Brasília – O conselheiro do Public Knowledge, Alex Petros, think tank (centro de pensamento) americano de políticas públicas para novas tecnologias, disse, em entrevista na rede social do órgão – espécie de Anatel americana –, que o processo contra o gigante de buscas Google (controlada pela holding Alphabet) não foi uma surpresa. Ele explica que a questão não está “apenas“ no monopólio exercido pela empresa, mas em práticas adotadas para alcançar o topo, e alerta que outras empresas devem se tornar alvo da Justiça.
Segundo Petros, a abertura desse processo já era esperada. “Foi montada uma estrutura de investigação que durou anos, então já era esperada há algum tempo a abertura de um processo antitruste. E esse é apenas o primeiro – espera-se que procuradores estaduais abram casos separados. A Comissão Federal de Comércio [americano] está com o Facebook na mira. Esse é apenas o tiro de largada para uma série de processos antitruste nos EUA,” disse.
O conselheiro explicou que o Departamento de Justiça deve questionar outras companhias, como Amazon, Facebook e Apple. “Eu acredito que o caso do Google está mais avançado. A Comissão Federal de Comércio está de olho no Facebook. No que diz respeito à Apple e à Amazon, certamente existem problemas envolvendo a competição”.
Questionado que os monopólios não são ilegais nos EUA, Petros esclareceu que a questão não está no monopólio, mas no caminho percorrido pelo Google para consolidar esse monopólio. “Se foi um acidente histórico, um ato de Deus, ou apenas aconteceu de o Google ter o melhor produto de todos os tempos, tudo bem. Mas se esse monopólio foi formado com condutas anticompetitivas, com o empacotamento do serviço em contratos de exclusividade, como diz o processo, isso é ilegal,” explicou.
“O Google alega que existe competição, que há opções no mercado… Eu acho que o Google gosta de apontar que, no mercado de buscas, há concorrentes. Mas na realidade, não existe nenhuma outra companhia como o Google. No fundo, o Google é uma empresa de dados, que coleta informações das contas dos usuários, seja no aplicativo de mapas, no sistema operacional ou no navegador Chrome. Atuando em todas essas áreas, ele cria a joia da coroa das buscas, praticamente imune à competição, porque ninguém tem o mesmo nível de fontes de dados que o Google,” detalhou o especialista.
O processo foi aberto poucas semanas antes da eleição presidencial americana, e muitos políticos republicanos comemoraram a ação. Está sendo questionado se houve alguma influência política no andamento desse processo.
Petros disse: “É muito difícil afirmar. O que posso dizer é que o Departamento de Justiça fez um ótimo trabalho ao analisar o mercado de ferramentas de buscas e de publicidade associada com as buscas. E eles conseguiram dados consistentes e confiáveis, montando um caso com potencial de vitória”.
Indagado se a ação contra o Google se parece com o processo aberto, anos atrás, contra a Microsoft, respondeu: “Eu acho que a teoria de danos é similar, assim como o contexto. E certamente este é o maior caso desde o processo contra a Microsoft. Na década de 1990, a Microsoft estava atrasada no mercado de internet e, na sua tentativa de recuperar o tempo perdido, adotou medidas anticompetitivas”.
Ele explicou a complexidade da investigação. “Com o Google, a ameaça foi o mobile. A empresa percebeu que os smartphones eram uma ameaça ao seu negócio, pois as pessoas fariam buscas de formas completamente diferentes. E indo além dos smartphones, as pessoas iam acessar as ferramentas de busca por assistentes de voz, pelos smartwatches, pela geladeira. E o Google vem tentando se posicionar como uma potência em cada um desses segmentos. Dessa forma, eu acho que o caso do Google tem muitas semelhanças com o da Microsoft. E o mais importante é que, com a Microsoft, o Departamento de Justiça criou um ambiente favorável para que empresas como o Google surgissem e crescessem. Agora, com o Google, a expectativa é que possa ser criado o ambiente para que novos competidores surjam e cresçam”.
Sobre o que pode acontecer com o Google – por exemplo, se a Justiça pode determinar que a empresa seja dividida ou algo nessa direção –, Petros esclarece: “Sim, certamente é possível. O processo propõe o ‘alívio estrutural’ como possível solução para as práticas anticompetitivas. Mas existem outras medidas que podem ser impostas, como a interoperabilidade obrigatória e a oferta para os usuários escolherem seus serviços padrão. Mas o Departamento de Justiça deixou claro que todas as opções estão na mesa”.
No que se refere aos consumidores, perguntado se haverá consequências, o conselheiro pontuou: “É possível olhar sob diferentes ângulos. O primeiro é que eles sofrem com a falta de competição nas ferramentas de buscas; há poucas alternativas. Outro ponto é que eles sofrem pelos preços mais altos pagos pelos anunciantes, que são repassados nos valores cobrados por produtos e serviços. O processo também cita a qualidade dos resultados das buscas, que poderia ser melhor se houvesse competição”.
Petros foi questionado se a ação, movida pelo governo dos EUA contra uma empresa americana, pode ter impacto em investigações e processos do tipo em outros países. Ao responder, explicou que: “Acho que nós demoramos a tomar ações, arriscando o surgimento de um mundo onde empresas americanas são reguladas, primeiramente, por órgãos no exterior. Nós cedemos campo sem a devida regulação dessas companhias. Essa disputa vai ser longa, talvez de muitos anos, mas definitivamente mostra que os EUA estão seguindo o caminho adotado por muitos de nossos parceiros internacionais,” referindo-se que a ação contra o Google segue caminho trilhado por outros países para conter possíveis abusos das “big techs”.
Por Val-André Mutran – de Brasília