Ações judiciais podem mudar o quadro dos vencedores das últimas eleições municipais e a próxima composição das câmaras municipais. Todos os partidos e as três federações partidárias podem ser acionadas judicialmente por candidaturas que se sentirem prejudicadas pela violação da legislação eleitoral que estabelece obrigatoriedade de ao menos 30% de mulheres concorrendo nos pleitos legislativos locais.
Um estudo inédito elaborado pelo Observatório Nacional da Mulher na Política, vinculado à Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, quantificou o tamanho da violação. As cotas para mulheres nas eleições municipais foram desrespeitadas em 700 municípios.
O Blog do Zé Dudu teve acesso à Nota Técnica (NT) 06 – “Estudo sobre o cumprimento da cota de participação feminina nas Eleições Municipais de 2024 por partidos e federações,” de autoria de Marcus Chevitarese Alves, Thamara Dutra Ribeiro, David Mercado Faustino. O levantamento foi publicado dois dias antes das eleições municipais do primeiro turno, realizadas no último dia 6.
Organizada em cinco seções, a NT 06 possui uma “Análise geral”, que sumariza as estatísticas agregadas, comparando-as com os resultados das eleições municipais de 2020. A seguir, vem a “Análise por Municípios”, que apresenta o exame do cumprimento das cotas pelos partidos políticos, com agregação por município, seguida pela “Análise por Partidos Políticos”, que mostra o grau de cumprimento das legendas nos municípios onde lançaram candidatura. Por fim, a “Análise por Federações Partidárias” tem estrutura semelhante, mas com agregação por federações.
Nas eleições de 2024, foram identificados 279.011 registros de candidaturas masculinas e 152.930 femininas, correspondendo a 64,59% e 35,41%, respectivamente. Este número mostra uma diminuição de mais de 27 mil candidaturas femininas, mas mesmo com a diminuição, houve um aumento relativo de 1% do percentual total em relação às eleições municipais de 2020.
O estado com menor participação de candidaturas proporcionais foi o Rio de Janeiro, com 34,29%, sendo o maior percentual de Mato Grosso do Sul, com 36,48%. Os demais estados permaneceram com uma variação de 34 a 36% de participação feminina nas candidaturas à vereança.
A Reportagem extraiu os dados referentes ao Estado do Pará:
UF Quantidade de candidatas mulheres Total de Candidatos Porcentagem de candidatas mulheres pelo total (%) PA 6.140 17.133 35,84 % UF Nº de municípios onde ao menos um partido descumpriu a cota de gênero Nº de municípios onde todos os partidos cumpriram a cota de gênero Proporção de municípios onde todos os partidos cumpriram a cota de gênero (%) PA 25 119 82,64 Partido Municípios em que o partido lançou candidaturas Municípios em que o partido não respeitou a cota de mulheres Percentual de desrespeito de cada partido (%) PCO 22 2 9,09 CIDADANIA 740 48 6,49 AGIR 583 30 5,15 MOBILIZA 523 26 4,97 PSDB 2.129 93 4,37 PMB 324 14 4,32 REDE 501 20 3,99 DC 533 21 3,94 PRTB 327 12 3,67 PV 1.021 30 2,94 NOVO 562 15 2,67 SOLIDARIEDADE 1.260 33 2,62 PT 3.439 83 2,41 AVANTE 1.362 32 2,35 PCdoB 841 17 2,02 PDT 2.002 39 1,95 PODEMOS 1.999 38 1,90 PL 3.071 58 1,89 PRD 1.422 24 1,69 PP 3.464 57 1,65 PSD 3.349 55 1,64 PSOL 520 8 1,54 MDB 3.872 58 1,50 UNIÃO BRASIL 3.160 46 1,46 REPUBLICANOS 2.891 42 1,45 PSB 2.290 31 1,35 PCB 7 0 0,00 PSTU 32 0 0,00 UP 25 0 0,00
O levantamento realizado pelo Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados mostra que, nas eleições municipais deste ano, mais de 700 cidades não cumpriam a cota mínima de candidaturas femininas. Pela Lei das Eleições, os partidos são obrigados a ter pelo menos 30% de mulheres concorrendo nas eleições para a Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras de vereadores.
O resultado é melhor que o das eleições municipais de 2020, quando a reserva de candidaturas para mulheres foi desrespeitada em 1.304 municípios.
