no início desta reportagem. Do total apurado pelo Tribunal de Contas da União, o Nordeste somava 1.986 (49,7%), e a região Norte, 966 (24,1%). Juntas, as duas regiões somavam 2.952 obras nessa situação.
Em seguida, apareceram as regiões Sudeste, 560 (14%), Centro-Oeste, 275 (6,8%) e Sul, 260 (6,5%).
Segundo o TCU, em janeiro de 2023, os cinco estados com mais obras inacabadas na área de educação eram:
- Maranhão (608);
- Pará (519);
- Bahia (390);
- Minas Gerais (306);
- Ceará (241).
O tempo passou, nada mudou, e só piora.
Confira o estudo completo da CNM aqui.
Por Val-André Mutran – de Brasília