Estudos derrubam mitos sobre transmissão da covid-19 por pessoas assintomáticas

Nove a cada dez brasileiros com Covid-19 têm ao menos sintomas leves, diz estudo

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Brasília – No plano internacional, duas entrevistas coletivas nessa semana com representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS), a principal indagação feita a chefe de unidade de doenças emergentes da entidade, Maria van Kerkhove foi: “Assintomáticos transmitem, ou não, o novo coronavírus?” A resposta foi direta, embora não conclusiva: “Pessoas sem sintomas para a Covid-19 podem, ainda assim, transmitir o novo coronavírus. O risco existe, e alguns estudos alertam para a transmissão, mas ainda há muitas incertezas sobre o tamanho desse risco”, respondeu.

A afirmação da OMS é coadunada com Estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ao concluir que: “Diferentemente do que se pensava a princípio, a Covid-19 é assintomática apenas em uma fração pequena dos casos”, segundo Pedro Hallal, professor da UFPel, o levantamento permitiu concluir que o que acontece é que uma fração considerável não chega a ter necessidades hospitalares, mas apresenta uma versão leve dos sintomas.

“Se formos usar o termo assintomáticos, ou seja, sem sintomas, o contingente é só de 9%”, afirmou Hallal. Portanto, 91% dos entrevistados com resultados positivos haviam sentido algum sintoma da doença.

O estudo foi conduzido pela UFPel em parceria com o Ministério da Saúde e o Ibope em três fases, entrevistando um total de 89.397 pessoas, também submetidas a testes rápidos. Destas, cerca de 2 mil tiveram resultado positivo para a presença de anticorpos.

Para o professor, o resultado vai ajudar a combater a disseminação da doença no país, com o Ministério da Saúde adotando protocolos que orientem a testagem de acordo com os sintomas mais comuns. “Os sintomas de Covid-19 aparecem e essa é uma boa notícia para a Secretaria de Vigilância em Saúde, para desenvolver protocolos para identificar pessoas sintomáticas e ajudar a prevenir a doença”, afirmou, em coletiva de imprensa na quinta-feira (2).

Olfato e paladar

De acordo com Hallal, um sintoma deve ser focalizado: a perda de olfato e paladar. Além de ser sintoma mais comum, registrado por 63% dos respondentes que testaram positivo, é uma ocorrência que ajuda a diferenciar em relação a outras doenças.

“É um sintoma raro, que acontece em poucas doenças, diferentemente de outros como dor de cabeça e tosse”, explicou o professor. Dor de cabeça (62,2%), febre (56,2%), tosse (53,1%) e dor no corpo (52,3%) completam a lista dos sintomas mais comuns da Covid-19, segundo o questionário.

Recorte social

De acordo com o pesquisador, o levantamento evidenciou a diferença de impacto social a respeito da pandemia do novo coronavírus. “Em qualquer uma das três fases, 20% dos pobres apresentam o dobro da infecção em relação aos 20% mais ricos”, explicou.

Uma das principais razões apontadas é a falta de distanciamento social dentro das próprias casas. “Acomodações menores, com mais pessoas e menos cômodos”, disse.

A pesquisa mostrou que a região Norte foi a única a apresentar retração entre a segunda e a terceira fase, sendo que o Nordeste registrou uma alta menor e Sudeste, Sul e Centro-Oeste tiveram uma aceleração. A segunda fase aconteceu entre os dias 4 e 7 de junho e a terceira fase entre os dias 21 e 24 de junho.

Diante dos resultados, o especialista afirmou que a aceleração menor de forma geral no Brasil “é uma ótima notícia”. No entanto, Hallal acredita que a flexibilização do distanciamento social só deveria acontecer em estados e municípios com os números em queda.

Sintomáticos

Maria van Kerkhove da OMS completa, afirmando que aparentemente é raro que haja uma contaminação secundária a partir de pessoas assintomáticas (sem sinais aparentes da doença). “Ainda parece ser raro que uma pessoa assintomática transmita para frente. O que nós realmente precisamos é seguir os casos sintomáticos. Se seguirmos todos os casos sintomáticos, acompanharmos e os isolarmos, se encontrarmos os contatos e também os colocarmos em quarentena, vamos reduzir drasticamente a transmissão. Se pudéssemos focar nisso, teríamos bons resultados na supressão da transmissão”, disse.

A fala da especialista se baseia nas experiências de alguns países que ativamente buscaram pelas pessoas que tiveram contato com pacientes infectados e confirmados para a Covid-19. “Nós temos uma série de relatórios de vários países que estão fazendo uma busca ativa muito detalhada, que seguem casos assintomáticos e seus os contatos, e não estão encontrando a transmissão secundária. É muito raro”, reforça.

Isso significa que as pessoas que não apresentam sintomas para a Covid-19 não precisam se preocupar com a transmissão da doença e podem sair do isolamento? Não. A própria especialista da OMS reforça que os dados são preliminares, sem estudos maiores que comprovem isso, e que a resposta certa ainda não existe.