Criadas em 2009, as cotas nunca foram efetivamente cumpridas pelos partidos. O Brasil permanece como um dos países do mundo com menor representação feminina na política. Na Câmara, apenas 18% das cadeiras são ocupadas por deputadas. No Senado, a presença feminina é ainda menor – elas ocupam 12% das vagas.
As cotas de gênero nas eleições são uma medida de ação afirmativa que estabelece um percentual mínimo de candidaturas, visando promover a igualdade de gênero na representação política. N\ Brasil, a legislação eleitoral exige que partidos políticos assegurem um mínimo de 30% e um máximo de 70% de candidaturas de cada sexo.
As bases legais para a implementação das cotas de gênero foram estabelecidas pela Lei 9.504/1997, Lei 14411/2021 e Emenda Constitucional 117/2022, e regulamentadas por diversas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na opinião da deputada Flávia Morais (PDT-GO), essa sub-representação traz prejuízos para as políticas públicas do país. “Principalmente nos parlamentos, a presença da mulher é muito importante, porque são colegiados em que a maioria decide, e quando nós não temos a representação da maioria da população, que são as mulheres, com certeza isso se reflete na falta de políticas públicas, na falta de força política para aprovar projetos de grande relevância,” lamentou.
Nas eleições deste ano, de acordo com o estudo, as mulheres responderam por mais de 30% das candidaturas (veja infográfico abaixo). O estado com menor participação de candidaturas proporcionais foi o Rio de Janeiro, com 34,29%, sendo o maior percentual de Mato Grosso do Sul, com 36,48%. Os demais estados permaneceram com uma variação de 34 a 36% de participação feminina nas candidaturas à vereança.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, além de destinar 30% das vagas nas eleições proporcionais para mulheres, os partidos também devem aplicar esse mesmo percentual do Fundo Eleitoral no financiamento de candidaturas femininas. No mesmo ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda passou a obrigar as legendas a reservar 30% do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV para as candidatas.
Proporção média em municípios que não cumpriram a cota
Nos municípios onde a cota não foi cumprida, observa-se uma redução significativa na proporção média de candidaturas femininas. Por exemplo, o PCO apresentou 0% de candidaturas femininas nesses municípios, evidenciando a ausência completa de mulheres candidatas nessas localidades específicas.
Outros partidos, como o PCdoB e o CIDADANIA, embora tenham proporções altas no geral (44,18% e 41,62%, respectivamente), caem para 15,60% e 16,30% nos municípios onde não cumpriram a cota, indicando disparidades regionais ou locais na composição das chapas.
Disparidades entre os partidos
Partidos tradicionais como PT, PSDB, MDB, PV, PL e PSB mantêm proporções médias acima de 35% no geral, mas também sofrem reduções nos municípios não conformes, caindo para cerca de 25% a 27%.
Partidos menores ou menos expressivos eleitoralmente, como PCB, PSTU e UP, apresentam altas proporções de candidaturas femininas e não registraram municípios onde a cota não foi cumprida, ou os dados não estão disponíveis, o que pode refletir em estruturas partidárias mais engajadas na promoção da igualdade de gênero.
Conclusão
Em termos absolutos, houve cerca de 27 mil candidaturas de mulheres à vereança a menos em 2024, na comparação com 2020; mas, em termos absolutos, as mulheres aumentaram em 1% sua participação. De forma geral, a participação feminina média nas candidaturas à vereança nos estados oscilou entre de 34 a 36%.
Em 4.797 municípios todos os partidos cumpriram a cota de gênero de candidaturas (o que corresponde a cerca de 86% do total de municípios). Já em 772 municípios, ao menos um partido não cumpriu a cota (14% do total). Isso revela a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de controle e aplicação, para que as cotas sejam cumpridas integralmente, conforme a legislação vigente.
A maioria dos partidos apresenta uma proporção média de candidaturas femininas acima dos 35%, superando a cota mínima exigida. PSDB, PT e PL foram os partidos que mais descumpriram a cota, em termos absolutos: isso ocorreu, respectivamente, em 93, 83 e 58 municípios. No entanto, é preciso ressaltar que esses partidos lançaram candidatura em um grande número de municípios. Proporcionalmente, todos os três tiveram um grau de “descumprimento” inferior a 5%.
Constatou-se que todas as federações tiveram um grau de “descumprimento” inferior a 2%. Dessa forma, a união de partidos em federações parece contribuir para um melhor cumprimento da legislação eleitoral referente à participação feminina. Isso pode ser resultado da combinação de recursos e estratégias para incentivar e viabilizar mais candidaturas de mulheres, concluiu o estudo.
Por Val-André Mutran – de Brasília