A resposta só virá a partir de uma testagem maior da população, com acompanhamento de todos os sintomáticos, assintomáticos e mesmo dos pré-sintomáticos — grupos que não podem ser confundidos.

Pré-sintomático

No caso de um pré-sintomático, os sintomas podem não aparecer logo de início, mas surgir dias depois, ou mesmo de forma não tão clássica. Por exemplo, a pessoa infectada pode não apresentar febre, falta de ar e cansaço, mas sim a perda do paladar e do olfato, que são sintomas recentemente associados à Covid-19. Esse período anterior aos sinais pode enganar e dar a entender que se trata de alguém assintomático.

“Boa parte das pessoas que eram chamadas assintomáticas tinham sintomas muito leves e até atípicos, como uma urticária. Também podem ser pré-sintomáticas. Ou seja, ainda não desenvolveram os primeiros sintomas. E as pessoas infectadas começam a transmitir entre um a três dias antes dos primeiros sintomas“, explica Viviane Alves, microbiologista do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e chefe do laboratório de Biologia Celular e Microrganismos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Essa transmissão antes do aparecimento dos sintomas não é uma característica exclusiva do Sars-Cov-2, segundo a microbiologista. “Isso vale para a maioria das doenças virais. O que sabemos é que uma pessoa com sintomas libera mais vírus do que aquela com sintomas mais leves. O problema é que ainda não sabemos a quantidade necessária de vírus para ficarmos doentes”, explica.

Sendo assim, mesmo que a pessoa tenha contato com o vírus e esteja infectada, embora sem sintomas, não há como saber se ela estará transmitindo a quem estiver próximo sem uma testagem em massa. E por isso a importância no uso da máscara, do distanciamento social e demais medidas de contenção do vírus.

“Como a população vai saber, olhando para a pessoa, se está infectada ou não? A pessoa que hoje está assintomática, amanhã pode estar espirrando, com urticária, e ela nem sabe, mas já transmitiu. Pretende sair por aí com um questionário perguntando para as pessoas se, por acaso, sentiram algo estranhos últimos dias? Tipo, uma diarreia, coceira, conjuntivite? Imagino que não, então é importante que todo mundo se previna”, reforça Viviane.

Isolamento em xeque?

Com receio das conclusões precipitadas que surgiram a partir da entrevista coletiva da OMS fez uma nova roda de conversa nesta terça-feira (30) pela manhã. Na fala, Mike Ryan, diretor executivo do programa de Emergências de Saúde da OMS, reforçou que ainda se busca saber o real papel dos assintomáticos na transmissão da doença, e que as medidas de prevenção devem continuar, inclusive o isolamento social.

“A estratégia do início ainda é a recomendada. Distanciamento social, cuidados com a higiene, encontrar os casos suspeitos, reforço do sistema de saúde para evitar o colapso. Vemos que em países que implementaram essas medidas, e fizeram consistentemente e comunicaram à população, esses países tiveram resultados melhores”, diz Ryan.

A equipe ainda disse que as pessoas assintomáticas são encontradas com mais facilidade depois de pequenos surtos da doença, que favorecem a testagem em massa de uma população.

“Muitos deles, no início, vinham da busca ativa. Eram pessoas próximas a confirmados para a doença, porque muito da transmissão ocorre dentro de casa, então poderiam ser jovens ou mesmo mais velhos. Agora vemos que os assintomáticos são encontrados em surtos. Nessas situações são feitas muitas testagens em busca do vírus, e é uma estratégia de colocar o vírus sob controle. E há muitas dúvidas ainda sobre isso, mas os assintomáticos positivos tendem a ser jovens, sem doenças associadas. Mas não podemos generalizar”, explica a chefe de unidade de doenças emergentes da entidade, Maria van Kerkhove.

Quando a transmissão é maior?

Outra dúvida que surgiu durante a coletiva com a OMS, e que os especialistas ainda não têm a resposta, é com relação ao momento em que o paciente mais transmite a Covid-19.

“O que temos são poucos estudos, dados limitados, de quando as pessoas testam positivo e quando elas têm maior carga viral. Não sabemos quando elas são mais transmissíveis, mas pessoas com maior quantidade de vírus são capazes de espalhar mais. E não sabemos por quanto tempo. Estudos preliminares sugerem de oito a nove dias para pacientes com sintomas leves, mas pode ser mais longo. Por isso a importância da quarentena”, diz a especialista.

Da mesma forma, ainda não se sabe se outros modos de transmissão podem ser identificados mais para frente. “Certamente tem a especulação sobre a transmissão fecal-oral, ou gastrointestinal, mas não vemos muitas evidências. Nesse momento, as evidências mostram para uma transmissão respiratória, e contaminação de superfícies em contato depois com a mucosa. Mas temos que manter a menta aberta, porque vimos outras doenças que tinham rotas múltiplas de transmissão”, conclui Mike Ryan.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente de Brasília.